Cientistas listam espécies da fauna e da flora do Rio Doce ameaçadas

O Globo - http://oglobo.globo.com/ - 19/11/2015
Ecossistemas que já agonizavam, agora podem em boa parte desaparecer


Batizadas há muitos anos, pindaíba e para-tudo nunca tiveram nomes tão atuais. Ambas as árvores estão na região afetada pela tsunami de lama da Samarco. Integram a vegetação do santuário do Parque Estadual do Rio Doce, parte do corredor de biodiversidade da Mata Atlântica, que tem na bacia alguns dos seus últimos remanescentes em Minas Gerais. Ecossistemas que já agonizavam por séculos de atividades predatórias agora podem em boa parte desaparecer. O desastre na água não poupa as criaturas da terra. De peixinhos de aquário a onças, todos correm risco de sumir, alertam cientistas como Malu Ribeiro, coordenadora da Rede de Águas do SOS Mata Atlântica.

A Bacia do Rio Doce é um microcosmo das misérias ambientais do Brasil. Ali o impacto secular da indústria, da agricultura e da mineração disputam espaço e recursos com ecossistemas delicados. E a tsunami de lama pode ter sido o golpe final para muitas espécies.
- Com essa tragédia, muitas podem ter desaparecido. Algumas sequer conhecidas pela ciência. É impressionante, mas uma das regiões mais exploradas do país é também uma das menos conhecidas. Sequer temos certeza de quantas espécies de peixes existiam antes dessa tragédia, a pior que o Brasil já viu - alerta o especialista em ictiologia do Departamento de Vertebrados do Museu Nacional/UFRJ Paulo Andreas Buckup.

Ele lembra que a bacia é assoreada há séculos pela atividade mineradora:

- Claro que em quantidades infinitamente menores. Mas o Doce e seus afluentes já sofriam e agora agonizam. Diria que alguns desses habitats já podem ter morrido.

HISTÓRIAS DO SÉCULO XIX

Algumas dessas espécies encantaram os naturalistas do século XIX, que batizaram uma delas em homenagem a D. Pedro II. Mais precisamente um lambari chamado Deuterodum pedri, que periga não estar mais entre nós. Entre os encantos do Doce que viviam na bacia antes do acidente estão espécies ornamentais, dessas que fazem a alegria do que gostam de aquários, como os coloridos exemplares dos gêneros Mimagoniates e Glandulocaudinae, todos muito raros antes da tragédia. Isto fora os conhecidos acarás, entre várias espécies.

- Os peixes são a ponta mais visível do desastre aquático. Mas, na verdade, de bentos, animais de fundo que servem de alimentos aos peixes, a criaturas como tartarugas, todos foram duramente afetados. E não temos a menor ideia de como ficarão as coisas. Só sabemos que jamais serão como antes. A diversidade genética foi perdida e isso não é coisa que se repõe em décadas, mas em séculos ou mais. Mudou para sempre - afirma o cientista.

Malu Ribeiro destaca que aquele quinhão de Mata Atlântica é estratégico não apenas pela diversidade biológica:

- Ali está uma das chamadas caixas d'água do Sudeste. Aquelas últimas florestas, como as do Parque Estadual do Rio Doce, são fundamentais para a preservação das nascentes. A fauna, a flora e nós mesmos vamos sofrer. Já havia perdas imensas de desmatamento e agora isso. Não sabemos se será possível recuperar, ainda que parcialmente, o que foi perdido. A restauração da Mata Atlântica é extremamente complexa e demorada.

A bióloga Vera Ruffato, da equipe do Instituto Virtual Internacional de Mudanças Globais (IVIG/UFRJ), teme pelo desaparecimento das dezenas de pequenas lagoas que existiam à margem do Rio Doce e serviam de criadouros de peixes e outros animais. E deles depende toda a cadeia alimentar da bacia, que inclui do muriqui, o maior macaco das Américas, à anta, o maior mamífero sul-americano.

Temor parecido tem o também biólogo do IVIG Daniel Berredo:

- Uma coisa importante a fazer agora é evitar que peixes afetados do Doce sejam colocados nos afluentes. Parece uma boa ideia, mas vai mudar todo ecossistema.

O biólogo Francisco Mourão, conselheiro do Associação Mineira de Defesa do Ambiente, diz que preservar afluentes, em especial o Santo Antônio, o mais rico de todos, é fundamental para tentar dar algum futuro ao Doce.

No mar de lama e peixes petrificados que se tornou a região, pesquisadores e ambientalistas colocam a esperança na própria força da natureza. Que árvores como a panacéia, das mesmas matas da pindaíba, recebam ajuda a tempo para não desaparecer.



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