Ajuda dos quilombos

CB, Brasil, p. 7 - 18/12/2006
Ajuda dos quilombos
Projeto desenvolvido pela Fundação Florestal e quatro comunidades dos remanescentes de escravos em São Paulo vai garantir a preservação da Mata Atlântica, com o replantio de espécies medicinais

Hércules Barros
Da equipe do Correio

As iniciativas de proteção à Mata Atlântica vão ganhar um velho aliado. No Vale do Ribeira, no estado de São Paulo, as comunidades quilombolas que há pelo menos três séculos convivem com a floresta tropical sem depredar o meio ambiente vão agora explorar plantas medicinais naturais da região. Por meio do manejo sustentável os descendentes de escravos de Ivaporunduva, São Pedro, Sapatu e Pedro Cubas, no município de Eldorado, pretendem comercializar as espécies com propriedades medicinais e fitoterápicas. O projeto é coordenado pela Fundação Florestal do Estado de São Paulo e associações das quatro comunidades remanescentes de quilombos.

O investimento é novo. Ainda não gera lucro, embora mobilize 230 famílias em uma área de 18 mil hectares de terras comunitárias dos quatro quilombos. A região concentra uma das mais importantes áreas contínuas do bioma florestal do país, mas apresenta um dos mais baixos indicadores sociais do estado. As comunidades locais são carentes de condições de moradia, saúde, transporte e saneamento.

Os quilombolas sobrevivem da agricultura de subsistência por meio do plantio de mandioca, feijão e milho. Para complementação de renda, comercializam artesanato, produzem banana e, mais recentemente, introduziram o ecoturismo em suas atividades.

O uso sustentável da mata vai se somar à renda das comunidades locais e contribuir para preservar o cinturão no entorno do Parque Estadual Intervales e do Parque Estadual de Jacupiranga. A localização dos quilombos é estratégica. Garante a preservação de 25% dos 7,8% que restam de Mata Atlântica no território brasileiro.

A iniciativa de desenvolvimento sustentável com plantas medicinais busca evitar erros do passado. Experiências malsucedidas, como a exploração do palmito, há cerca de 40 anos, já fez parte da lista de fonte alternativa de renda dessas comunidades quilombolas. A exploração desenfreada quase levou à extinção as palmeiras da Mata Atlântica.
O agricultor Benedito Alves da Silva, líder da Associação dos Quilombolas de Ivaporunduva, lembra que o palmito jussara foi dizimado do Rio de Janeiro à Serra do Mar, em São Paulo, por quatro décadas de exploração. "Vários grupos exploraram o palmito. Na década de 60 e 70 foi o que sustentou a região do Vale do Ribeira", afirma. Agora, as comunidades do Vale do Ribeira destinam 200 hectares para o plantio do palmito.

Segundo a socióloga Sandra Guanaes, coordenadora do projeto da Fundação Florestal com os quilombolas, a experiência tem dado certo. "No lugar do remanejo do palmito, as comunidades trabalham no repovoamento da espécie na Mata Atlântica", diz.

O projeto da Fundação Florestal identificou 15 espécies medicinais passíveis de exploração. Jaborandi, pata-de-vaca, carqueja e até a avenca estão entre as plantas estrategicamente viáveis, do ponto de vista comercial. Segundo Guanaes, em 2003 foi aprovada uma parceria com o Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (Funbio), com aporte de R$ 200 mil, que permitiu a construção de um galpão, a compra de aparelhos para secagem e tritura de plantas. Como contrapartida, foi necessário investir em capacitação das comunidades locais.

O representante dos Ivaporunduva considera o processo de capacitação demorado, mas admite que sem a injeção de recursos o investimento seria inviável. "O projeto leva em conta o respeito à Lei Ambiental e ao controle de qualidade", pondera. "Eles também estão tendo noções de organização e gerenciamento."

Para a coordenadora do projeto, a capacitação representa um avanço porque insere os jovens nas atividades sustentáveis.

"Eles têm contato com as cidades, querem usufruir dos bens de consumo e são seduzidos a deixar os quilombos. A capacitação para o uso sustentável da mata mantém a sensibilidade para a preservação", avalia.

CB, 18/12/2006, Brasil, p. 7
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