Do ambiente à economia, avanços e contradições marcam parque Petar

Jornal USP - https://jornal.usp.br - 23/10/2018
Do ambiente à economia, avanços e contradições marcam parque Petar
23/10/2018

Por Letícia Tanaka

Geógrafo analisou plano de manejo e condições atuais do parque, incluindo meio ambiente e comunidades locais

Pesquisa do geógrafo Marcelo Nakashima na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP investigou as dinâmicas e mudanças sociais, econômicas e ambientais provocadas no Parque Estadual Turístico do Alto do Ribeira (Petar) desde a sua criação, em 1960, passando pelo plano de manejo, de 2008, até os dias atuais. O estudo aponta que houve grandes avanços, mas ainda existem muitas contradições que cercam e afetam a dinâmica do parque no Vale do Ribeira paulista, incluindo as populações da região.

O Petar é uma das unidades de conservação ambiental mais importantes do mundo. Nele se encontra a maior reserva remanescente de Mata Atlântica do Brasil e um conjunto de mais de 300 cavernas (sistema de cárstico). O parque é reconhecido como Patrimônio da Humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e é muito utilizado para pesquisa científica e turismo ecológico. A área é de mais de 35 mil hectares e abriga seis cidades com até 20 mil habitantes (Eldorado, Guapiara, Itaóca, Ribeirão Branco e Ribeirão Grande), e uma com 25 mil habitantes: Apiaí. Além disso, diversas populações quilombolas, ribeirinhas e agrícolas vivem em pequenos vilarejos ou isoladamente dentro da vegetação.

Por meio de análise de documentos oficiais, novas legislações instauradas desde a formação do parque, dados demográficos oficiais e pesquisa de campo com os moradores locais, Marcelo Nakashima observou mudanças e incoerências sociais, consequências da criação do Petar e das legislações.

As principais delas se acentuaram com a formação do plano de manejo do parque, formulado em 2008 pela Secretaria do Meio Ambiente de São Paulo. Nele são expostas a melhor forma de explorar os recursos da região e recomendações de como usar cada área do parque, para que ele possa ser preservado devidamente. Essas diretrizes se contrapõem em vários aspectos e colocam as populações locais, já empobrecidas, em situações de mais fragilidade, segundo a pesquisa.

Contradição
Um dos principais pontos do plano de manejo, e que é questionado pelo estudo, é a recomendação da mineração na região oeste do parque feita pelos estudiosos que elaboraram o documento. A contradição surge quando o mesmo grupo diz que a área deve ser preservada das atividades agrícolas familiares, devido ao fato de ser uma zona de recarga do sistema cárstico - relevo caracterizado pela dissolução química (corrosão) das rochas, responsável pelas formações da região, como cavernas e rios subterrâneos.

Em 2016 foi aprovada uma lei estadual que permite a exploração privada de diversos parques paulistas, entre eles o Petar. Dessa forma, a extração de calcário já vem ocorrendo dentro dos limites do parque por grandes empreiteiras, uma vez que o plano de manejo permite que a mineração seja realizada dentro do território.

A população local, composta de comunidades quilombolas, por outro lado, é impedida de produzir seus insumos, o que agrava ainda mais a condição socioeconômica dos moradores. São, então, condicionados a trabalhar nas empreiteiras como mão de obra barata e muito dependentes dos programas sociais do governo. "Essas pessoas estão em uma espécie de vácuo jurídico que as impede de prosperar economicamente", afirma o pesquisador.

Turismo
O turismo deveria ser uma fonte de renda para as comunidades locais, mas se tornou insuficiente para manter as famílias devido ao plano de manejo. O complexo de cavernas abertas ao turismo foi reduzido de 300 para apenas 12, o que reduz o tempo de visita e a possibilidade de retorno dos turistas, pois é possível conhecer todas as cavernas em uma única viagem.

Os impactos dessa redução prejudicaram ainda mais a população, uma vez que havia toda uma estrutura para atender à demanda do turismo de aventura e que agora não atende às necessidades do turismo pedagógico, modelo de excursão que tem crescido muito na região. As pequenas pousadas não possuem espaço para acomodar uma turma de alunos, o que tem gerado uma concentração do mercado hoteleiro.

Além disso, o Vale do Ribeira é historicamente uma das regiões mais pobres do Brasil que, curiosamente, se encontra entre as regiões metropolitanas de São Paulo e Curitiba, duas das mais ricas. Desde a demarcação da área do Petar e a aplicação das legislações de proteção ambiental, as pessoas que já moravam no território perderam a alternativa da agricultura de subsistência e de comercializar o excedente nas cidades locais.

Segundo o pesquisador, os programas de distribuição de renda tiveram um importante impacto no desenvolvimento local nos últimos anos. Somada ao ecoturismo, houve uma dinamização do comércio local, agora mais independente da produção agrícola. Além disso, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da região aumentou significativamente, atingindo a média nacional. Com o turismo debilitado e a impossibilidade de produzir produtos básicos, a população ficou ainda mais dependente dessas políticas.

O fim das lavouras levou à recomposição da vegetação original, anteriormente muito desmatada, mas afetou os moradores. Antes da legislação ambiental, eles realizavam mutirões de trabalho comunitário e depois faziam uma festa, na qual as pessoas socializavam, se divertiam e se conheciam. Esses eventos deixaram de existir, gerando um isolamento dos residentes do parque. "É por isso que os moradores gostam dos turistas, eles proporcionam uma certa vida comunitária."

Conscientização
O contato com pesquisadores de universidades brasileiras levou a população a conhecer melhor questões de raça e etnia, gerando uma conscientização e visão positiva de ser negro. O aumento da população que se autodeclara negra é um dos testemunhos dessa transformação. Os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram um aumento significativo da população negra na região nos últimos 20 anos. Não só o entendimento de etnia mudou nesses anos: a leitura a respeito das cavernas também sofreu alterações.

Se você perguntar para populações mais velhas, elas vão dizer que as cavernas são perigosas. Já os mais novos entendem a caverna como uma nova forma de lazer, eles brincam nelas e cuidam para preservá-las."

As mudanças provocadas pela criação do Petar foram muitas, todas de grande impacto sobre o meio ambiente e as comunidades locais. Ainda há muito a ser discutido, principalmente a respeito das contradições do plano de manejo e as formas de sustento dos residentes no parque. Sobre isso, Marcelo Nakashima fala da necessidade de novas políticas sociais no local, uma vez que "se há interesse comum da sociedade que essas áreas sejam preservadas, a conta disso não pode recair na população local, que já é extremamente desfavorecida, e sim sobre toda a sociedade".

A pesquisa de doutorado O PETAR: geografia, contradições e desenvolvimento, de Marcelo Nakashima, está disponível no Portal de Teses e Dissertações da USP

Mais informações: e-mail mrnakashima@gmail.com, com Marcelo Nakashima

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