Um viaduto para livrar os bichos do trânsito

O Globo, Rio, p. 6 - 13/03/2017
Um viaduto para livrar os bichos do trânsito

Guilherme Ramalho

RIO - As placas indicam o caminho exato para Poços das Antas, a primeira reserva biológica de proteção integral do Brasil. Sua área de cinco mil hectares, criada em 1974, em Silva Jardim, no interior do Estado do Rio, preserva até hoje o que restou da Mata Atlântica fluminense. Lá, vivem micos-leões-dourados, macacos bugios e onças jaguatiricas, todos ameaçados de extinção. As antas, que dão nome à unidade, já sumiram da região, cujo acesso é feito, unicamente, pela BR-101 Norte, que liga o Rio ao Espírito Santo. Desde 2011, a rodovia passa por obras de duplicação, mas só no mês passado ficou definido como os animais poderão atravessar de um lado ao outro daquela que ficou conhecida como a "Estrada da Morte", devido ao alto número de acidentes. Entre as estruturas, está prevista a construção de um viaduto coberto com solo, plantas e árvores nativas, já usado mundo afora, mas inédito no país.
O "bichoduto", que ficará na altura de Poços das Antas (km 218), tem um custo estimado de R$ 40 milhões. Seu projeto executivo deverá ser elaborado pela concessionária Autopista Fluminense e aprovado pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) em até dez meses. Já as 15 passagens subterrâneas, as 11 sob os vãos de pontes e as dez copa a copa (espécie de passarelas com cordas sobre as pistas) - todas também para os animais - terão prazos mais curtos. Após a construção do viaduto, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), responsável pela administração das reservas biológicas, terá que fazer um monitoramento da estrutura por dez anos. Se for comprovada a eficácia do viaduto, um outro deverá ser construído na altura do km 240, também em Silva Jardim.
'CERTAMENTE HOUVE OMISSÃO'
Para Luís Paulo Ferraz, secretário executivo da Associação Mico-Leão-Dourado, a construção será um "marco em termos de mitigação de impactos ambientais de obras rodoviárias no Brasil que afetam unidades de conservação e espécies ameaçadas".
- O viaduto é fundamental para salvar o mico-leão-dourado da extinção. Caso não fosse construído, ao longo dos anos a reserva perderia sua relevância por conta do isolamento. Existem 450 micos em Poço das Antas que não podem ficar isolados, com risco de comprometer a diversidade genética de toda a população. Trata-se do único local no planeta de ocorrência da espécie. Há ainda uma variedade de fauna importante, que garante o equilíbrio ambiental de região - explica Ferraz.
Procurador da República em Macaé e responsável pela reunião que definiu o cronograma para a execução das novas obras, Flávio Reis afirma que houve omissão por parte dos órgãos fiscalizadores ao deixarem por último as chamadas "condicionantes ambientais".
- Em 2012, o ICMBio autorizou as condicionantes e, em 2013, o Ibama concedeu a licença de instalação. Os órgãos que deveriam coordenar o cumprimento delas não se movimentaram. A demora foi no cumprimento das exigências, não da fixação - afirma o procurador, que apura as responsabilidades. - Queremos saber o que aconteceu: se foi a Autopista Fluminense que não apresentou os projetos, incluindo as condicionantes ambientais, ou se foi a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) que se recusou a aprová-las por causa do impacto na tarifa dos pedágios ou por alguma outra razão. Um inquérito policial foi aberto para investigar isso. Certamente, houve uma omissão dos órgãos que deveriam agir para que as condicionantes fossem cumpridas.
PEDÁGIO DEVE SUBIR COM OBRAS
De acordo com o Programa de Exploração da BR-101 Norte, todo o trecho de 176,6 quilômetros, entre Rio Bonito e Campos, deveria ter sido totalmente duplicado até o mês passado. No entanto, segundo a Autopista Fluminense, somente 94,6km (53,6% do total) das pistas foram duplicadas até agora. Outros 31,5km restantes (17,8%) continuam em obras, com previsão de término até maio próximo. E em 50,5km (28,6%), as duplicações sequer começaram. A empresa, ligada a um grupo espanhol operador de rodovias, venceu a concessão em 2008, com direto de operá-la até 2033.
Ao longo dos 360 quilômetros da via, passam, em média, 72 mil veículos por dia. No mês passado, os cinco pedágios da BR-101 Norte sofreram um reajuste de 11% no valor da tarifa, passando de R$ 4,50 para R$ 5. Diretor-geral da ANTT, Jorge Bastos afirmou que as novas construções poderão impactar no preço da tarifa.
- Ainda não tenho uma estimativa de valor, mas haverá impacto. Talvez (o reajuste) seja em 2018. Precisamos receber o projeto executivo - afirmou Bastos, acrescentando que a concessionária poderá ser multada devido aos atrasos nas obras. - A ANTT vai apurar se foi a concessionária ou se foram os órgãos de licenciamento que atrasaram. Se (a concessionária) não teve nenhum impedimento e deixou de fazer a obra, será multada.
O trecho de 45,8km, entre Rio das Ostras e Carapebus, cruza a Reserva Biológica da União no meio e ainda não recebeu o licenciamento ambiental. A discussão ali é sobre o traçado das novas pistas, que não podem avançar sobre a unidade de conservação. O Ibama recomenda a duplicação por fora da reserva, mantendo as pistas já existentes, enquanto o ICMBio prefere que toda a estrada seja desviada por fora.
- Estamos hoje num fogo cruzado, como se estivéssemos impedindo a duplicação da BR-101, o que não é verdade. O decreto de criação da reserva impede a construção dentro dela. Até agora, ninguém se mexeu para resolver isso. Demos o nosso parecer em março de 2015, o devolvemos para a concessionária fazer as alterações, que só o retornou para nós em julho de 2016. Em setembro, já havia saído das nossas mãos - afirma Whitson José da Costa Junior, chefe da Reserva Biológica da União, apontando alternativas. - Hoje, são 7km de pistas. Passando por fora, seriam 9km, algo irrisório para a BR.
Morador de Casimiro de Abreu há 20 anos e presidente do Conselho municipal de Meio Ambiente da cidade, Gerson Viera Lima acompanha as obras desde o início e também culpa a concessionária pela morosidade.
- A gente vê a concessionária sempre tentando culpar os órgãos ambientais, mas, na realidade, os estudos deles é que são muito frágeis e incipientes - opina.
Superintendente do Ibama no Rio, Pedro Castilho conta que o licenciamento ambiental do trecho que corta a Reserva Biológica da União ainda não tem prazo para sair.
- Imagina a complexidade e a particularidade de uma rodovia interestadual.
Ao ser questionado sobre os atrasos nas obras, o diretor superintendente da Autopista Fluminense, Odílio Ferreira, afirma que surgiram imprevistos. Ele faz questão de frisar a queda no número de acidentes. Segundo ele, só nos dois primeiros meses deste ano, 15 vidas foram salvas, em comparação ao ano passado. Em 2016, houve uma queda de 20% nas colisões frontais em relação ao ano anterior. No geral, houve redução de mortes e acidentes de 4%, enquanto o número de feridos caiu 17%.
- A maioria dos trechos em obras está praticamente finalizada. Acho que o atraso é relativamente pequeno. Tem tantas e tantas obras que atrasam muitos anos. Estamos falando de meses. São imprevistos de obras. Por exemplo, com essa crise financeira, tive que mudar empresa no meio do caminho, porque não estava suportando financeiramente o trabalho. São imprevistos que acontecem e que fogem completamente do nosso controle. Há situações muito piores em outras obras - diz o diretor da Autopista Fluminense.

O Globo, 13/03/2017, Rio, p. 6

http://oglobo.globo.com/rio/projeto-de-duplicacao-da-br-101-preve-passagem-para-animais-de-reserva-21050103
UC:Reserva Biológica

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