O Globo, O País, p. 14 - 09/11/2008
Abaeté: cartão-postal baiano está ameaçado
Lagoa imortalizada pela música de Caymmi sofre com falta de infra-estrutura e com poluição que reduz espelho d'água
Maiza de Andrade*
Famosa e imortalizada em canções e poesias, a Lagoa do Abaeté, um dos pontos turísticos mais visitados de Salvador, sofre com problemas que vão da insegurança à falta de infra-estrutura; e o pior: tem sua sobrevivência ameaçada, porque seu espelho d'água está cada vez menor. Em 2007, o Conselho Municipal de Turismo listou os problemas em diversos pontos do roteiro turístico da capital baiana e pediu soluções. A presidente da Federação Nacional dos Guias de Turismo, Cristina Baumgarten, lamenta que nada tenha sido feito até agora.
A lagoa faz parte de uma Área de Proteção Ambiental, que tem legislação restritiva para uso e ocupação, mas a população carente tem invadido seus limites.
Lixo e esgoto poluem e descaraterizam um dos cartões postais de Salvador. O vendedor de coco Aristeu Arlindo Santana, o Cabeludo, que trabalha na lagoa há duas décadas, diz que tão preocupante quanto a redução do nível da água é a rapidez com que os turistas visitam o local:
- É o tempo de tirar uma foto e, quando muito, tomar uma água de coco.
Apesar de a lagoa já não ser a mesma de quando Dorival Caymmi compôs a "Lenda do Abaeté" - canção que a popularizou -, a paisagem das dunas brancas recortadas com a vegetação de restinga encantou Mirela Silva e Marco Menezes, paulistas que iniciaram ali o tour por Salvador, na manhã de sexta-feira. Mas, dando razão ao vendedor de cocos, o casal saiu 15 minutos depois.
Assaltos acabam com passeios ecológicos
Última intervenção foi há 15 anos, com abertura de quiosques
A presidente da Federação Nacional dos Guias de Turismo, Cristina Baumgarten, diz que, em razão de problemas como insegurança e a má conservação dos equipamentos do lugar, os guias preferem não se demorar com os turistas na Lagoa do Abaeté, "para evitar maiores problemas". Este ano, foram registrados 52 assaltos no parque, só até o mês de setembro.
As dunas ainda permanecem e formam um contraste interessante com que o resta das águas escuras da lagoa, mas já não são usadas para passeios ecológicos justamente porque a área tem a maior incidência de assaltos.
A última grande intervenção no local aconteceu há 15 anos, quando o governo do estado ordenou o uso do espaço e construiu a atual infra-estrutura de serviços de bares, lojas e restaurantes. Foi também quando as lavadeiras, figuras que sempre compunham as fotos e quadros do local, deixaram de lavar as roupas na lagoa. Hoje, uma bateria de 30 torneiras sob um quiosque atende às 27 lavadeiras que ainda mantêm ali o ponto de trabalho.
Escassez de chuva e poços reduziram nível d'água
A quem pergunta aos guias mirins do projeto Nativo o porquê da redução da água da lagoa, que já foi "escura, arrodeada de areia branca", a resposta é direta.
- É por causa dos poços artesianos em redor, que sugam a água -- explica Pedro Henrique Corcino, de 13 anos.
Embora essa versão corresponda ao senso comum, estudos técnicos têm descartado essa possibilidade e também inocentam grandes empreendimentos que funcionam nas proximidades da lagoa. A conclusão de profissionais que pesquisam a lagoa aponta para a escassez de chuva como a grande culpada pela diminuição do volume de água, uma vez que não há outra fonte de alimentação do Abaeté.
O geólogo do Instituto de Gestão de Águas e Clima, Zoltan Romero Cavalcante Rodrigues, afirmou, na sexta-feira, que, enquanto Salvador não tiver um ano de muita chuva, a lagoa vai continuar minguando. De acordo com os dados do monitoramento de chuva no local, nos últimos nove anos o volume de chuvas tem ocorrido abaixo do regime histórico, que é de 2 mil milímetros/ ano.
Segundo Franklin Molinari, gestor da Área de Proteção Ambiental Lagoas e Dunas do Abaeté, nos últimos dois anos a queda do nível de chuva naquela região específica chegou a 50%. Ele também se queixa da falta de pessoal para exercer uma fiscalização mais severa na área do entorno da lagoa, o que ajudaria a preservar o patrimônio natural.
O Globo, 09/11/2008, O País, p. 14
UC:APA
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