Fogo na floresta

O Globo, Sociedade, p. 26 - 06/12/2016
Fogo na floresta
Inpe identificou 79,6 mil focos de incêndio na Amazônia pela ação humana este ano

Cleide Carvalho
Cleide.carvalho@sp.oglobo.com.br

-BELÉM- Nas últimas cinco décadas, o Brasil desmatou 700 mil km² da Floresta Amazônica, o equivalente a duas Alemanhas. Apesar das medidas que frearam significativamente o ritmo de desmatamento a partir de 2004, a floresta continua, aos poucos, sendo posta abaixo. Nos últimos três anos, foram suprimidos, em média, 6,4 mil km² de mata natural por ano, o equivalente a 640,2 mil campos de futebol. E a tendência é de aumento. Este ano derrubaram todas as árvores numa área de 7,9 mil km² - maior extensão desmatada desde 2000. Para piorar, a Floresta Amazônica tem enfrentado incêndios cada vez mais frequentes, que degradam áreas significativas, reduzindo o número de árvores, alterando o ecossistema e deixando exposto o solo arenoso da região. Estas e outras questões estão sendo discutidas hoje no Simpósio Amazônia Sustentável, organizado pela Rede Amazônia Sustentável (RAS) com o objetivo de divulgar pesquisas sobre uso da terra, práticas agrícolas e meio ambiente.
Este ano, até o início de dezembro, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) identificou 79,6 mil focos de incêndio na Amazônia. Alberto Setzer, coordenador do programa de Monitoramento de Queimadas, ressalta que não existe fogo na Amazônia Legal, formada por nove estados, que não tenha sido originado pela ação do homem - sem querer ou propositalmente. E tem cada vez mais gente ocupando a Amazônia. O Censo de 2010 mostrou 25,4 milhões de habitantes, 4,4 milhões a mais do que em 2000. Enquanto a taxa média de aumento da população brasileira está abaixo de 1%, na Amazônia ela cresceu 1,64% no período.
- Estamos muito longe de uma situação aceitável. A ocupação da Amazônia é crescente e 98% do que foi ocupado até hoje é ileguidos. gal, apenas 2% foi feito dentro da lei. O desmatamento diminuiu, mas continua a ocorrer todos os anos. Monitoramos os focos de incêndio em tempo real, sabemos em qual município e estado eles estão, mas eles se repetem - conta Setzer.
Para o pesquisador, se houvesse vontade política o desmatamento ilegal e os incêndios não aconteceriam com tanta frequência.
- Assim como houve o mensalão e agora, o petrolão (Lava-Jato), em algum momento teremos de ter um "florestão" para apurar o que de fato acontece na Amazônia - diz Setzer.
FOCOS POR TODOS OS LADOS
No lugar do desmatamento, agora é o fogo que consome a mata em áreas protegidas. A Ilha do Bananal, dentro do Parque Nacional do Araguaia, no Tocantins, já teve 9 mil km² destruídos por queimadas. Com 120 mil km², ela é a maior ilha fluvial do mundo e faz parte das áreas úmidas mais importantes da Humanidade. No ano passado, uma cortina de fumaça tomou conta da região de Santarém, na área da Floresta Nacional do Tapajós.
- Nunca vi nada igual. Havia focos por vários lados e tudo cheirava queimado: roupas, cabelos. Em alguns momentos, era impossível enxergar qualquer coisa a uma distância maior que 20 metros - conta a pesquisadora Erika Berenguer, das universidades britânicas Lancaster e Oxford e integrante da RAS.
Há quatro anos consecutivos, o Parque Nacional do Xingu, o mais antigo território indígena do país, aparece entre as três terras indígenas com maior registro de incêndios. Este ano, foram mais de mil focos.
Em agosto passado, a Terra Indígena (TI) Arariboia, no Maranhão, viu suas matas serem consumidas pelo fogo por mais de 30 dias seFoi o segundo ano consecutivo de tragédia na área dos povos guajajara e Awá-Guajá, que vivem em isolamento. Segundo dados de monitoramento da ONG Greenpeace, o fogo de 2015 destruiu cerca de 45% dos 413 mil hectares da TI. Os indígenas da Arariboia vivem sitiados por municípios que se dedicam a vender madeira e fazer carvão.
- Os incêndios contribuem para uma enorme perda de biodiversidade, tornam a floresta mais pobre e afetam uma série de serviços ambientais que ela fornece para a Humanidade. As matas que já sofreram desmatamentos ou foram incendiadas apresentam redução de até 94% das espécies de árvores e 54% das espécies de aves. No caso das árvores, as mais afetadas são justamente as mais altas e que mais armazenam carbono e ajudam a reduzir os efeitos do aquecimento global - afirma Erika.
Na avaliação dela, que pesquisou os efeitos das queimadas em Paragominas e Santarém, o Brasil subestima o impacto do fogo na Amazônia: embora o monitoramento para detecção dos focos de incêndio seja ótimo, ele de nada adianta se não forem adotados programas de combate eficazes.
O fogo é usado por produtores rurais da região para limpar áreas de plantio ou pasto, mas é também uma das etapas do desmatamento. Depois de retirar as árvores de maior porte e valor, o fogo serve para facilitar a abertura de novas áreas para a grilagem de terra. Em todos os casos, o risco está na perda de controle.
Na seca de 2010, a cidade de Marcelândia, no Norte do Mato Grosso, ardeu em chamas. A cortina de fumaça atingiu o município de Sinop, a 200 km de distância. O fogo queimou montanhas de restos de madeira acumulados nas marcenarias do município, destruiu casas, Em 15 anos, região registrou três grandes estiagens glo.bo/2dr31YZ carros, animais e plantações.
Segundo Setzer, o uso do fogo faz parte da cultura indígena, mas o número de focos detectados no Parque Nacional do Xingu causa cada vez mais preocupação. Os índios admitem terem causado o incêndio, mas reclamam que perdem o controle do fogo porque a área está mais seca. Setzer afirma que a maior frequência de secas na região tem também sido usada para desviar o foco do problema.
- Hoje já podemos prever as grandes secas com até três meses de antecedência. É essencial que quando forem previstas sejam alocados recursos e equipes de emergência para os municípios historicamente campeões de queimadas - diz Erika.
REDUÇÃO DA VERBA DE ÓRGÃOS DE FISCALIZAÇÃO
Dados do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) mostram que as árvores da floresta atuam como refrigerador e reduzem a temperatura da região em até 5 graus Celsius. Com a degradação da floresta, a tendência é a região ficar mais quente e seca, prejudicando inclusive a expansão agrícola.
Nos últimos três anos, segundo dados da RAS, órgãos de fiscalização e controle, como o Ibama e o ICMBio, sofreram redução de um terço da verba que garante a atuação.
O trabalho de inteligência da Polícia Federal, porém, mostra que é possível identificar e punir criminosos. Em junho passado foi preso o pecuarista paulista Antonio José Junqueira Vilela Filho, acusado de comandar uma quadrilha de grilagem de terra que movimentou R$ 1,9 bilhão entre 2012 e 2015. O pecuarista criou sete empresas de fachada para lavar o dinheiro ilícito, além de usar a própria família.

O Globo, 06/12/2016, Sociedade, p. 26

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Amazônia:Queimadas

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