Palco de fotos de Lula e Macron, Ilha do Combu sofre sem água potável e com turismo em massa
Local é cartão-postal da bioeconomia, mas ainda depende de iniciativas isoladas para preservação. Estado diz que busca recursos para implantar rede de abastecimento; instituto finaliza plano de manejo
Paula Ferreira
08/12/2024
"A árvore não é nem minha nem do Lula, é da floresta", diz Dona Nena aos pés de uma sumaúma centenária. Moradora da Ilha do Combu, em Belém, ela recebeu em março uma visita ilustre. Os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Emmanuel Macron, da França, estiveram em sua casa ao passarem pela capital paraense, sede da Cúpula do Clima (COP-30) em 2025. Na mesma sumaúma, os chefes de Estado foram fotografados em uma paisagem que mostrou ao mundo as riquezas da Amazônia.
O "casamento" de Lula e Macron, como ficou conhecido, deixou de fora dos holofotes, no entanto, outros aspectos da realidade local: a falta de sistema de água potável e esgoto e negócios que exploram o turismo de forma predatória. O Estado diz buscar recursos para implementar uma rede de água e esgoto na região (leia mais abaixo). Os problemas deste cartão-postal da bioeconomia foram relatados a Lula em carta entregue por Dona Nena.
"Quero que façam as coisas para a vida da gente, não para a COP-30. Não adianta fazer coisas só para gringo ver. Depois eles vão embora e o que fica pra gente?", afirma ela, fundadora da fábrica de chocolate "Filha do Combu", um dos empreendimentos mais bem-sucedidos do local.
Vivem no Combu 480 famílias. Em 1997, a Ilha de 15 km² se tornou uma Área de Proteção Ambiental (APA), mas até hoje não tem plano de manejo, que define as zonas da ilha e as regras para cada uma.
(Ideflor-Bio) diz, em nota, que o plano de gestão para a área está em fase final de elaboração. É previsto para março o documento para detalhar o zoneamento, normas e ações planejadas pelo Estado para a ilha.
Em 2006, Dona Nena passou a utilizar o cacau cultivado em seu quintal para produzir chocolates rústicos. Com o tempo, a produção se diversificou, ganhou escala e hoje o chocolate é entregue para todo o Brasil. A empresa tem como pilar a sustentabilidade e manutenção da cultura ribeirinha.
A empreendedora criou um tanque de evapotranspiração para destinar o próprio esgoto. O modelo permite que fezes virem adubo para terra, sem contaminar solo ou o lençol freático. O sistema foi desenhado por professoras da Universidade Federal Rural da Amazônia.
"A Ilha do Combu é uma APA, que só tem o nome de APA. É um perigo até de saúde para as pessoas, por não termos esgoto legal e nosso rio estar morrendo", afirma Dona Nena.
Sem água potável na ilha, à beira do Rio Guamá, moradores compram água mineral e os estabelecimentos turísticos contratam barcos-pipa. Quem não tem condição usa água da ilha, ainda que imprópria para consumo.
O Ministério Público do Pará (MP-PA) tem acompanhado a elaboração de um projeto pelo município de Belém e pela Companhia de Saneamento do Pará (Cosanpa) para fornecer água para o Combu. Procurada, a prefeitura disse que esgoto e água encanada são competência da Cosanpa. Já a companhia sugeriu dirigir os questionamentos ao município.
Em agosto, a Secretaria de Estado de Obras Públicas chegou a informar ao MP plano de licitação para fornecimento de água potável, "em virtude da proximidade da COP", visto "o apelo turístico" da ilha para o evento. No último dia 2, porém, a pasta disse ao MP que não há recursos para implementar o serviço. O Estado informou buscar verba para financiar a instalação da rede de água e esgoto na ilha.
Outros empreendimentos locais buscam relação harmônica com a natureza. No restaurante Saldosa Maloca, um dos mais tradicionais do Combu, a dona e chef Prazeres Quaresma recicla o lixo em biodigestores instalados no quintal. O gás gerado pelo processo é utilizado na cozinha.
O Saldosa Maloca também aboliu garrafas plásticas e serve água em copos, sem que os clientes precisem pagar por isso. Outros tipos de bebida são vendidos só em formato de garrafa de vidro e lata. "Em um ano, deixamos de colocar no ambiente mais de 5 mil garrafas", conta ela. "O objetivo é chegar ao lixo zero."
Hoje, apenas o lixo do banheiro e papéis que saem engordurados da cozinha não têm tratamento no restaurante. Os demais vão para biodigestores, compostagem ou reciclagem.
"Se ficar um mês sem coletar, levo para cooperativa e tudo certo. E quem não tem esse trabalho, como vai fazer com esse lixo fétido?", questionou, em referência aos problemas de coleta enfrentados no local. Em nota, a prefeitura informou que o prestador de serviços contratado para recolher o lixo tinha pendências que já foram regularizadas.
"Vivemos em um ecossistema extremamente frágil e que precisa ser cuidado. A Ilha do Combu não é para ser alvo do turismo de massa que está acontecendo", defende Prazeres.
Moradores se queixam que o turismo tem sido explorado de modo predatório, com fluxo intenso de lanchas, causando riscos aos visitantes. Segundo relatos, há estabelecimentos que poluem o rio com cloro do tratamento feito em piscinas dos bares e restaurantes, e com outros rejeitos, além de festas com som alto. Mesmo no meio da vegetação, caminhando sob árvores enormes, é possível ouvir o som alto de alguns restaurantes.
https://www.estadao.com.br/sustentabilidade/palco-de-fotos-de-lula-e-macron-ilha-do-combu-sofre-sem-agua-potavel-e-com-turismo-em-massa/
Política Socioambiental
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