Pedreira destrói único vulcão intacto do país

FSP, Ciencia, p.A9 - 03/01/2005
Localizado no Rio e extinto há 40 milhões de anos, é o único com tal estado de preservação em território nacional
Pedreira destrói único vulcão intacto do país
Sergio Torres
Da sucursal do Rio
Extinto há 40 milhões de anos, o único vulcão brasileiro que mantém intactos a cratera e o cone (o chamado edifício vulcânico, no jargão dos especialistas) está sendo devastado por uma pedreira instalada na serra de Madureira, em Nova Iguaçu (cidade na Baixada Fluminense, região metropolitana do Estado do Rio).
As escavações da pedreira já chegaram a uma das bordas da cratera do vulcão, localizada 260 metros acima do nível do mar. No local, as máquinas da empresa Vigné já cortaram a vertente da serra voltada para o centro de Nova Iguaçu.
Os cortes nas rochas e nas encostas da borda da cratera, além das explosões, descaracterizaram o perfil do edifício vulcânico. Não há mais simetria no lugar. O trecho em que a pedreira atua deixou de estar alinhado com o restante da cratera.
Do alto da borda devastada, foi aberta uma estrada clandestina que desce até o fundo da cratera, cortando o barranco e arrasando a vegetação. A exploração da cratera ainda não começou.
Embora tenha sido descoberto em 1979 pelos geólogos André Calixto Vieira e Victor de Carvalho Klein, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, o vulcão de Nova Iguaçu nunca foi protegido de maneira eficiente.
O vulcão mede 1,5 km de diâmetro. Há aproximadamente 200 metros de desnível entre a parte mais alta da boca (a pedra da Contenda, com 443 metros de altitude) e o fundo da cratera, hoje coberta de árvores, arbustos e pedras de origem vulcânica.
As vertentes do vulcão também são cobertas de mato, com exceção da área que vem sendo destruída pela pedreira.
25 anos
A descoberta do vulcão foi anunciada em sessão extraordinária da Academia de Ciências do Rio de Janeiro realizada no dia 19 de dezembro de 1979.
Passados 25 anos, as medidas tomadas pelas autoridades na tentativa de preservar essa relíquia geológica do país não tiveram conseqüências eficazes.
Em 5 de junho de 1998, a Prefeitura de Nova Iguaçu criou o Parque Municipal, com área de 1.100 hectares. A maior parte da cratera e das vertentes do vulcão está dentro do parque.
Apesar disso, a transformação de parte da serra de Madureira (hoje rebatizada informalmente como serra do Vulcão) em parque sob a responsabilidade da prefeitura não impediu que o vulcão continuasse a ser gradualmente destruído pela pedreira, que atua no local desde 1937.
Nem a transformação do local em geoparque, neste ano, melhorou a situação.
De acordo com a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura), geoparque é uma área protegida, com limites definidos e que contém pontos de interesse geológico e importância científica.
Os geoparques também são providos de áreas em que há valores arqueológicos, ecológicos, históricos e/ou culturais a serem preservados.
Todos os requisitos listados pela Unesco estão presentes na serra de Madureira -parte do maciço do Gericinó, que engloba terrenos dos municípios do Rio de Janeiro, Nova Iguaçu, Nilópolis, Queimados e Mesquita- e na área onde está o vulcão.
Trilhas
Para chegar ao vulcão, é necessário passar por trilhas que, sem conservação, foram tomadas pelo mato.
Do portão de acesso ao Parque Municipal de Nova Iguaçu até o ponto em que a pedreira Vigné está fazendo as escavações são gastos cerca de 80 minutos em uma caminhada árdua, quase sempre em terrenos inclinados e escorregadios.
Agrava as dificuldades a falta de sinalização. Quem se arriscar em busca do vulcão sem um conhecimento prévio ou a companhia de alguém que conheça o trajeto corre o risco concreto de se perder no meio do mato.
Uma outra trilha parte das proximidades da sede da Unig (Universidade Nova Iguaçu). Por ela, o tempo gasto até a cratera é de uma hora e meia.
A partir dos 180 metros de altitude o caminho começa a ser tomado por rochas de origem vulcânica, lançadas ao terreno há mais de 40 milhões de anos e que desde então vêm sendo submetidas à ação do tempo.
Área de ação
O material vulcânico que jorrou da cratera quando o vulcão era ativo está espalhado em uma área aproximada de 500 hectares. Foi a verificação da existência dessas rochas em fotos feitas por satélites que chamou a atenção dos geólogos da Universidade Rural.
Durante dois anos eles pesquisaram o lugar, antes de comunicar a descoberta do vulcão à comunidade científica.

Descobridor lamenta pela devastação
Descobridor do vulcão durante pesquisas acadêmicas realizadas no maciço de Gericinó na segunda metade da década de 70, o geólogo André Calixto Vieira lamentou, em entrevista à Folha, que parte da borda da cratera tenha sido destruída.
"A pedreira descaracterizou a geometria da cratera, infelizmente", disse ele.
Professor aposentado da UFRRJ (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro) e da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), Calixto Vieira, 54, comparou o que ocorreu ao vulcão brasileiro à mutilação de um ser humano.
"Por que não tiram a orelha de uma pessoa? Por questões estéticas. Embora a orelha seja conhecida. Aqui só se tem esse [vulcão] e é desconhecido", afirmou.
Início dos estudos
O geólogo começou a procurar indícios de vulcanismo na serra de Madureira (parte do maciço de Gericinó) em 1977.
Ele desenvolveu na área um trabalho em parceria com o geólogo Victor de Carvalho Klein. Antes, passara um ano na Colômbia estudando os vulcões da região da cordilheira dos Andes.
Calixto Vieira e Klein foram atraídos para a serra depois de examinarem fotos feitas por satélite que mostravam rochas vulcânicas em parte da área.
"O vulcanismo na serra do Mendanha [parte do maciço voltada para a zona oeste do Rio] foi descoberto na década de 50. Mas lá não tem a cratera, um foco definido. Em Nova Iguaçu, a cratera é nítida", disse ele.
O geólogo conta que o vulcão de Nova Iguaçu guarda valores geológicos raros no Brasil, além de históricos e culturais, como os restos de um quilombo na pedra da Contenda (a vertente mais alta do vulcão) e um casarão de fazenda do século 19.
No exterior, quando se descobre um vulcão extinto nos moldes do de Nova Iguaçu, a maior parte da área é isolada para pesquisas e abrem-se trilhas aos interessados em conhecer a área em visitas guiadas.
Ministério Público
O promotor Emiliano Brunet disse que, se ficar constatado pelo estudo técnico atualmente em curso que houve danos ao vulcão durante as escavações, a pedreira poderá ser responsabilizada judicialmente.
De acordo com o termo de ajustamento de conduta firmado em setembro, a pedreira terá a obrigação de adequar-se aos limites da área considerada relevante geologicamente. O estudo tem justamente o objetivo de definir a área exata do vulcão (a cratera e a borda externa).
"Se o estudo dos técnicos das quatro universidades concluir que uma área relevante do vulcão foi atingida, posso propor uma ação de responsabilidade [contra a pedreira]", disse o promotor. (ST)

OUTRO LADO
Empresa diz que atua fora da área de preservação
O diretor da pedreira Vigné, Carlos Alberto Babo, disse que a área em que a empresa atua na serra de Madureira está fora do Parque Municipal de Nova Iguaçu, onde fica o vulcão.
"O vulcão está dentro do parque. Não vamos entrar lá. Já definimos nossa área de lavra", afirmou ele.
Embora diga que a empresa está fora do parque e que suas atividades não afetam o vulcão, Babo revelou que a Vigné participa "de um estudo com quatro universidades para ver se há alguma interferência [da extração das pedras] no vulcão".
O estudo sobre o vulcão a que o diretor se referiu tem a participação de especialistas da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), da UFF (Universidade Federal Fluminense), da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) e da UFRRJ (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro).
"Há 12 doutores trabalhando no estudo, que ficará pronto em setembro de 2005", disse ele.
O diretor da Vigné afirmou ainda que a empresa assinou em setembro do ano passado um termo de ajustamento de conduta com o Ministério Público Estadual, a Secretaria de Meio Ambiente do Estado do Rio, a Secretaria de Meio Ambiente de Nova Iguaçu e o DRM-RJ (Departamento de Recursos Minerais do Estado do Rio de Janeiro).
Pelo termo, a pedreira se compromete a não atuar dentro do parque.
"Estamos a 100 m dali", disse Babo. (ST)

FSP, 03/01/2005, p. A9
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