A cidade foi por água abaixo

O Globo, País, p. 8 - 01/11/2015
A cidade foi por água abaixo
Município que homenagearia a princesa Isabel não foi criado para preservar mananciais

Marcelo Remigio

RIO - O imperador Pedro II ganhou a sua cidade; a imperatriz Teresa Cristina também, ambas no Estado do Rio. Getulio Vargas emprestou seu nome para outra, no Rio Grande do Sul, e até o presidente americano John Kennedy foi homenageado, só que no Sul do Espírito Santo. A lista de municípios brasileiros com nomes de chefes de Estado ou personagens do Império poderia ser maior não fosse o projeto de criação de uma cidade dedicada à princesa Isabel, a primeira mulher a governar o Brasil, ser interrompido por causa da crise hídrica enfrentada pelo Rio na segunda metade do século XIX. A área que abrigaria Isabelópolis, hoje em terras da Reserva Biológica do Tinguá, precisou ser desocupada para que os mananciais da região que abasteciam a Corte fossem preservados e as redes de captação e distribuição de água, ampliadas.
Isabelópolis, nome sugerido pelo idealizador da homenagem, o nobre Francisco Peixoto de Lacerda Werneck, o Barão de Paty do Alferes, formaria com Petrópolis e Teresópolis um corredor de cidades serranas fluminenses em homenagem à família imperial. O nome batizaria o antigo distrito de Sant'Anna das Palmeiras, criado em outubro de 1855 sob forte lobby do barão, com o intuito de concretizar seu projeto, e pertencente à Vila de Iguassu, atual Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense. Mas, da cidade que desapareceu do mapa antes mesmo de ser oficializada, restaram só as ruínas da Igreja de Sant'Anna, a imagem da padroeira e os livros de registros de nascimentos e óbitos do distrito, que fazem parte do acervo da Cúria Diocesana de Nova Iguaçu.
- A Igreja de Sant'Anna foi construída pelo barão, um fazendeiro rico, influente na Corte, que financiou o prédio com recursos próprios. A igreja era monumental (foram gastos 60 mil contos de réis, uma fortuna na época). Para que uma freguesia fosse criada, era exigida uma igreja. Era lá que se pagavam os impostos para o Império - explica o historiador Antônio Lacerda, diretor do acervo de Dom Adriano Hypolito, da Cúria de Nova Iguaçu.
A região de Sant'Anna, a futura Isabelópolis, era cortada pela Estrada do Comércio, uma das principais vias de escoamento do café das fazendas do Sul do estado, e de produtos vindos de Minas Gerais. Segundo Lacerda, a estrada impulsionou o progresso em Sant'Anna, que foi próspera até por volta de 1880, quando atingiu seu auge. O distrito era um conhecido pouso de tropeiros, tinha forte comércio e mais de mil moradores. Chegou a abrigar agência dos correios, escolas, entreposto de café, empresas de exportação e barreira fiscal, além de ter vida cultural.
- Mas vieram a estrada de ferro, que esvaziou a Estrada do Comércio, e a ampliação da rede de abastecimento de água da Corte, com a captação na região. Fazendeiros da Serra do Tinguá doaram terras para o Império, e imóveis em Sant'Anna foram desapropriados, tudo visando ao reflorestamento para preservação dos mananciais. Até hoje Tinguá abastece o Rio - diz Lacerda, ao ressaltar que, no período de decadência de Isabelópolis, o Barão de Paty já havia morrido.
Aos poucos, moradores de Sant'Anna das Palmeiras, no alto da Serra do Tinguá, entre os municípios de Miguel Pereira e Nova Iguaçu, foram removidos, e os que ficaram se tornaram guardas d'água dos mananciais. Com o distrito esvaziado, a fundação de Isabelópolis foi por água abaixo. Até 1900, algumas construções ainda resistiam.

O Globo, 01/11/2015, País, p. 8


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