Justiça de Mato Grosso barra a criação de parque na amazônia
Unidade de conservação foi decretada pelo estado em 2001 e é contestada por empresa agropecuária há mais de uma década
Pablo Rodrigo
02/05/2024
Em decisão unânime, o Tribunal de Justiça de Mato Grosso manteve nulo o decreto de criação do parque Cristalino 2, no norte de Mato Grosso, em meio à amazônia. Ainda cabem recursos ao STJ (Superior Tribunal de Justiça) e ao STF (Supremo Tribunal Federal).
A ação contrária à unidade de conservação foi aberta há mais de uma década pela empresa Sociedade Comercial e Agropecuária Triângulo.
Procurado, o governo de Mato Grosso não se pronunciou sobre a decisão e sobre possíveis recursos até a publicação da reportagem.
Os desembargadores da Segunda Câmara de Direito Público e Coletivo rejeitaram os argumentos do Ministério Público de Mato Grosso, que apontava que a lei federal 9.985/2000 sobre o tema não continha a regulamentação necessária para a obrigação de consultas públicas, pré-requisito para criação de unidades de conservação.
O Ministério Público também apontava que o estado, sob gestão de Mauro Mendes (União), já possuía lei própria para regulamentar a questão e que ela não exige a consulta publica para a criação de unidades de conservação.
Contudo, o relator, desembargador Alexandre Elias Filho, discordou da Promotoria, afirmando que o órgão tem apenas a intenção de rediscutir a questão já apreciada e decidida pelo colegiado em 2022, quando foi dado ganho de causa à Sociedade Comercial e Agropecuária Triângulo, autora da ação desde 2011.
"Se existiam normas quanto à realização de consulta pública, é certo de que o estado deveria pautar sua atuação quanto ao dispositivo da norma federal. O estado de Mato Grosso sequer poderia legislar no sentido de exonerar a realização de consultas públicas", disse em trecho do seu voto durante a sessão do último dia 26 de abril.
O parque Cristalino 2 foi criado pelo decreto estadual no 2.628, em 2001. Segundo o decreto anulado, o parque foi criado considerando a necessidade de se assegurar a proteção integral dos recursos bióticos, abióticos e paisagísticos das áreas de floresta primárias, corredeiras, cachoeiras e sítios arqueológicos na região. O norte de Mato Grosso é pressionado pela perda de florestas, no chamado arco do desmatamento.
O promotor Flávio Cézar Fachone chegou a fazer um apelo aos desembargadores quanto à importância ambiental do Cristalino 2, mencionou as mudanças climáticas e apontou a diversidade de espécies que precisam ser protegidas. O argumento, no entanto, não foi considerado pelos desembargadores.
A ação se iniciou em 2011, quando a Sociedade Comercial e Agropecuária Triângulo ajuizou ação declaratória, sob alegação de que a criação parque teria afetado diretamente três imóveis de sua titularidade.
A criação do parque, segundo a ação da companhia, não observou o disposto na lei no 9.985/00 (a Lei do Snuc, Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza), uma vez que não teriam sido realizados estudos técnicos e consulta pública antes da edição do decreto que instituiu a unidade de conservação.
Ambientalistas em Mato Grosso criticam a atuação do governador, já que, na época da primeira decisão que anulou a criação do parque, a Procuradoria-Geral do Estado não recorreu da decisão.
Consultora jurídica e de articulação do Observa-MT (Observatório Socioambiental de Mato Grosso), Edilene Fernandes do Amaral critica o que chama de ausência do estado na ação, mas diz acreditar que o recurso em instâncias superiores poderá reverter a decisão.
"O estado de Mato Grosso não recorreu, demonstrando desde o início que não tinha interesse em preservar o parque Cristalino 2. Mas acreditamos que, com recursos no STJ e STF, teremos êxito. Até porque existe jurisprudência sobre o tema", afirma.
Garimpo e incêndio
Segundo Amaral, após a anulação da criação do parque, aumentou o número de garimpeiros circulando na região, conforme relato de moradores dos municípios de Alta Floresta e Novo Mundo, onde o Cristalino 2 está localizado.
"Nós estamos acompanhando isso porque já se tem notícias de populares da região de que os hotéis estão lotados com pessoas que atuam no garimpo. E nós estamos checando se tem garimpos atuando dentro do parque", diz.
Um levantamento via geoprocessamento, que é uma possível forma de monitoramento de imagens via satélite dentro do parque, está em andamento para analisar se já há registro de atividade garimpeira na extinta unidade de conservação.
"Desde 2022, quando houve a primeira decisão da extinção do parque, nós identificamos um aumento de 126% de pedido de mineração na área", conta Amaral.
No final de março deste ano, um novo requerimento de garimpo de ouro dentro da unidade de conservação foi feito junto à ANM (Agência Nacional de Mineração). O pedido é para uma área de 7.700 hectares dentro dos limites do parque.
Segundo o Observa-MT, um incêndio de 2022 que atingiu 900 hectares do Cristalino 2 foi de causa criminosa, ou seja, intencional. O caso ocorreu às vésperas da primeira decisão da corte estadual e na área do novo requerimento de pesquisa para garimpo de ouro feito em março de 2024.
"Antes da ação, um levantamento apontava que existiam 16 propriedades no parque quando ele foi criado. Hoje nós já identificamos 50 propriedades dentro do Cristalino 2", diz Amaral.
Com 118 mil hectares de área, o local é um refúgio de biodiversidade da floresta amazônica. De acordo com estudos, são mais de 600 espécies de aves catalogadas -25 delas estão na lista nacional de espécies ameaçadas de extinção do Ministério do Meio Ambiente.
https://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2024/05/justica-de-mato-grosso-barra-a-criacao-de-parque-na-amazonia.shtml
UC:Parque
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