O Globo, Ciência, p. 18 - 26/12/2008
Um Rio desconhecido
Áreas salgadas de mangue em Barra de Guaratiba sofrem com favelização e podem desaparecer
Carlos Albuquerque
Um tipo de ecossistema pouco conhecido, mas importante para a proteção do litoral está desaparecendo do Rio. São os apicuns. Eles são áreas alagadiças, extremamente salgadas, situadas à beira mar, associadas ao mangue e marcadas por um tipo de vegetação especial, de plantas rasteiras. Os apicuns de Barra de Guaratiba - os maiores do estado do Rio - encontram-se ameaçados pela poluição e pelo crescimento urbano desordenado.
De acordo com o biólogo Mário Moscatelli, que desde 1997 sobrevoa a região, monitorando a degradação do ambiente, apesar de estarem localizados em uma área de proteção ambiental, já foram perdidos quase cinco quilômetros quadrados de apicuns na região nos últimos anos.
- Essa área, que já sofre com o despejo de esgoto, foi tomada pela expansão das favelas. Durante os sobrevôos, podemos notar o aumento dessa ocupação e o impacto na área de influência do apicum e do mangue - afirma o biólogo. - Não dá para dizer, no idioma popular, que o apicum foi para o brejo porque ele já está lá.
Mas é impressionante e lamentável que isso ocorra numa área que fica em torno da Reserva Biológica e Arqueológica de Guaratiba e, portanto, deveria ter sua proteção, que é garantida por lei.
Segundo Moscatelli, há dez anos as margens do Rio Piraquê-Cabuçu, que corta a região e onde estão os apicuns e o manguezal, vêm sendo loteadas e transformadas em favelas.
- A margem direita está loteada, enquanto a margem esquerda ainda apresenta trechos preservados. Como não há uma política de habitação no estado, as pessoas vão se instalando por ali, em casas de alvenaria, que oferecem grandes riscos já que estão sobre áreas inundáveis. Lembro que, há cinco anos, havia somente uma vila de pescadores na região.
Hoje, com a expansão das favelas, esse colônia praticamente não existe mais, já que grandes partes do Cabuçu estão virando valões.
Boa parte do lixo que suja o apicum de Guaratiba é proveniente, diz Moscatelli, dos restaurantes da região.
- Quase todos os restaurantes da estrada de Guaratiba lançam esgoto no manguezal e no apicum. Eles estão poluindo o próprio produto que vendem, os frutos do mar.
Isso influencia diretamente a reserva biológica, já que o rio recebe todo esse esgoto. É incrível que, mesmo sendo considerada um pólo gastronômico, não tenha aparecido até agora uma solução para esse problema de saneamento.
Como explica Moscatelli, o que impede o agravamento do problema e maiores danos às áreas de apicum e manguezal é a presença do Exército na região.
- Se não fosse a existência do Centro Tecnológico do Exército, que fica praticamente dentro da reserva, acredito que aquilo tudo já tinha desaparecido. A reserva é respeitada, única e exclusivamente, por causa da presença dos militares.
O biólogo teme que os mesmos erros que aconteceram na Baía de Guanabara estejam ocorrendo na Baía de Sepetiba.
- De certa forma, é mesma situação se repetindo. Quase todos os rios que desembocam na Baía de Sepetiba estão poluídos. Todo o esgoto da região é jogado ali. E o pior é que entra governo, sai governo, a imprensa noticia e nada acontece. Tenho a impressão de que vamos conversar de novo sobre isso daqui a um ano e vai estar tudo na mesma. Ou pior.
O Globo, 26/12/2008, Ciência, p. 18
UC:Reserva Biológica
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