Florestas de Marajó representam desafio de conservar a Amazônia
Ameaçada por invasões e desmatamento ilegal, Caxiuanã simboliza a riqueza natural de uma das regiões mais pobres do Brasil
Por Ana Lucia Azevedo
19/05/2025 03h30 Atualizado há 4 horas
A Floresta Nacional de Caxiuanã, em Melgaço, sintetiza muitos dos desafios para manter a Amazônia em pé. Criada em 1961, é a mais antiga floresta nacional (tipo de unidade de conservação onde a exploração manejada de madeira é permitida) da Amazônia Legal. Nela, a natureza exibe grandiosidade. Mas sofre com grileiros, desmatadores ilegais, crime organizado. Em meio a isso, sobrevivem comunidades tradicionais que, sem acesso a serviços essenciais, engrossam os péssimos indicadores socioeconômicos da região de Marajó.
Melgaço, assim como os relativamente próximos Portel e Bagre, não fica no arquipélago e sim no continente. Mas, como eles, faz parte da Região de Integração de Marajó. Em Melgaço, que amarga o pior Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) do Brasil, 0,418 (classificação de muito baixo), 73,60% da população vivem em extrema pobreza; 16,11% das crianças de 10 a 14 anos fazem trabalho infantil e 36,68% das pessoas acima dos 15 anos são analfabetas. Só 21,93% têm água encanada e 13,39%, banheiro, segundo o Barômetro de Sustentabilidade do Pará.
A miséria humana contrasta com a riqueza da natureza. Novas espécies são descobertas sempre que há recursos para se procurar por elas e a maioria das árvores e animais amazônicos mais emblemáticos está presente. A Flona Caxiuanã, que tem cerca de 3.000 km2 (duas vezes a área da cidade de São Paulo), abriga da onça-pintada e a ararajuba ao peixe-boi e o boto-tucuxi. Da castanheira ao colossal angelim-vermelho, uma espécie que pode chegar a 80 metros de altura.
Caxiuanã já foi considerada praticamente intocada até 2014, quando madeireiros ilegais começaram a entrar junto com aqueles que tinham concessão legal, diz Marlúcia Bonifácio Martins, coordenadora de pesquisa e pós-graduação do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG), instituição que desde 1993 mantém no local uma estação científica.
- Há cerca de dez anos, era uma das áreas mais conservadas de toda a Amazônia, mostramos isso num estudo. Agora não é mais a realidade. Temos um quadro alarmante, de invasões e exploração ilegal de madeira, tráfico de animais. E como muitas das espécies de árvore mais valiosas se esgotaram, trocaram o trator pelo fósforo para invadir a floresta - afirma Martins.
Como outros especialistas, ela considera a questão fundiária o motor da destruição não só da região, mas de toda a Amazônia.
- As invasões hoje estão ligadas à ocupação da terra, grilagem, ao crime organizado e ele tem adiantado a movimentos institucionais - acrescenta ela.
Apesar de tudo, a natureza tem resistido e Caxiuanã, uma das poucas áreas no Marajó e em toda a Amazônia que é sistematicamente estudada, revela novas espécies sempre que há dinheiro para estudos de prospecção.
Só de peixes há 211 espécies, 43% delas com potencial ornamental. Uma aluna de Martins descobriu 40 novas espécies de besouros de asas curtas somente num estudo. Há sapos e lagartos descritos recentemente. De forma geral, se estima que apenas 40% da biodiversidade da Amazônia já foi descrita pela ciência, e Caxiuanã não foge a essa regra.
- Não faltam bichos, fungos, plantas e micro-organismos. Faltam mais estudos e dinheiro para realizá-los - ressalta Martins.
O contraste entre os indicadores socioeconômicos e os ambientais alimenta a crença de que a floresta é sinônimo de pobreza. O desmatamento, sobretudo para exploração da madeira, teve maior impulso a partir dos anos 50 do século passado e declinou após o comércio das espécies mais valiosas ser considerado ilegal, nos anos 80.
Rompendo o ciclo de pobreza
Muitas serrarias fecharam, mas a atividade, mesmo na ilegalidade, não chegou a cessar. Porém, houve um processo de declínio econômico de municípios que dependiam da atividade ilegal, sobretudo, porque as espécies mais cobiçadas, em especial a virola, foram derrubadas praticamente ao ponto do esgotamento.
- Isso dá a ideia de que onde há floresta, há pobreza. E não é isso e sim o fato de que a economia foi baseada numa exploração insustentável, inclusive porque o próprio recurso do qual ela depende, acaba. São necessárias políticas públicas que mudem esse paradigma ao criar uma economia da floresta em pé - afirma Ane Alencar, diretora científica do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) e uma das coordenadoras MapBiomas.
A região de Marajó já teve altos índices de desmatamento em sua parte florestal durante o século XX e o início do XXI. Ainda ocorrem invasões e queimadas, principalmente para abertura de roças, mas a frente de desmatamento se concentra em Portel.
Segundo Alencar, isso ocorre porque diferentemente do restante da região, Portel está no que se considera uma "área de fronteira de desmatamento". No caso, a Transamazônica.
- Portel não tem a dinâmica do restante do Marajó, onde o recurso se foi, mas ficaram os escombros do desmatamento e as pessoas - destaca Alencar.
O que pode mudar o cenário de pobreza dos que vivem na floresta é a educação, afirmam pesquisadores. E se vê resultados na prática, quando comunidades têm acesso programas de educação e capacitação.
Já existem exemplos na região. A Embrapa e o PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) desenvolvem em Portel, Bagre, Melgaço, Breves e outros municípios de Marajó o projeto Manejaí, iniciado em 2019.
O objetivo é promover o manejo sustentável do açaí em comunidades tradicionais do Marajó e conta com a parceria com o governo do Pará, o BID e outras instituições, como a Emater/PA. Se estima que as técnicas de manejo tenham levado a um aumento de 30% na produção de Melgaço, Portel e Breves.
- Marajó é um lugar paradisíaco com bolsões de extrema pobreza. Sem educação, ciência e tecnologia não se melhora nem se sai de um extrativismo, por natureza, limitado. É preciso avançar com tecnologia a partir da tradição para aumentar o valor agregado, dar protagonismo às comunidades tradicionais - diz o chefe-geral da Embrapa Amazônia Oriental, Walkymario Lemos.
O futuro da Amazônia
De Caxiuanã também podem vir respostas sobre o futuro de toda a Amazônia. O MEPG, a Universidade Federal do Pará, a Universidade de Edimburgo e outras sete instituições científicas realizam lá o Projeto Esecaflor, que estuda o efeito da seca sobre a floresta. É o maior projeto contínuo em curso e já existe há 20 anos.
Os pesquisadores comparam uma área de floresta experimental de 1 hectare (aproximadamente, o tamanho de um campo de futebol) submetida a condições de estresse hídrico por meio de painéis que obstruíam a chuva a outra do mesmo tamanho em situação normal.
O trabalho já rendeu numerosos estudos, mas a principal conclusão é que a seca muda drasticamente a composição da floresta e causa mortalidade de grandes árvores, como jaranas, angelins, sapucaias e castanheiras. A fauna e a composição de fungos e micro-organismos, todos essenciais para que a floresta seja floresta, também foram transformados.
A experiência mostrou que acontece na realidade exatamente o que os modelos climáticos previram que poderia acontecer com a Amazônia, se o clima continuar a se tornar mais quente e seco.
O projeto continua e agora segue sem os painéis que bloqueavam a água da chuva. O objetivo é descobrir o quanto a floresta submetida à seca consegue se recuperar e voltar a ter diversidade e função originais.
- Qual o futuro da Amazônia? Marajó poderá nos responder - frisa Martins.
https://oglobo.globo.com/brasil/especial/florestas-de-marajo-representam-desafio-de-conservar-a-amazonia.ghtml
UC:Floresta
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