Falha na proteção às florestas tropicais

CB, Ciência, p. 20 - 26/07/2012
Falha na proteção às florestas tropicais
Segundo relatório publicado na Nature, quase a metade das 60 reservas estudadas sofreu um declínio na diversidade da flora e da fauna nos últimos 30 anos. As ações predatórias ao redor desses espaços são a principal razão do problema

Marcela Ulhoa

Um grande número de áreas protegidas em florestas tropicais ao redor do mundo tem sofrido grave declínio da biodiversidade. A constatação veio após a análise de um amplo conjunto de dados recolhidos de 60 reservas tropicais na América, na África e na Ásia que revelam as mudanças na flora e na fauna nos últimos 30 anos. O estudo, publicado na revista Nature de hoje, foi realizado pela universidade australiana James Cook em parceria com diversos institutos internacionais, incluindo brasileiros, que forneceram informações sobre a realidade de unidades de conservação do país. A reserva de Paranapiacaba, em São Paulo, merece o triste destaque por ocupar a sexta posição entre as áreas protegidas com maior perda de biodiversidade.
As florestas tropicais são, em termos biológicos, os ecossistemas mais ricos da Terra. Devido ao rápido e desenfreado avanço do desmatamento, cresceu a preocupação em manter áreas de reservas ambientais, que supostamente se tornariam os últimos refúgios das espécies ameaçadas. Mas, contra as expectativas, a avaliação final do estudo revela que cerca de metade das áreas protegidas das florestas tropicais analisadas tem experimentado perdas substanciais da diversidade de seu bioma. Isso porque muitas das reservas são vulneráveis à invasão humana e a outras perturbações ambientais.
Segundo William Laurance, autor principal da pesquisa, as mudanças ambientais em áreas vizinhas das reservas são quase tão importantes na determinação do destino ecológico dos ecossistemas quanto as que ocorrem no interior dos espaços protegidos. "Não queremos dizer com isso que não precisamos das áreas protegidas, estamos somente pontuando alguns problemas encontrados. As regiões no entorno dessas áreas podem ser um grande problema", defende Laurance.
Para Sílvia Futada, pesquisadora do Programa de Monitoramento de Áreas Protegidas do Instituto Socioambiental (ISA), o levantamento traz uma importante reflexão sobre as limitações do modelo de áreas protegidas. Segundo ela, os processos biológicos naturais ocorrem de forma muito mais contínua do que a separação administrativa e política imposta pelas reservas ambientais. "Esse é o problema da fragmentação da mata, você vai formando retalhos, ilhas verdes rodeadas de desmatamento. Isso cria um impacto na dinâmica das espécies porque seus campos de ação não se limitam à linha imaginária que divide a porção protegida do restante da floresta. Alguns animais, por exemplo, têm dificuldade de transitar entre essas manchas."
Futada complementa que, se existe extração de madeira ao redor das reservas, provavelmente ela estará presente em seu interior. "Para o fogo, por exemplo, não faz diferença nenhuma saber que tem um mapa na Presidência da República falando que aquilo ali é uma área protegida. As linhas são todas imaginárias." Apesar de não ser o ideal, a pesquisadora acredita que, mesmo assim, o modelo de proteção é importante, pois reduz minimamente os estragos que ocorreriam na ausência total de uma proposta de preservação da biodiversidade. Ela conta que, no Brasil, a criação das Unidades de Conservação e o reconhecimento de terras indígenas foram responsáveis pela queda de 37% do desmatamento. Já a contribuição das ações de fiscalização e de policiamento foram responsáveis pela redução de 18% da devastação das florestas.
"Apenas no papel"
Membro da equipe responsável pelo estudo publicado na Nature, a brasileira Beatriz Beisiegel, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, afirma que, no Brasil, as áreas protegidas situadas em regiões mais densamente povoadas, como a mata atlântica, são mais ameaçadas pela pressão externa do que algumas partes mais isoladas da região amazônica. Além disso, segundo ela, "algumas de nossas áreas protegidas são apenas no papel, a regularização fundiária das áreas é ainda muito insuficiente". Entre as reservas florestais brasileiras que fizeram parte do estudo estão a Adolpho Ducke, no Amazonas; a Caxiuanã, no Pará; e Paranapiacaba, em São Paulo. Essa última, de acordo com Laurance, tem vivido um sério declínio de sua biodiversidade. Apenas a de Caxiuanã apresentou bons resultados.
Durante os cinco anos de duração da pesquisa, a equipe de Laurance colheu informações de 31 grupos funcionais de espécies, chamados de guildas, e de 21 agentes com potencial de serem condutores das mudanças ambientais, como a caça predatória, os incêndios e a poluição. De acordo com os resultados, as guildas mais impactadas incluem os predadores do topo da cadeia, como morcegos, alguns anfíbios, répteis maiores, peixes de água doce, além de algumas espécies de árvores e de epífitas. Os grupos um pouco menos vulneráveis, por sua vez, incluem os primatas, grandes pássaros frugívoros, cobras venenosas e espécies migratórias. Além disso, cinco grupos aumentaram significativamente nas reservas - cipós, trepadeiras, animais e plantas invasoras estão entre eles.
A partir dos resultados alarmantes, um dos principais pontos ressaltados pelos pesquisadores é a importância de ações que não se limitem a reduzir as pressões apenas dentro das reservas, mas ao redor delas. Para Laurance, "é preciso que essas áreas sejam efetivamente protegidas por meio de fiscalização dentro das reservas e nas zonas de amortecimento de impacto". "Além disso, é importante conversar com as comunidades que vivem perto para incentivar formas alternativas de ganho econômico compatível com a preservação das reservas", completa.

"Você vai formando retalhos, ilhas verdes rodeadas de desmatamento. Isso cria um impacto na dinâmica das espécies porque seus campos de ação não se limitam à linha imaginária que divide a porção protegida do restante da floresta"
Sílvia Futada, pesquisadora do Programa de Monitoramento de Áreas Protegidas do Instituto Socioambiental

Correio Braziliense, 26/07/2012, Ciência, p. 20
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