"Cercar os mananciais não vai resolver as ocupações irregulares", diz secretário do Meio Ambiente de Haddad

Época - http://epoca.globo.com - 16/12/2014
No final de novembro, o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, assinou um decreto autorizando a construção de moradias populares no Parque dos Búfalos, na zona sul de São Paulo. O decreto causou polêmica: é uma área de manancial, próxima à Represa Billings, e a autorização acontece exatamente no momento em que São Paulo enfrenta a pior crise de água de sua história. Destruir uma área de manancial não pode ser um problema para o abastecimento da cidade?

ÉPOCA conversou sobre o assunto com o secretário do Verde e do Meio Ambiente de São Paulo, Wanderley Meira do Nascimento. O secretário falou sobre o papel da prefeitura ao enfrentar a seca na cidade - o abastecimento é responsabilidade do Estado, mas o município tem atribuições nas questões das áreas verdes, da proteção de mananciais e controle do lixo. Nascimento defendeu a atual política para ocupar os mananciais. "Se eu tenho uma área muito grande de manancial e não tomo uma medida rápida, essa área pode ser ocupada de forma irregular rapidamente. Agora, se eu coloco um tipo de habitação organizada, como essas moradias, e deixo claro que elas podem usar 10% da área e o restante será um parque, essas pessoas acabam cuidando dessa área com muito mais zelo", disse.

ÉPOCA - A crise de água em SP está ligada à falta de mananciais e áreas verdes. A prefeitura tem um plano para proteger os mananciais da cidade?
Wanderley Meira do Nascimento - Acho essa sua observação interessante porque se fala pouco sobre a preservação e manutenção das nascentes. A impressão, ao ver o debate sobre a crise da água na imprensa, é de que o responsável pela produção de água nos reservatórios é a chuva. Não é verdade. A chuva é um regulador. Quem abastece os nossos reservatórios são os rios e riachos, que têm nascentes. Onde estão as nascentes da Cantareira? Elas estão preservadas? Ninguém está perguntando isso. É evidente que os nossos reservatórios carecem de arborização nas suas margens. Outra coisa que é importante sobre os mananciais é que são vários fatores que levam à poluição das águas. Dependendo do local, pode ser poluição de agrotóxico, de fertilizante. Na Billings e Guarapiranga, tem uma contribuição muito grande de esgoto, que não é responsabilidade do município, é da Sabesp. Além da falta de água, que tem causas como as mudanças climáticas e a falta de proteção das nascentes, tem esse outro lado, que é a Sabesp também ser um dos maiores poluidores de mananciais.

ÉPOCA - A prefeitura tem planos de construir moradia popular e destruir alguns dos últimos mananciais de São Paulo. Isso não pode ser um problema para o abastecimento da cidade?
Nascimento - Você tem que ver cada caso. Há casos de áreas de mananciais ocupadas e com DUP [Decreto de Utilidade Pública] para transformar em parque. Casos de áreas que já eram privadas e foram ocupadas, como o do Búfalos [Parque dos Búfalos, área de 900 mil metros quadrados na Represa Billings que será transformada em área de moradia popular]. Essa, por exemplo, é uma área privada que está no manancial. Mas vou falar no geral. Eu tenho uma visão pessoal, que não é uma visão de governo, de que é melhor perder os dedos do que perder as mãos. Se eu tenho uma área muito grande de manancial, ou uma área muito importante, e não tomo uma medida rápida, essa área pode ser ocupada de forma irregular rapidamente. Agora, se eu coloco um tipo de habitação organizada, como essas moradias, e deixo claro que elas podem usar 10% da área e o restante será um parque, essas pessoas acabam cuidando dessa área com muito mais zelo. Nós temos mais chance de prosperar do que deixar essas áreas ao bel-prazer. Uma simples cerca não vai resolver o problema. Claro que temos problemas em algumas áreas. Quando você faz uma DUP, que é uma intenção de desapropriar, a área continua sendo do proprietário. São nessas áreas que temos os maiores problemas. O movimento de moradias é importante. Ele tem que existir mesmo, é uma demanda justa, mas também não pode permitir a ação de oportunistas, que é o que vem ocorrendo em algumas partes de São Paulo, e uma delas é a área de manancial.

ÉPOCA - Temos poucas áreas verdes na cidade, na área mais urbana. Não há um plano para aumentar arborização?
Nascimento - A cidade de São Paulo tem esse problema de pouca arborização ao longo dos anos. Mas é importante quebrar um paradigma. Não é que São Paulo não tenha árvore porque foi mal planejada. A cidade teve um planejamento excelente. Só que foi um planejamento na lógica do capital, de dar espaço para os carros e não para as pessoas. São Paulo tem um planejamento bem feito, só que é um planejamento que não levou em conta o bem-estar das pessoas.

Nós reconhecemos que faltam árvores em São Paulo, em um número alarmante. A Organização Mundial da Saúde diz que um bom número para as cidades é de 12 metros quadrados de área verde por habitante. Nós estamos com 3,7 metros quadrados por habitante. Abaixo, portanto. Mas se levarmos em conta as APAs [Área de Proteção Ambiental] - Capivari, Bororé, Parque do Carmo e Cantareira - teremos 14 metros quadrados de área verde por habitante. Isso não é para ficar animado, mas é um indicador de que temos que proteger nossas APAs custe o que custar. E ainda assim, temos entre nossas metas o plantio de um milhão de árvores. Nós já plantamos algo em torno de 200 mil.

ÉPOCA - Tem um prazo para chegar a um milhão?
Nascimento - Meta de governo é para ser cumprida até o final do mandato [do prefeito Fernando Haddad]. A ideia é perseguir esse número. Um dos problemas é onde plantar. Parece fácil, porque São Paulo é muito grande e faltam árvores, mas não é assim. Às vezes, acontece de ter uma avenida com calçada enorme, boa para fazer o plantio. Na hora em que fazemos a pesquisa, descobrimos dutos de gás, de telefonia, tudo quanto é duto no subsolo. Há de se fazer alguma coisa bem mapeada.

ÉPOCA - A prefeitura tinha planos para parques lineares nos rios da cidade. Algum deles está de pé?
Nascimento - Acho que os parques lineares foram uma das melhores coisas que se pensaram na cidade, aqui na Secretaria do Verde. O parque linear vem com um sentido maior de fazer uma ocupação boa, positiva, nos locais onde a gente não quer ocupação indesejada. Enriquecer os nossos rios e riachos, a preservação nas suas margens. Mas é ainda uma proposta muito nova, data de 2005, 2006. Estamos tentando acelerar o processo, mas enfrentamos muitas dificuldades. A maior delas é que a maioria desses rios e riachos estão ocupados de forma irregular e indesejada. Nós estamos priorizando a criação de parques nas áreas que não estão ocupadas. Outro problema é que o parque fica em Área de Preservação Permanente, as APPs, o que cria uma contradição. Você pode criar o parque, plantar, arborizar, mas não pode colocar sequer uma guarita nessa área porque, a rigor, não pode construir em APP. Assim fica difícil administrar o parque. Estamos conversando com o Ministério Público para chegar a um ponto em comum. Vamos fazer um piloto no Parque Llinear do Canivete. Ali, vamos colocar uma construção de arquitetura sustentável. Uma construção pequena, simples, mas com alguns usos fundamentais para administrar o parque. A gente acredita que no início do ano comece a montar esse piloto. Porque é fundemental ter alguém lá no parque, um administrador do território.

ÉPOCA - Como lidar com essas APPs que já estão ocupadas irregularmente?
Nascimento - Fizemos um levantamento dessas áreas. São muitas, e é uma demanda enorme. Por isso, a prioridade é a retirada das pessoas em áreas onde já tem a previsão para construir o parque e que sejam áreas de risco. Precisamos trabalhar com prioridades, não dá para resolver tudo do dia para a noite. Claro, tem que ser feito de forma organizada, e dar uma alternativa de moradia para as pessoas.

ÉPOCA - Nós estamos vivendo em São Paulo uma situação de enchentes na cidade e falta de água ao mesmo tempo. Como resolver isso?
Nascimento - Exatamente, ora falta água, ora tem excesso de água. Isso é reflexo das mudanças climáticas. Na semana passada, em uma das enchentes, que é uma situação muito triste para as famílias, fiquei horrorizado com a quantidade de lixo nos entornos das bocas-de-lobo e das galerias. Tinha até sofá e geladeira, um negócio absurdo. Não existe uma varinha de condão para resolver isso. São várias ações que a gente vem tomando. Em relação ao lixo, temos o Plano Nacional de Resíduos Sólidos, que já sinalizou o fim dos lixões. Já inauguramos duas centrais de triagem para reciclagem. Enfim, temos políticas de curto, médio e longo prazo. O importante é fazer política pública séria, porque aí o próximo governo, independentemente se vai ser azul, amarelo ou vermelho, poderá dar continuidade às boas políticas públicas para a cidade.



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Recursos Hídricos:Vegetação Protetora (Manguezal, Mata Ciliar)

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