S.O.S Rio Joanes: Bacia sofre impacto do Rio Camaçari

A Tarde - http://atarde.uol.com.br/ - 11/11/2017
S.O.S Rio Joanes: Bacia sofre impacto do Rio Camaçari

Anderson Sotero - A Tarde


Sentado às margens do rio Joanes, num dos trechos em que o manancial corta o município de Camaçari, o pedreiro Bartolomeu Santos, 53, gasta um par de horas na esperança de pegar peixes pequenos. É que mais tarde, quando o sol estiver perto de dar um descanso, ele vai arriscá-los como isca para capturar peixes maiores, cada vez mais escassos e que poderão servir de alimento para ele e a família.

"Com essa paradeira aí (de trabalho), onde é que você está me encontrando? Na beira do rio. O Joanes já matou a fome de muita gente. E a minha também", contou. Há mais de 30 anos, quando ele chegou para morar na cidade, a realidade, no entanto, era outra. Era mais fácil pescar e havia fartura.

"Os peixes diminuíram depois dessa poluição do rio que sai de Camaçari (um afluente do Joanes), esse esgoto. O Joanes está morrendo com essa sujeira que desce da cidade. Sinto dentro de mim como se já estivesse morrendo. O rio está 30% do que era", lamentou o pedreiro, referindo-se ao impacto provocado pelo degradado rio Camaçari na bacia do Joanes.

Em busca dos principais problemas que o Joanes apresenta, A TARDE tem seguido o curso desse manancial que passa por sete municípios da região metropolitana e é responsável pelo abastecimento de cerca de 40% da água que cai nas torneiras das casas de Salvador, Lauro de Freitas e Simões Filho.

Em Camaçari, a cidade visitada nesta edição - a reportagem já passou por São Francisco do Conde, São Sebastião do Passé e Candeias -, a equipe foi recebida pela secretária de Meio Ambiente da prefeitura, Juliana Paes.


Preservação

Munida de mapas da região que ultrapassavam o tamanho da sua mesa de trabalho, a secretária afirmou que, no trecho do Joanes que margeia Camaçari e que tem 37 quilômetros de extensão, "há preservação", que as matas ciliares não foram retiradas. O rio serve de limite entre o município e as cidades de Simões Filho, Lauro de Freitas e Dias D'Ávila.

"Desses 37 quilômetros, a maior parte, cerca de 95%, não está ocupada, ou seja, são áreas que não estão urbanizadas, que as matas ciliares e as margens dessa parte do rio se mantêm preservadas até por serem áreas rurais", afirmou. Os 5% restantes estão concentrados na área do distrito de Abrantes, em região ocupada. Mas, segundo Juliana, que também é urbanista, é uma "ocupação ordenada".

A afirmação da gestora, no entanto, vai de encontro à avaliação que o Instituto de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema) tem da região. Por ter a nascente e a foz dentro da Bahia, o Joanes é um rio cuja gestão é de responsabilidade do governo do estado.

Segundo o gestor da Área de Proteção Ambiental (APA) Joanes-Ipitanga, instância criada em 1999 para preservar o manancial, Geneci Bras, em todas as cidades por onde passa o rio há assoreamento. "A partir de Camaçari até a foz, há impacto da ocupação irregular, falta de saneamento básico, lançamento de esgoto e poluição", disse.

A preocupação maior, contou a secretária, está na expansão da ocupação urbana nas áreas próximas ao Joanes e a conciliação com a preservação (ver matéria abaixo). A Via Metropolitana que está sendo construída próxima ao rio para ligar a rodovia CIA-Aeroporto (BA-526) à Estrada do Coco (BA-099) é motivo de preocupação porque servirá, segundo ela, de atrativo para novas moradias ao redor do trajeto da pista.

Questionada, no entanto, se a situação do rio Camaçari não retira a preservação que ela considera haver no município, a secretária respondeu que "desconhece dados e indicadores sobre a contribuição de poluição dele".

Ela afirmou que o Camaçari corta a sede da cidade e é um rio degradado pela "condição das ocupações que se consolidaram às suas margens, ao longo dos anos". O afluente é alvo de obra de urbanização desde 2012.

"Essa obra financiada com recursos da Caixa está paralisada em razão de uma investigação de desvios de recursos envolvendo as últimas duas gestões. Nossa administração tem se empenhado e feito gestões junto à Caixa para que a obra seja continuada", ressaltou a secretária, sem dar, no entanto, nenhuma previsão. Segundo o Ministério das Cidades, apenas 4,85% da intervenção foi realizada.


Impacto

O gestor da APA, Geneci Bras, participou, em 2012, de uma reunião na prefeitura de Camaçari para assistir a uma apresentação sobre o projeto. Questionado sobre o que Inema tem feito para reduzir o impacto do afluente na bacia do Joanes, enquanto a obra não é retomada, Geneci respondeu apenas que a ação é da prefeitura e que "contemplava obras de saneamento".

Integrante da Oscip Rio Limpo, Caio Marques também estava presente à reunião. À época, o projeto estava orçado em R$ 274 milhões. "Um dos maiores contribuintes de efluentes domésticos e industriais é o rio Camaçari. Isso é um prejuízo incalculável. Os gestores públicos acham que cuidar é colocar uma grama na sua margem. Mas é preciso preservar não só as matas ciliares como também as nascentes, além de ter um controle maior da captação da água dos lençóis freáticos".

Segundo Marques, faltam estudos que mostrem detalhadamente os limites de uso. "Mas já sabemos que passamos do limite porque os rios estão com níveis baixos. Se não tiver respeito, não adianta colocar grama na beira do rio e pista de cooper".

A Cetrel, empresa responsável pelo tratamento de efluentes, informou que "não existe lançamento de efluentes industriais das empresas do Polo Industrial de Camaçari no rio Joanes".


Solução

Enquanto o impacto do rio Camaçari persiste e uma solução definitiva não é adotada, o mecânico Carlos Alberto de Almeida lamentou a situação que os moradores têm que enfrentar.

Ele mora próximo ao Camaçari e todos os dias convive com o que restou do rio. No cenário, há vegetação alta, restos de lixos, concreto, entulhos e até um sofá. No meio, um riacho de água escura e com odor. Quando chove, ainda alaga. "Alagava muito mais. Tinha casa que a água dava nos peitos. Eu já cheguei a tirar criança do chão e colocar em cima da geladeira para não morrer afogada. Hoje a água reduziu, mas ainda alaga. Só sei que do jeito que está não dá para continuar".


Pescadores do distrito de Parafuso reclamam de degradação do rio

Com apenas sete anos, o estudante Cleiton Lopes começou a pescar no rio Joanes, num lugar chamado de Prainha, no distrito de Parafuso, em Camaçari. Hoje, ele está com 16 anos e repete a rotina de semanalmente pegar uma canoa e remar até encontrar um bom lugar.

Quando a reportagem chegou ao local, o rapaz se preparava para mais um dia de pesca. A canoa estava na beira da Prainha, onde era possível ver lixos descartados, como sacolas plásticas e latas. "Vivo aqui do rio. Os problemas que existem aqui é que antigamente a água era mais limpa. Mas a situação piorou". É do rio que o estudante consegue tirar seu sustento. Com os peixes que vende, ganha em média R$ 200 por semana. Ele reclama, ainda, das pessoas que não respeitam o local e descartam lixo.

"Eu me sinto triste porque o pessoal não zela pelo que tem que é um rio bom do cara pescar, se divertir, mas as pessoas não entendem isso. Cada um tem sua consciência. Faz o que quer. Ainda tem esse rio Camaçari, tem um esgoto que tudo de ruim só vem pra esse rio aqui", lamentou Cleiton.

O jovem Lucas Magalhães, 20, também pesca no local. Ele montou um grupo no whatsapp com outros moradores para mostrar a situação do Joanes e buscar soluções e disse que o espaço de pesca foi reduzido. Boa parte do local está tomado pela planta baronesa. "Era bem mais limpo. Não tinha essas baronesas. A gente ia até longe. Agora, não dá".

O integrante da Oscip Rio Limpo Caio Marques destacou que a baronesa significa matéria orgânica em suspensão. "Ela não é causa. É consequência. Em água pura, limpa, ela não se desenvolve. Mas não adianta resolver a consequência. Tem que retirar essa matéria lançada na água", disse.

A poucos quilômetros da Prainha, num trecho da divisa entre Camaçari e Simões Filho, o autônomo Cosme Conceição, 49, também tenta tirar alimento do Joanes. "O rio tinha muito peixe. Não era tão explorado como é agora. Hoje ele está bem explorado e está mais poluído um pouco. Eu pegava dez, quinze quilos e hoje tem vez que eu não pego um quilo. Tem dias que não pega nada. É triste", frisou.

Para ele, o crescimento da população das cidades tem impactado no manancial. "A tendência é acabar o peixe mesmo. Muita gente pescando de todo tipo de material. Aqui (o rio) é tudo, é saúde, é lazer, é pescaria, nós vivemos disso. Quando não estamos trabalhando, a gente vem para o rio pegar um peixe, botar rede, vem passar fim de semana na beira do rio, fazer um churrasco. Isso aqui abastece Salvador. Se ele acabar, como é que Salvador vai ficar?".


Aumento da ocupação preocupa

O "grande desafio" em Camaçari, na avaliação da secretária Juliana Paes, é conciliar expansão urbana e preservação. Neste quesito, a construção da Via Metropolitana, rodovia que liga a BA-526 a BA-099, é motivo de preocupação. O problema, disse a urbanista, está no fato de que essa nova via que está localizada próxima ao rio servirá como atrativo para a ocupação da região.

"Existe uma preocupação nossa em buscar um desenvolvimento equilibrado. O Joanes passa boa parte pelo território rural do município, mas outra parte por essa zona urbana que está em processo de expansão. Então, estamos falando de uma zona rural que tende a diminuir, dentro de um processo de longo prazo que serão áreas futuramente ocupadas", frisou a secretária.

Essa preocupação, segundo ela, será refletida na revisão do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano de Camaçari, o que ocorrerá em 2018. "Nossa preocupação hoje é que tenhamos regras claras e objetivas, ou seja, possamos proporcionar aqui no município um ambiente de segurança jurídica, com uma lei atualizada na questão ambiental".

A Bahia Norte, concessionária que está à frente da construção da Via Metropolitana, informou que a obra está prevista para ser finalizada "nos primeiros meses de 2018". Sobre impactos no Joanes, a Bahia Norte frisou que as obras são acompanhadas pelo Inema e que foi realizado trabalho prévio de resgate da flora nativa e produção de 18 mil mudas que serão replantadas após conclusão das obras.



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