O Globo, Economia, p. 21 - 19/12/2011
Risco em área ainda a ser preservada
Vazamento de óleo em navio-plataforma expõe ameaça da exploração do pré-sal à Costa Verde
Paulo Roberto Araújo*, Liana Melo,
Cláudio Motta* e Isabel de Araújo
economia@oglobo.com.br
Empurrado pelas marés, o óleo combustível que vazou do navio-plataforma Cidade de São Paulo, da empresa Modec, teria chegado ontem à Praia do Bonfim, em Angra dos Reis, segundo a Secretaria estadual do Ambiente. O vazamento, estimado em 10 mil litros pelo Instituto Estadual do Ambiente (Inea), ocorreu na sexta-feira, quando a embarcação estava a caminho do estaleiro Brasfels para ser transformada numa plataforma para operar a serviço da Petrobras no campo de Guará, no pré-sal da Bacia de Santos. O acidente, que ocorre pouco mais de um mês após o vazamento da petroleira Chevron, na Bacia de Campos, expõe, na visão de especialistas e até mesmo de técnicos do Ibama, os riscos da exploração do petróleo no pré-sal.
E, no caso da Costa Verde, o chefe do escritório do Ibama em Angra dos Reis, José Augusto Morelli, denunciou ontem a total inexistência de monitoramento nos navios responsáveis pelo transporte de óleo e minério na região. Ele disse que o escritório do Ibama na Ilha Grande tem apenas uma lancha para a fiscalização:
- A baía da Ilha Grande é a bola da vez e corre grandes chances de ser degradada por descaso das autoridades. É urgente que se crie uma central de emergência com estrutura para monitoramento das operações dos navios e combate imediato a eventuais acidentes ambientais. O que eu vejo é um bate-cabeça entre Inea, Ibama, Petrobras e Secretaria estadual de Ambiente.
O vazamento do óleo combustível do navio-plataforma da Modec acabou levando o secretário estadual do Ambiente, Carlos Minc, a antecipar algumas decisões. Segundo ele, até o fim de janeiro será criada a Área de Proteção Ambiental (APA) Marinha da Ilha Grande.
A Modec Serviços de Petróleo do Brasil, responsável pelo vazamento, foi multada em R$10 milhões e, ontem, foi convocada para fazer a limpeza na Praia do Bonfim e recolher o material, que será analisado pelo Cenpes, centro de pesquisa da Petrobras. O objetivo é confirmar se os resquícios de óleo encontrados na praia são mesmo provenientes do vazamento do navio-plataforma da Modec. O laudo técnico ainda não tem data para ficar pronto.
Multa pode subir após avaliação do dano
No sábado, segundo a própria Modec, vestígios de água oleosa foram encontrados no Saco de Mamanguá. Ontem, Minc e a presidente do Inea, Marilena Ramos, sobrevoaram a região atingida, em diferentes voos. Marilena sobrevoou pela manhã e Minc à tarde. Ambos confirmaram a existência de duas manchas de óleo, uma nas proximidades da Ilha dos Porcos e outra na região do Saco do Mamanguá. Após o sobrevoo, Minc afirmou que o óleo encontrado na praia deverá influenciar no valor final da multa (inicialmente calculada em R$10 milhões) a ser aplicada à empresa e no cálculo do dano ambiental causado na região - que deverá subsidiar eventual ação indenizatória contra a empresa.
O secretário de Meio Ambiente de Angra dos Reis, Marco Aurélio Vargas, convocou para hoje representantes de Inea, Ibama e Petrobras para discutir a melhor forma de preservar o litoral da Costa Verde. O encontro acontecerá no Centro de Meio Ambiente de Angra.
- A Petrobras deveria dar mais segurança às operações de prospecção de petróleo na Baía da Ilha Grande. A região está exposta a este tipo de manobra, como também ao terminal marítimo da Petrobras, onde é descarregado o óleo das embarcações. Além disso, ainda é vizinho da Baía de Sepetiba, onde ocorrem as operações com minério - avaliou Vargas.
O responsável pela Modec na Bacia de Santos, André Cordeiro, afirmou que as características do óleo encontrado na Praia do Bonfim são "distintas" do produto que vazou do navio-plataforma. A empresa também discorda que o volume vazado tenha sido de 10 mil litros:
- Nossos cálculos indicam que o vazamento não ultrapassou os 4,4 metros cúbicos, ou 4,4 mil litros, que é a capacidade máxima da tubulação no qual houve o incidente.
A Polícia Federal também está no encalço da empresa, assim como fez com a Chevron. O delegado Fábio Scliar, autor do inquérito contra a petroleira americana, também sobrevoou a área ontem, em outro voo, e avistou duas manchas, possivelmente de óleo. Ele estuda a possibilidade de instaurar inquérito.
Minc decidiu limitar a movimentação de embarcações na região, negando à Petrobras o pedido de duplicação do seu terminal de navios, o Tebig, em Angra. Assim como a instalação de um terminal de minério da Brazzore, na Ilha de Itacuruçá.
- Não queremos engessar a economia da região, mas o crescimento de atividades como a do petróleo não pode inviabilizar outras atividades importantes, como o turismo e a pesca, e a preservação de espécies marinhas, como os golfinhos.
O presidente do Comitê de Defesa Ilha Grande (Codig), Alexandre Oliveira e Silva, admitiu estar muito preocupado:
- O incremento da atividade na Ilha Grande acontece sem segurança jurídica ambiental, não há legislação clara a respeito destas atividades.
A bióloga Leandra Gonçalves, coordenadora da campanha de clima e energia do Greenpeace, diz que o Rio deveria estar preocupado com segurança e não apenas com os royalties do pré-sal.
(*) Enviados especiais
Corpo a Corpo
Fiscalização em ritmo lento
Moacyr Duarte
O pesquisador do Grupo de Análise de Risco Tecnológico e Ambiental da Coppe, Moacyr Duarte, está convencido de que está ocorrendo um descompasso entre a indústria de petróleo e sua retaguarda de segurança. Os órgãos de fiscalização e os planos de contingência das empresas não estão avançando na mesma velocidade.
Houve mais um acidente em pouco mais de um mês. O que está ocorrendo na indústria de petróleo?
MOACYR DUARTE: A indústria está avançando num ritmo muito rápido. Está ocorrendo um descompasso entre esse avanço tecnológico e sua retaguarda. Os órgãos de fiscalização e os planos de contingências das empresas não estão avançando na mesma velocidade.
Os órgãos de fiscalização estão preparados para enfrentar o aumento de acidentes, que será inevitável?
DUARTE: Não existe mão-de-obra preparada para atuar no setor de petróleo na área de fiscalização. O mesmo ocorreu quando resolveram disponibilizar bombas a gás nos postos de gasolina da Dutra. O problema é que nem os bombeiros estavam preparados para atuar em incêndios com carro a gás.
O senhor está preocupado com este despreparo?
DUARTE: Sim. Quando ocorreu o acidente da Chevron, foi preciso um elemento exógeno ao processo, um delegado da Polícia Federal, para mobilizar os órgãos ambientais e de fiscalização. (Liana Melo)
O Globo, 19/12/2011, Economia, p. 21
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