Em busca de alternativas, comunidades investem em castanha e chocolate

FSP, Cotidiano, p. B5 - 24/10/2016
Em busca de alternativas, comunidades investem em castanha e chocolate
Renda via extrativismo ajuda a preservar a floresta ao oferecer alternativas a madeira e ao gado; logística na região é entrave

Dos enviados especiais ao sudoeste do pará

Não é só madeira, ouro e gado que circulam pela Transamazônica paraense.
Sob potentes ares-condicionados, uma fábrica está transformando em chocolate parte do cacau de Medicilândia, cidade a 537 km em linha reta de Belém, o maior produtor nacional da fruta.
Perto de Uruará (a 635 km de Belém, em linha reta), a castanha-do-pará já sai da floresta embalada, e pequenos agricultores complementam a renda vendendo farinha de babaçu para escolas municipais.
Com o bombom de cupuaçu como carro-chefe, a cooperativa Cacauway funciona há seis anos às margens da rodovia, em Medicilândia.
Matéria-prima não falta: no ano passado, o município, que tem um dos solos mais férteis da Amazônia, produziu quase 42 mil toneladas, o triplo da segunda colocada, a mais famosa Ilhéus (BA).
Atualmente, apenas a cooperativa, com 40 sócios e 15 funcionários, fabrica chocolate na região. Os números são ainda modestos: a unidade processa cerca de 22 toneladas de cacau/ano, e a produção é vendida apenas nas seis lojas próprias espalhadas pelo Estado do Pará.
Apesar da pequena escala, o dirigente da Cacauway e ex-vereador de Medicilândia, Ademir Venturin, afirma que a cooperativa indica caminhos alternativos e mais sustentáveis para a cidade, cuja receita municipal vem quase toda de repasses (93%) e amarga o 5.245o lugar (de um total de 5.281) no ranking de eficiência da Folha (REM-F).
"Está testado: é possível garantir agricultura familiar, ter atividades que vivem harmoniosamente com o meio ambiente, gerar emprego e renda, fixar o homem no campo e oferecer resultados de cacau e chocolate com agregação de valor excelente", afirma Venturin.
No campo ambiental, os defensores do cacau afirmam que, embora o plantio seja em áreas desmatadas, o cultivo, perene, é menos agressivo do que culturas como a cana, a fracassada aposta inicial para a região.
Não há uso do fogo e, por causa da necessidade de sombreamento da planta, o reflorestamento é praticamente obrigatório.
Usina na floresta
Não é fácil chegar à comunidade Rio Novo, na Reserva Extrativista (Resex) do rio Iriri. Depois de duas horas de carro em estrada precária, são necessários outros 40 minutos de barco para chegar a um punhado de casas cercadas pela mata. É ali que, há seis anos, funciona uma miniusina de produtos da floresta, com a castanha-do-pará de carro-chefe.
O projeto, apoiado pelo ISA (Instituto Socioambiental), conseguiu contornar dois problemas históricos do extrativismo: contratos diretos com o mercado, nos quais elimina o atravessador, e o beneficiamento do produto dentro da reserva, o que gera renda na comunidade.
"Com o processamento, melhorou muito para as famílias da comunidade. Antes, era só no peixe, mas não estava dando renda porque não estavam pegando, e hoje o pessoal se sente mais à vontade com a castanha", afirma Raimunda Rodrigues, 27, nascida e criada em Rio Novo.
Além da família de Raimunda, a miniusina emprega oito funcionários de comunidades vizinhas, que complementam a renda com Bolsa Família. A quebra da castanha é feita com a ajuda de máquinas de fazer botão adaptadas. Depois de processada, é colocada em embalagens plásticas e transportada de barco e carro até Altamira (PA), viagem de cerca de 300 km.
A reserva do rio Iriri faz parte da Terra do Meio, um conjunto de áreas protegidas contíguas que, somadas, chegam a 8,5 milhões de hectares -pouco maior do que a Áustria. A região inclui ainda três terras indígenas e o Parque Nacional da Serra do Pardo, entre outras unidades protegidas.
Para ambientalistas, a geração de renda via extrativismo ajuda a preservar a floresta ao oferecer a ribeirinhos e índios alternativas à madeira e à criação de gado. Críticos, no entanto, afirmam que a atividade é inviável pela escala pequena e pelas dificuldades de trabalho e logísticas.
Na cidade de Uruará funciona a sede da associação Sementes da Floresta, que reúne 22 famílias dedicadas à agricultura familiar e ao extrativismo florestal.
A pequena loja na cidade vende produtos como vela de andiroba e sabonete de cupuaçu, mas a grande aposta é o mesocarpo de babaçu, uma farinha fina de mingau.
A associação, iniciada em 2007 com 70 famílias, começou a vender o mesocarpo neste ano para entrar na merenda das escolas municipais de Uruará. No futuro próximo, espera expandir para outras cidades -é a esperança para aumentar a escala da comercialização.
Outra iniciativa é fazer, com recursos próprios, o reflorestamento com algumas das espécies mais cobiçadas pelos madeireiros. "Temos a visão de que, se ninguém botar a mão no meio e reflorestar essas árvores, o ipê, a andiroba e o mogno deixarão de existir", diz João da Silva Filho, presidente da associação.
"Estamos nadando contra a enxurrada do desmatamento, é difícil", afirma a irmã franciscana Ângela Sauzen, uma das idealizadoras do projeto. "Muita gente nos chama de loucos, uns com raiva, outros com inveja. Estamos vendo resultados, mas é preciso muito esforço."
(Fabiano Maisonnave e Lalo de Almeida)

FSP, 24/10/2016, Cotidiano, p. B5


http://arte.folha.uol.com.br/cotidiano/2016/transamazonica/#saidas-sustentaveis
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