BR-429 afeta indígenas isolados na Amazônia

Agência Amazônia - www.agenciaamazonia.com.br - 29/09/2009
Ainda isoladas na região sul de Rondônia, Jurureí, Yvyraparakwara e outras etnias desconhecidas sofrem ameaça de extinção em terras próximas à rodovia BR-429. O alerta do Ministério Público Federal (MPF) confirma previsão feita em 1986, durante o governo temporário de Ângelo Angelim (PMDB): qualquer estrada no Vale do Guaporé levaria problemas culturais, territoriais e de sobrevivência a indígenas que só hoje se sabe exatamente, vivem ali.

O MPF denunciou o Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes (DNIT) por descumprir leis de licenciamento ambiental e recomendou à Justiça Federal a suspensão das obras de asfaltamento. "Essa estrada com 291 quilômetros não levou em conta os impactos que causará na região e aos indígenas", diz um trecho da ação.

O MPF requereu a fiscalização do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) na rodovia. O DNIT está sujeito a multa diária no valor de R$ 10 mil.

Durante recente encontro de líderes indígenas em Ji-Paraná, na BR-364, a 367 quilômetros de Porto Velho, o cacique Tari, do povo Amondawa, desabafou: "Nunca imaginava que um dia São Miguel se transformaria num campo de pastagem, e que aquelas matas onde andei toda a minha vida um dia iriam simplesmente desaparecer".

Referia-se ao município de São Miguel do Guaporé, cortado pela nova rodovia e onde há indígenas isolados. A situação é reiterada pelo sertanista da Fundação Nacional do Índio, Jorge Luiz Marafiga Leal: "Existem grupos indígenas importantes na área de influência da BR-429, nas terras indígenas dos Uru-Eu-Wau-Wau, do povo Amondawa e nas terras de Rio Branco", ele disse.

Quem são

Leal lembrou algumas destas etnias encontradas nas terras Rio Branco: Tupari, Aruá, Macurap, Jabuti, Canoé, Sakirabiá e Aricapu, além dos povos Migueleno e Puruborá. Os povos isolados de Jurueí e Uruparaquara e um terceiro grupo não nominado também fazem parte da lista.

A precaução do MPF se deve à iminente abertura do acesso clandestino e a exploração dos recursos naturais na região. Isso causaria confrontos entre ocupantes e invasores, acarretando consideráveis riscos de diminuição de território indígena pela presença de garimpeiros e madeireiros. "Confrontos podem levar à morte os índios isolados", diz o MPF.

Principais rios do Estado

A BR-429 dá acesso à fronteira com a Bolívia e abrange cinco municípios rondonienses: Alvorada do Oeste, São Miguel do Guaporé, Seringueiras, São Francisco do Guaporé e Costa Marques. Passa perto de áreas de conservação federais (Parque Nacional de Pacaás Novos e Reserva Biológica do Guaporé) e terras indígenas demarcadas (Uru-Eu-Wau-Wau, Rio Branco e Massaco) e corta territórios a serem demarcados para os índios Poruborá e Miquelenos, além de áreas de etnias de índios isolados.

Na ação, o MPF argumenta que a terra indígena Uru Eu Wau Wau é área de conservação da fauna da região, abrigando a maioria de espécies nativas de mamíferos de médio e grande porte, além de ter sítios pré-históricos com dezenas de cavernas e pinturas rupestres, que nunca foram estudadas. A área é onde nasce a maioria dos principais rios que banham o estado de Rondônia e possui grande biodiversidade em quantidade de espécies de fauna e flora.

Destruição já começou

A Terra Indígena Rio Branco já tem vivido diversos problemas ambientais que ameaçam os seus povos indígenas, destroem sítios arqueológicos e resultam em desmatamento e pesca ilegais, poluição das águas devido o uso de pesticidas irregulares e pressão fundiária dos grileiros.

Segundo o MPF, a Terra Indígena Massaco, habitada exclusivamente por índios isolados da provável etnia Sirionó, é outra área em risco de invasão. Já os índios Poruborá, cujo território ainda não foi demarcado, têm como principal ameaça o desmatamento. Por denunciarem os desmatadores ao Ibama, esses índios estão sendo ameaçados de morte por fazendeiros.

"Evidentemente a pavimentação da rodovia, que por sinal intercepta diretamente tal área, incrementará tais situações de conflito", argumenta o procurador da República Daniel Fontenele, na ação civil pública. A pavimentação da BR-429 também afetará diretamente os índios isolados Jurureí, com "provável aumento de atropelamentos na rodovia e alto risco de contato espontâneo com segmentos da população regional".

Segundo Fontenele, os licenciamentos emitidos pela Secretaria Estadual do Meio Ambiente basearam-se em um plano de controle ambiental. "Não houve o estudo de impacto ambiental (EIA), apesar da relevância do empreendimento e do largo espectro de sua influência nos componentes etnoambientais da região em que está inserido".

A insuficiência técnica desse plano já foi objeto de uma ação civil pública ajuizada pelo MPF e pelo MP de Rondônia, na qual pedem antecipadamente a proibição de emissão de licenciamento enquanto não forem sanadas as irregularidades apontadas no licenciamento. Essa primeira ação ainda não teve manifestação da Justiça Federal. Enquanto isso, a pavimentação da BR-429 continua.

Coordenador pede ação urgente contra o saque

O coordenador do Projeto de Estudos da Consultoria Natureza, Samuel Cruz, defende com urgência a garantia de sustentação econômica aos povos indígenas no sul de Rondônia, cujas etnias já eram afetadas pela ação de fazendeiros e madeireiros desde os anos 1970.

"É preciso que seja garantida sustentabilidade econômica às tribos", apelou. Segundo Cruz, "apenas o policiamento não basta".

Outras áreas protegidas por lei federal são a Reserva Biológica do Guaporé e o Parque Nacional de Pacaás Novos. O coordenador lembra que há casos sistemáticos de invasões de grileiros vindos do sul e sudeste do País em busca de terras. "Essas pessoas são inclusive cadastradas por associações e não se verificou até hoje nenhuma punição aos invasores", afirmou.

Cruz acredita que atualmente parte da produção de castanha da região seja roubada das terras indígenas. "Também há problemas com pescadores e caçadores que invadem essas terras". Analisando a ocupação regional desde o período de ouro da exploração do mogno e da cerejeira, as mais nobres madeiras de Rondônia, ele lembra que em 1985 houve saques nas terras indígenas a partir da exploração desordenada da madeira. Na época, encurralados, os Uru-Eu-Wau-Wau tiveram que se deslocar para os limites da reserva, em locais próximos das unidades da Funai.

A pesquisadora da Funai em Brasília, Ludmila Guerra, explicou que foi preciso fazer um rápido levantamento ao longo da rodovia. Com isso, constatou-se que os estudos preliminares não eram corretos. Daí, segundo ela advoga, a necessidade de novas pesquisas "para determinar medidas mitigadoras dos impactos da rodovia e compensatórias aos povos indígenas". (M.C.)

Assoreamento e outros prejuízos

- Dois sítios arqueológicos já foram depredados e pelo menos mais dois serão atingidos futuramente.

- Córregos, igarapés e rios ao longo do trecho estão sendo assoreados com as obras de terraplanagem e montagem de canteiros de obras.

- A qualidade do ar e as emissões de ruídos derivados das obras vêm afugentando a fauna na região.

- Houve degradação de áreas de preservação permanente, sobretudo as matas ciliares e supressão de vegetação nativa sem autorização dos órgãos ambientais competentes e sem que tenha sido sequer idealizado programa de reflorestamento da área.

- Há erosão e escorregamentos, devido à ausência de prévias investigações geológicas e geotécnicas nos locais das obras.

(*) Com informações de Luiza Archanjo, da Assessoria de Imprensa do MPF em Rondônia.
UC:Geral

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