Mineração na floresta expõe desafio brasileiro de conciliar desenvolvimento com preservação
Impacto de extração de minério na Amazônia é apontado por pesquisadores e comunidades do entorno
Beatriz Bulla
Luciana Dyniewicz
24/04/2024
Nos cerca de 30 minutos de trajeto de helicóptero de Parauapebas (PA) até o projeto de exploração de cobre do Salobo, o maior do Brasil, é possível ver que as áreas mais próximas à mina são as de mata conservada. Conforme o helicóptero se afasta, no entanto, é visível o desmatamento feito para pecuária e ao menos três pontos de garimpo ilegal. Para operar na floresta amazônica, a Vale precisou fazer parceria com o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para fiscalizar a conservação da região.
O risco ambiental associado à mineração, no entanto, é apontado por especialistas como ligado à possível contaminação ambiental, especialmente da água, a problemas de fluxo migratório desordenado e à infraestrutura necessária, como as barragens. O debate sobre o avanço da mineração na floresta carrega também o dilema fundamental do atual governo brasileiro: a conciliação entre preservação ambiental e exploração econômica, somada ao desenvolvimento regional.
"Nós temos que garantir a transição energética, apontando para aumento da extração de minerais, mas tem de ser uma mineração ainda mais segura, sustentável e social. Não adianta tentar descarbonizar o mundo e a comunidade não entender o benefício que a mineração traz para ela", afirma Vitor Saback, secretário de Geologia, Mineração e Transformação Mineral do Ministério de Minas e Energia.
Ainda que governo e empresas trabalhem para tentar reduzir os impactos da mineração, parte deles é inevitável. Segundo pesquisa da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), os prejuízos da atividade ao meio ambiente em geral devem ao menos dobrar até 2060, tendo como base o ano de 2017, sobretudo por causa da maior demanda pelos materiais.
O relatório da OCDE aponta que o aumento dos danos será maior principalmente na exploração de cobre, zinco, chumbo e níquel. Tanto o cobre quanto o níquel são essenciais para a transformação energética. Os dois metais são também os que apresentam maior impacto ambiental por quilo de produção entre os sete analisados (cobre, níquel, zinco, chumbo, ferro, alumínio e manganês). Entre as consequências da exploração desses materiais consideradas no estudo estão as causadas ao ar, ao solo e à água, à mudança climática e aos homens, além do consumo de energia necessário no processamento dos minerais.
Dos minerais que tendem a ser mais consumidos por causa da descarbonização da economia, o cobre é um dos que mais preocupam do ponto de vista ambiental. Isso porque apenas 1% do material processado para se extrair o metal é aproveitado. Para efeitos de comparação, essa parcela varia de 36% a 66% no minério de ferro. Isso implica em grandes escavações para retirar o material e em um volume imenso de rejeitos empilhados.
O professor da Universidade de São Paulo (USP) Luis Enrique Sánchez, que trabalha com mineração e meio ambiente, destaca que, conforme a demanda por minerais aumenta, também será preciso explorar minas com menores teores de metal. Isso significa volumes de resíduos ainda maiores.
A professora da Universidade Federal do Pará Simone de Fátima Pinheiro Pereira, do Instituto de Ciências Exatas e Naturais da instituição, tem se debruçado sobre o impacto nos rios da Amazônia da presença de mineradoras. Ela diz que é difícil especificar de onde vêm a contaminação das águas, quando relacionada à atividade de mineração. "Não tem como saber de onde vem. São várias fontes: queimadas, mineradoras, pequeno garimpo", afirma.
"No caso de Canaã dos Carajás, tem uma bacia com milhões de toneladas de rejeito de minério. De tempos em tempos, aquelas bacias acabam transbordando e o lugar mais próximo para onde esse efluente vai contaminado é o rio Parauapebas. O pessoal da Prefeitura de Canaã procurou a Universidade. É uma preocupação da população que quer saber, afinal de contas, o que representa aquela montanha de rejeito", afirma a pesquisadora.
No caso da mina do Salobo, a maior mina do Brasil para extração de cobre, além dos rejeitos do cobre, outro impacto negativo é o fato de a operação ocupar cerca de 1,4% dos 351 mil hectares da Floresta Nacional de Carajás. A sobreposição entre áreas de interesse para exploração de minério e de conservação ali é total. A área de concessão da Vale na região representa 411 mil hectares de mata, com bioma amazônico presente em 100% do território da unidade de conservação.
O Plano de Manejo da Floresta Nacional de Carajás, pelo ICMBio, em 2016, destaca que a área "faz parte de um mosaico de Unidades de Conservação no estado do Pará que auxiliam na inibição da utilização inadequada e ilegal de florestas públicas do território amazônico". "A existência deste mosaico é muito importante para a conservação do bioma da Amazônia", diz o relatório.
Autoridades ambientais dizem contar com o apoio da Vale, inclusive logístico, para preservar a floresta.
Os problemas gerados às comunidades locais, no entanto, existem. Na última semana de outubro de 2023, os principais hotéis de Parauapebas não tinham vagas disponíveis. Todos os quartos estavam reservados para os povos indígenas Xikrin. Durante uma semana, eles participaram de uma reunião anual com representantes da Vale.
A empresa havia suspendido, após decisão judicial, as atividades de extração de outra mina da região, a Onça Puma. O empreendimento cruza as terras das comunidades indígenas Xikrin e Kayapó, no Pará.
Ambientalistas, pesquisadores e indígenas apontaram a contaminação do rio Cateté com metais pesados. Os indígenas relataram a ocorrência de doenças nas aldeias e o fim da pesca desde a contaminação do rio. A empresa firmou um acordo com o Ministério Público Federal (MPF) e os povos indígenas, em 2020, que suspendeu o processo judicial. Pelo acordo, a multinacional concordou com o pagamento de R$ 26 milhões como indenização.
A presença da empresa responsável pelas duas maiores tragédias ambientais do País - Brumadinho e Mariana - também alarmou residentes próximos em 2019. À época, moradores da região reportaram ao Ministério Público do Estado do Pará o medo de rompimento da barragem. A mineradora diz que o modelo utilizado em Salobo tem o maior grau de segurança disponível.
A preocupação ambiental e social na mineração no Brasil é observada por investidores e especialistas estrangeiros. Em relatório sobre o Brasil divulgado em 2023, o Banco Mundial afirmou que "práticas de mineração inteligentes em relação ao clima serão cruciais para a expansão sustentável do setor de minerais verdes do Brasil".
"As grandes reservas brasileiras de minerais colocam o país em uma posição invejável. No entanto, a crescente demanda por manganês, grande parte da qual ocorreu no estado do Pará, resultou em mineração ilegal, inclusive em territórios indígenas no estado. As atividades de mineração também demonstraram causar desmatamento significativo, dentro e fora dos limites das áreas de concessão para mineração", afirmaram os especialistas do banco multilateral. A reportagem do Estadão visualizou garimpos clandestinos na região de Canaã dos Carajás, tanto em área de conservação, como na beira de estradas.
Práticas de mineração inteligentes em relação ao clima podem reduzir a pegada das atividades de mineração.
Na análise do sociólogo Bruno Gomes, da Humana (empresa que atua com projetos de desenvolvimento de áreas onde são construídos grandes empreendimentos), as mineradoras no Brasil, em geral, têm trabalhado para minimizar seus impactos ambientais. Ele lembra que, ainda assim, o País precisa ficar atento às consequências ambientais e sociais.
O sociólogo cita o caso da exploração de cobalto na República Democrática do Congo, que envolvia mão de obra infantil. As denúncias de violação de direitos humanos favoreceram pesquisas para o desenvolvimento de baterias que não levassem cobalto na composição, reduzindo a atividade econômica no país.
https://www.estadao.com.br/economia/mineracao-na-floresta-expoe-desafio-brasileiro-de-conciliar-desenvolvimento-com-preservacao/
Garimpo:Amazônia
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