Empresas não precisam esconder o que fazem

O Globo, Razão Social, p. 4-5 - 19/07/2011
Empresas não precisam esconder o que fazem
Consultor do setor de mineração fala sobre relação entre corporações e comunidades

Entrevista /Rolf Fuchs

Amelia Gonzalez
amelia@oglobo.com.br

O Fórum Amazônia Sustentável de novembro do ano passado pôs lado a lado, na mesma mesa de discussão, a liderança comunitária de Barcarena e o empresariado.
A questão, complexa, envolvia impactos ambientais que mineradoras estavam causando e a falta de diálogo entre essas empresas e as pessoas que moram ali. Representando o Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram) estava Rolf Fuchs, um consultor que há quase trinta anos está do mesmo lado da mesa. Nesta entrevista, Fuchs discute, sem partidarismo, a difícil equação: recursos naturais cada vez mais distantes e em territórios onde estão comunidades pobres, carentes da presença do estado versus poder do capital corporativo, que acaba ganhando uma imagem de salvador da pátria diante de tanta carência. Na base da discussão, uma realidade insofismável: "Ninguém pode dizer que a convivência entre atividade produtiva e seres humanos é impossível. Então, o melhor a fazer é tentar que seja boa para todo mundo"

O Globo: Notícias recentes dão conta de que as siderúrgicas brasileiras estão ampliando seus investimentos em mineração. Isso quer dizer: mais atividades de extração acontecendo em lugares cada vez mais distantes. E quase sempre a relação entre corporações que chegam e moradores locais é tensa. Existe uma falha no sentido de juntar a essa produção mineradora um olhar mais atento para o ser humano?

Rolf Fuchs: Prefiro chamar de processo de amadurecimento. Os fatos mais marcantes - como o episódio dos mineiros soterrados no Chile no ano passado - acabam carimbando essa situação. Como em qualquer lugar, também no setor de mineração tem gente boa e gente ruim. É preciso aprender com essas lições, mas se olharmos para trás, já aprendemos bastante. O regime militar (1964) começou dando ordem unida: vamos progredir, que se dane a fumaça da indústria. Eu ainda vivi isso. Mas o que se diz agora é: dá para conviver sem um incomodar o outro, ou seja, sem a corporação incomodar a comunidade. E vice-versa.

O Globo: Como?

Rolf Fuchs: Com respeito de ambas as partes. Só desse jeito que se vai conseguir ter algum ambiente favorável a todos. Se eu posso fazer de um jeito melhor, por que fazer do jeito pior? Se custa mais caro fazer a coisa certa, o empreendedor tem que compreender que, com certeza, será muito mais barato do que gerenciar uma crise, então também é econômico.

O Globo: Mas, veja: não é possível imaginar que alguém tenha achado que construir um porto entre duas praias numa área de preservação ambiental (caso Bamin, na Bahia) é uma coisa razoável. Ou que deixar uma atividade mineradora poluir o único rio da cidade (caso Alunorte, em Barcarena) é um erro concebível. Esses gestores, em algum momento, acreditam que pode dar certo, que a comunidade vai deixar pra lá? O que é isso? Falta de noção ou querer se dar bem?

Rolf Fuchs: É humano tentar construir a melhor relação custo/benefício em qualquer projeto. Eu fui contra, neste caso específico citado por você, da Bamin, e avisei à empresa: "Não dá para fazer este porto aqui sem criar muito problema com a comunidade". Mas, na verdade, quem quer construir o porto ali é o governo do estado, para desenvolver o Sul da Bahia.

O Globo: Mas em Santarém a Cargill construiu um porto sem estudos de impactos ambientais em 2001 e ficou por isso mesmo. Só em 2007 o Ibama fechou o porto. Só no ano passado ela apresentou o EIA-Rima...

Rolf Fuchs: Aí nós vamos voltar para a questão: quanto mais longe se vai, o estado é mais fraco, as comunidades têm menos poder de se unir, de exigir. Quando o empreendedor chega, com milhões de recursos, as pessoas pensam que chegou a redenção delas. Eu já fui recebido até com banda de música e champanhe pelos moradores de algumas regiões. Mas, se neste momento não for construída uma relação forte, os interesses conflitantes começam a aparecer.

O Globo: O que faz essa relação se esgarçar? Qual o primeiro momento do racha?

Rolf Fuchs: O empreendedor tem sua cultura empresarial e a comunidade tem outra cultura e interesses. A ruptura começa quando o sentimento de redenção econômica é frustrado, quando as pessoas percebem que não vai ter emprego para todo mundo e que, mesmo tendo, o salário talvez seja mais baixo do que se pretendia. E tem mais: quando se fala em respeito, ele tem que vir aliado à informação. As pessoas têm o direito de saber tudo o que vai acontecer no seu entorno.

O Globo: As audiências públicas existem para isso. Mas elas acabam não funcionando, por quê?

Rolf Fuchs: O princípio das audiências públicas é bom mas, na prática, elas se tornaram ineficazes. Só para você ter uma ideia, a Secretaria de Meio Ambiente de Minas Gerais fez um estudo com as 38 audiências públicas que aconteceram no anel Sul de Minas Gerais. Os dados mostram que 80% das pessoas que falaram em todas essas audiências eram as mesmas, ou seja, estavam ali usando aquilo como palanque ou como palco. Isso não funciona. Por outro lado, existe um projeto no Pará onde, na audiência pública, compareceram 1.400 pessoas e ninguém falou contra, só queriam mais informações. O que deu certo nesta? Foram realizadas reuniões prévias, quase cem, antes das audiências, informando melhor as pessoas em pequenos grupos.

O Globo: É este o caminho?

Rolf Fuchs: É um dos caminhos, mas não existe uma dinâmica igual. O que eu sei é que uma audiência pública que dura até oito horas ninguém aguenta. Fica parecendo uma reunião de condomínio esvaziada. A comunidade tem o direito de saber e as empresas também têm que entender que elas precisam se abrir, mostrar seus projetos, que isso não é um processo de exposição nem de fragilidade. As empresas não precisam esconder o que estão fazendo. Mas hoje tem muito mais empresas buscando fazer a coisa certa.

O Globo: Por quê? É uma questão de imagem?

Rolf Fuchs: A imagem é um ativo intangível que elas tentam, mas ainda não conseguem medir. Eu acho que o termo certo é reputação. A diferença é simples: a imagem se constrói com algumas ferramentas, mas a reputação é algo da essência, que está lá dentro.

O Globo: A quem elas querem agradar? Ao consumidor final, à comunidade financeira?...

Rolf Fuchs: É um mixing. Mas a comunidade financeira, sem dúvida, pelo menos nos casos das mineradoras ela fala mais alto. E hoje tem uma iniciativa interessante, os Princípios do Equador, que já foram assinados por centenas de bancos e que exige de quem assinou a obrigação de não emprestar dinheiro a empresas de má reputação.

O Globo: Para que tudo dê certo nos rincões, então, o que falta é uma atuação do estado?

Rolf Fuchs: O estado, nesses lugares, quando há é muito frágil. A primeira coisa que o estado quer quando a empresa chega é que ela pague a conta. E a empresa olha em volta, se depara com o acúmulo de privações e diz: mas vamos pagar em troca de quê? A coisa é muito individualizada e não coletivizada.

O Globo: Lá em Barcarena a sociedade civil tomou para si o papel de encabeçar discussões, vai formar um Fórum. É um exemplo de uma relação que estava desgastada e melhorou?

Rolf Fuchs: Ainda é um processo porque é difícil consertar depois de a relação ter ficado tão estremecida. Não pode acuar a empresa, ela também precisa ser respeitada. O que funciona é que os dois setores dialoguem. Acho a iniciativa do Forum Amazônia Sustentável muito interessante porque tem empresas de mineração fazendo parte dele também. Outro bom exemplo é o Juruti Sustentável, ainda é muito novo mas, com certeza, a cidade hoje já é um lugar melhor para se viver.

O Globo: O setor de mineração está preocupado com a questão ambiental? Não é insustentável ficar extraindo cada vez mais longe?

Rolf Fuchs: A pergunta que se faz é: quem vai ser o substituto do aço no futuro? Na verdade, o próprio aço. Por mais que se adore o Fusquinha dos anos 50 que se tem na garagem, a chapa de aço dele é muito grossa e se enche de maresia, dá muito problema. Hoje as chapas de aço são mínimas, não enferrujam. Ou seja: estamos fazendo um uso mais inteligente.

O Globo, 19/07/2011, Razão Social, p. 4-5
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