O Globo, Razão Social, p. 4-5 - 21/06/2011
"O que adianta vir ao Brasil e ter a imagem manchada?"
Vice-presidente da Bamin diz que companhia priorizou benefícios socioeconômicos
Entrevista/Clóvis Torres
Amelia Gonzalez
amelia@oglobo.com.br
Está nas mãos dos técnicos do Ibama o segundo pedido de autorização para a construção de um porto privativo na região Norte de Ilhéus, no Sul da Bahia, a fim de escoar o minério tirado e beneficiado em Caetité pela empresa Bahia Mineração, que tem sede no Cazaquistão e está presente em outros 14 países do mundo. O empreendimento, de US$ 2,3 bilhões, que está para ser feito num local onde ainda existe Mata Atlântica, conseguiu a antipatia de dez entre dez pessoas que se preocupam com os recursos a mais que já estamos extraindo do planeta. Tanto que foi formada uma rede de ONGs, que conseguiu que o Ibama negasse a primeira autorização. Na última edição do Razão Social, entrevistamos o professor Rui Rocha, uma das pessoas que está à frente desta rede.
O local foi trocado pela empresa, que agora volta-se para Aritaguá, ainda no Norte de Ilhéus, mas distante dos cinco municípios que, segundo o vice-presidente da BahiaMin, Clóvis Torres, seriam beneficiados. O novo local, no entanto, já está sendo novamente motivo de protestos por ser uma Área de Proteção Ambiental (APA).
Nesta entrevista, Torres assume que os estudos ambientais feitos pela empresa para o primeiro local não mostravam corais vivos. Executivo com passagens pela Odebrecht, Cargill e Vale, ele diz que a companhia privilegiou os benefícios socioeconômicos para os municípios que ficavam no entorno de Ponta da Tulha (onde o primeiro projeto seria construído) e assume que não é interessante para a imagem da corporação não ser vista como boa parceira.
O Globo: Como a empresa lida com a resistência
da comunidade?
Clóvis Torres: Não há resistência da comunidade. Fizemos uma pesquisa, junto com o governo do Estado, nos cinco municípios que iriam ser beneficiados com o projeto e o número mais baixo de percentual de aprovação foi 83%. Até porque o grande apelo para a comunidade era o ponto de vista econômico e social.
O Globo: Mas o projeto seria construído em Ponta da Tulha, uma área de preservação, na Mata Atlântica, e o porto iria ficar no meio de uma paisagem belíssima. A questão ambiental não foi levada em conta pela empresa?
Clóvis Torres: Veja bem: quando se faz um processo de licenciamento ambiental, primeiro a gente visita algumas áreas antes de escolher. Fizemos isso e escolhemos uma área que, do ponto de vista de engenharia, por ter menos áreas acidentadas, seria mais simples para nós. Não há como dizer alguma coisa de imediato em relação ao meio ambiente sobre a área, antes de fazer estudos. E todo este estudo, cada parte dele necessita de autorização do Ibama. Por ser um bioma vivo, podem acontecer coisas no meio do processo. Fizemos um pedido de coleta de fauna que demorou seis meses para sair. E nós não sabíamos que os corais ali estavam vivos, achávamos que estavam mortos.
O Globo: Foi por isso que o Ibama negou a autorização...
Clóvis Torres: O Ibama emitiu parecer e disse que não tem argumentos suficientes para aprovar o porto naquela área e que, segundo os estudos, aquela seria uma área de preservação. Isso aconteceu no ano passado e nós começamos a fazer estudos em outra área, chamada Aritaguá. A primeira coisa que fizemos nessa área foi verificar se há corais vivos, porque seria perder tempo se tivesse. Para nossa surpresa, não tem corais vivos em Aritaguá. Fizemos os estudos em terra e mostrou-se também que o bioma em terra é de menos relevância do que o da Ponta da Tulha. A questão socioeconômica também muda bastante, porque lá não tem as comunidades que tinha na outra área. Agora temos que fazer o novo EIA-Rima, nova audiência pública...
O Globo: Você reconhece então que o foco da empresa estava equivocado?
Clóvis Torres: Não houve equívoco. A questão ambiental é tratada hoje de forma muito realista pela legislação, as empresas podem mitigar muito mais do que extrair. Para nós, benefícios como geração de empregos, pagamento de tributos e o desenvolvimento daquela região que hoje está quebrada superariam qualquer dano ao meio ambiente, até porque não existe outro projeto na região. Mas, é claro que, quando descobrimos a questão dos corais, ficamos muito preocupados. Ficamos sujeitos a ameaças de protestos judiciais. Somos uma empresa reputada, no mercado internacional. O que adianta vir ao Brasil pela primeira vez e ter a nossa imagem manchada?
O Globo: Uma das questões colocadas é que a região não precisa de empreendimentos tão potentes para se desenvolver. Com pequenos incentivos ela pode muito bem se desenvolver localmente...
Clóvis Torres: O que vemos é que as cinco comunidades no entorno não têm saneamento, não têm qualquer atividade econômica que não a venda daquilo que eles extraem da Mata Atlântica. Há, inclusive, tráfico de animais. Basta uma visita ao local. Chegamos lá com alguns projetos, inclusive para ensinar novos ofícios àquelas pessoas. São coisas que só um grande empreendimento como o nosso tem condições de fazer. Foi a isso que me referi quando disse que nós víamos que naquela área o maior benefício seria o social e o econômico.
O Globo: Faltou diálogo com a comunidade?
Clóvis Torres: Hoje eles é que estão vindo aqui, preocupados porque saímos do local. A questão é mesmo puramente ambiental, de algumas ONGs da região que tiveram alcance, tem que defender os interesses. Mas elas também não quiseram ouvir o que tínhamos a falar. Nós montamos escritório em Ilhéus, nunca deixamos de receber ninguém...
O Globo: Olha, vou lhe dizer que eu mesma já tinha tentado me aproximar de vocês e não obtive sucesso...
Clóvis Torres: Deve ter acontecido alguma coisa. De qualquer forma, agora você já tem meus contatos.
O Globo: Você já trabalhou no Banco Mundial, defendendo interesses do meio ambiente...
Clóvis Torres: É, eu sei como funciona. No Banco Mundial não se dava financiamento nenhum a empresas que não tivessem cuidados ambientais. Não posso chegar numa região e impor o que acho que é correto sem fazer estudo antes, sem mostrar o que pretendemos extrair.
O Globo: De qualquer forma, o fato de o Ibama não ter dado a licença adiou o projeto. Isso tem um custo?
Clóvis Torres: Em números absolutos é o custo dos estudos ambientais, que fica em torno de US$ 15 a 20 milhões. Mas o custo maior é a janela de oportunidade, porque o mercado está aquecido hoje, daqui um tempo pode não estar mais. Este é um custo intangível. Mas tem outro somatório de fatores. Existe, claro, o fato de sermos listados em bolsa e de que qualquer movimento pode afetar o interesse dos investidores. Existe também a questão do financiamento, que hoje se nós não cumprirmos com o mínimo de cuidados não conseguimos. Por isso nós preferimos não contestar. Chegamos lá no Ibama e dissemos: tudo bem, nós vamos procurar outro lugar. Se tudo der certo, em 2014 estaremos operando.
O Globo, 21/06/2011, Razão Social, p. 4-5
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