Órgão federal permitiu que 14 mil metros cúbicos fossem retirados de áreas protegidas por lei
O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) autorizou o desmatamento em pelo menos duas unidades de conservação estaduais. A irregularidade foi constatada pela Fundação Estadual do Meio Ambiente (Fema) no Parque Estadual da Serra de Ricardo Franco - na região de Vila Bela da Santíssima Trindade - e na Estação Ecológica Ronuro, no município de Nova Ubiratã.
O Diário teve acesso às guias assinadas pelos gerentes executivos do Ibama em Cuiabá, Leôncio Pinheiro, e Sinop, Carlos Henrique Bernardes. Nas duas áreas, o órgão federal permitiu a extração de 14 mil metros cúbicos de madeira, entre elas o cambará, a itaúba, o cedrinho e a amescla. Segundo a Fema, boa parte deste volume - suficiente para encher cerca de 360 carretas -, já foi retirada.
No parque de Ricardo Franco, criado por decreto em 1997, a fiscalização flagrou clareiras abertas na mata, grande quantidade de madeira empilhada e muitos caminhões carregados com toras deixando a área.
"Além da autorização para o desmate, alguns tinham inclusive a ATPF (autorização para transporte de produtos florestais, também fornecida pelo Ibama)", lamentou a coordenadora de pesquisa e planejamento ambiental da Fema, Fátima Sonoda. "Um dos proprietários veio até Cuiabá para provar que estava autorizado a retirar madeira do parque".
Procurado pela reportagem do Diário, o gerente-executivo do Ibama em Cuiabá, Leoncio Pinheiro, reconheceu ter assinado a autorização para a exploração de madeira na sede da Agropecuária Florêncio Bonito S/A, em Vila Bela da Santíssima Trindade, no dia 10 de outubro. Negou, porém, que o órgão soubesse que a área ficava em uma unidade de conservação.
"Quando uma documentação destas chega às minhas mãos, é porque já está tudo aprovado pela diretoria técnica. Então o meu trabalho é liberar a área para o cidadão trabalhar", desculpou-se de antemão o gerente-executivo, irmão do senador Jonas Pinheiro (PFL), líder da bancada ruralista no Senado. "Neste caso específico, não havia como saber que a área é protegida porque a Fema não nos enviou a delimitação das áreas".
De acordo com Sonize Figueiredo, chefe da Divisão Técnica do Ibama, "todas as providências já foram adotadas no sentido de suspender os efeitos das autorizações". Ela também reclamou a falta de dados sobre a localização exata dos parques estaduais. "Quem cria a unidade de conservação tem a obrigação de comunicar aos demais órgãos envolvidos com a questão ambiental", defendeu.
Na Fema, o discurso seguiu o caminho inverso. Segundo Fátima Sonoda, o órgão estadual enviou dois ofícios - um em 1997, outro em 1998 - ao Ibama para tratar da criação do Parque Estadual da Serra de Ricardo Franco. "Eles foram enviados ao superintendente do Ibama na época. Além disso, foram publicados dois mapas oficiais dos parques. Não é possível admitir que o Ibama não soubesse de sua existência", disse Sonoda. "O crime já foi constatado, houve perda da biodiversidade em uma das unidades de conservação mais importantes do Estado. Esperamos que isto não se repita".
Rodrigo Vargas
da Reportagem
Chefe diz que órgão não sabe limite de áreas
A autorização concedida pela gerência em Cuiabá do referia-se à propriedade da Agropecuária Florêncio Bonito, localizada na área do Parque Estadual da Serra de Ricardo Franco. Seria para a exploração com "Plano de Manejo Florestal Sustentável (PMSF)", conforme a cópia a que o Diário teve acesso.
Segundo um manual disponível na página do Ibama na internet (www.ibama.gov.br), tal concessão só pode ser feita obedecendo-se ao " disposto na legislação vigente com relação aos limites permitidos de conversão, à localização da Área de Reserva Legal e das Áreas de Preservação Permanente (...), verificando ainda existência de áreas que abriguem espécies ameaçadas de extinção".
Conforme relatou a chefe da divisão técnica do Ibama, Sonize Figueiredo, uma equipe esteve na propriedade para verificar se estas condições estavam sendo atendidas. Só que, inexplicavelmente, não foi constatada a existência de uma das mais importantes unidades de conservação do Estado. "Temos todas as informações sobre as reservas indígenas, por exemplo, mas a Fema só nos mandou a relação dos proprietários de fazendas na região do parque. A partir do momento que a gente tiver os limites, o problema acaba".
Local é um dos mais ricos em biodiversidade
Divisora de águas das bacias Platina e Amazônica, a área que abrange os parques estaduais das serras de Ricardo Franco e Santa Bárbara, na região oeste do Estado, é uma das mais ricas em biodiversidade no Brasil.
Na região foram catalogadas cerca de 174 espécies de peixes e diversas espécies de anfíbios, répteis, aves e mamíferos, além da flora. Mais: por suas características de zona de transição, a região é considerada um manancial de novas espécies - algumas ainda não estudadas pela ciência. Isso ocorre porque sua fauna combina espécies características do Cerrado, Pantanal e Amazônia, favorecendo a interação gênica.
Apesar disso, a situação das duas áreas é tão grave que o zoneamento agro-ambiental - parte do processo de implantação definitiva dos parques - teve de ser feito às pressas e de forma limitada. No Parque de Ricardo Franco, a ação de madeireiros e pecuaristas já consumiu o equivalente a 20% da área prevista desde 1993.
O levantamento foi executado pela Sociedade de Investigações Florestais (SIF), ong ligada à Universidade de Viçosa (MG), que venceu uma concorrência internacional para a gestão dos dois parques pelos próximos cinco anos. A contratação de guardas e a implantação de um sistema de proteção ao meio ambiente fazem parte desse projeto.
(Rodrigo Vargas-Diário de Cuiabá-MT-07/11/01)
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