"Fizemos muitos gols"

CB, Brasil, p. 6 - 08/01/2007
"Fizemos muitos gols"
Ministra comemora avanços, mas admite que discussão com o governo sobre o meio ambiente é "difícil"

Entrevista - Marina Silva

Hércules Barros
Da equipe do Correio

Depois de ser nocauteada pelo agronegócio e até mesmo por integrantes do governo federal, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, enumera ganhos nos quatro anos à frente da pasta. "Posso comemorar algumas conquistas como as leis de Gestão de Florestas Públicas e a da Mata Atlântica", disse com exclusividade ao Correio, durante entrevista. Com o apoio da sua pasta, a Polícia Federal realizou, nos últimos quatro anos, 17 operações para deter o desmatamento. Um total de 470 pessoas foram presas, sendo 107 do próprio governo. Apesar de celebrar os avanços na preservação das florestas, os últimos meses do ano não foram nada fáceis para Marina. Ela enfrentou forte pressão do Planalto. O meio ambiente foi apontado como um dos entraves ao crescimento econômico. O presente que ganhou do Congresso foi também amargo. Os parlamentares aprovaram, na semana de Natal, a autorização à venda de organismos geneticamente modificados, além da comercialização de algodão transgênico no país.

De seringueira defensora da preservação da Amazônia à ministra, Marina admite que aliar desenvolvimento econômico e preservação não é tarefa simples. Mas, em vez de atitude radicais, preza pelo equilíbrio. "Trabalhei com a idéia de uma política ambiental transversal e integrada. O debate pode ser intenso, às vezes difícil, mas ele tem que ser feito. Se não for feito é porque o Brasil não faz jus à potência ambiental que é", explica. Ela passou o primeiro mandato do presidente Lula sem ser derrubada pelas cinco malárias, três hepatites e uma leishmaniose que herdou dos duros tempos do seringal. Sobre a possibilidade de permanecer ou não na pasta, prefere ficar neutra e atribuir a decisão a uma instância superior. "Quanto ao futuro, a Deus pertence."

As operações em parceria com a Polícia Federal este ano fecharam muitas madeireiras, mas quem foi para a cadeia não ficou preso. Além da legislação não ajudar, faltou força à área ambiental?

A questão é da Justiça. A prisão preventiva tem o objetivo de fazer com que se possa recolher as provas e todo o material necessário para um inquérito. Todo o trabalho processado em cima dessas informações tem dado origem a novas operações da Polícia Federal, que tiraram do sistema mais de 100 funcionários corruptos, desmontaram 1,5 mil empresas, inibiram 63 mil propriedades de grilagem e apreenderam 800m³ de madeira.

Com isso, o desmatamento da Amazônia caiu, mas os índices ainda são altos. O que está estruturado para 2007?

Hoje, temos um sistema de detecção de desmatamento em tempo real, criado nos últimos quatro anos. O plano de combate ao desmatamento envolve 13 ministérios, com ações específicas no valor total de R$ 390 milhões, até 2007. Uma média de R$ 45 milhões por ano só para desmatamento da Amazônia. Criamos as Unidades de Conservação (UCs) na frente da expansão da fronteira predatória. O que nunca tinha sido feito nesse país. Foram criados 20 milhões de hectares nessa frente de expansão.

O licenciamento ambiental é tido como entrave do desenvolvimento. O meio ambiente foi ignorado pelo governo?

A discussão sobre meio ambiente e desenvolvimento é exatamente uma demonstração de que o sustentável não foi ignorado pelo governo. Pela primeira vez nesse país se discutiu projetos de infra-estrutura e de meio ambiente, durante esses quatro anos.

Mas até mesmo o presidente Lula fez críticas ao licenciamento ambiental.

Existem alguns setores que talvez até gostariam de retroagir, mas foi o presidente da República quem criou os 20 milhões de hectares de UCs na frente da expansão predatória; e que deu suporte para que se parasse as obras da BR-163, sem um plano de demarcação de terra indígena e combate à grilagem. No primeiro mandato, o presidente Lula juntou meio ambiente e desenvolvimento. São passos iniciais, mas consistentes.

São 20 milhões de hectares de UCs, mas carentes de regularização fundiária, de pessoal e de infra-estrutura. Quando elas serão regularizadas e qual o montante de recursos necessários?

De fato, é uma carência histórica. O Parque Nacional do Itatiaia criado há 70 anos está sendo regularizado agora. Quando chegamos aqui existiam duas correntes de pensamento. Uma que defendia primeiro implementar e depois criar as UCs. O ato de criar ajuda a proteger e o ato de implementar é efetivo à proteção. Para o Parque Nacional da Serra das Confusões já destinamos R$ 2 milhões para a implementação, que vai dobrar a receita do município com a visitação de turistas. Em parceria com a Caixa Econômica, estamos criando um fundo para a compensação ambiental, que vai viabilizar essa implementação. Cerca de 70% desse dinheiro vai ajudar, sobretudo, na regularização fundiária. E também fizemos um concurso público que aumentou em 33% o efetivo de analistas ambientais do Ibama.

Só que o Ibama está quebrado. Sem dinheiro para as despesas básicas. Como evitar o colapso do órgão?

O Ibama absorve 70% dos recursos de todo o ministério. Como ele é o nosso braço operador, não temos medido esforços para viabilizar os recursos necessários para o seu funcionamento.

O plano de governo para o meio ambiente no primeiro mandato do presidente Lula foi ignorado?

Foi além. Não estavam previstas as diretrizes com as quais nós trabalhamos: transversalidade, parar a BR-163, UCs na frente da expansão predatória, parceria com a Polícia Federal, 27 delegacias especializadas da PF, a mudança de retirada de água do São Francisco de 146m³ por segundo para 26m³ por segundo e sair de uma média de 140 licenças ambientais por ano para 272 licenças, em 2006. Temos as bases para ir mais além no segundo mandato do presidente Lula.

Como negociar com o núcleo duro do governo, simpático a construções de hidrelétricas. O Meio Ambiente não fica à sombra da Casa Civil?
Não diria que é duro. É denso. Trabalhei com a idéia de uma política ambiental transversal e integrada. O debate pode ser intenso, às vezes difícil, mas ele tem que ser feito. Se não for feito é porque o Brasil não faz jus à potência ambiental que é. O país tem a benção de ter a maior floresta tropical do mundo e é responsável pela maior biodiversidade do planeta e por mais de 12% da água doce disponível no planeta. A linguagem de meio ambiente planejando estrategicamente as ações para o país tem apenas três anos, onze meses e 28 dias.

Já conta os dias para deixar o Meio Ambiente?

Quando se trabalha com afinco, cada dia é um dia especial.

E se for convidada, vai ficar?

No Ministério do Meio Ambiente fizemos muitos gols, mas ainda há muito a ser feito. O debate sobre a suposta oposição meio ambiente X crescimento econômico foi a altura dos avanços que tivemos nos últimos 18 anos na sociedade brasileira. Me sinto honrada de ter participado do primeiro esforço. Quanto ao futuro, a Deus pertence.

A tentativa de importação de pneus usados não vai na contramão dessa política transversal?

É uma disputa que está em vários níveis. No Congresso Nacional, com um projeto de lei; e no governo, inclusive combatendo a indústria de liminares que faz com que entrem esses pneus velhos dentro do nosso país. O Brasil está trabalhando duas teses na OMC (Organização Mundial do Comércio), no aspecto ambiental e no da saúde, para evitarmos que esses pneus velhos continuem entrando no nosso país. É uma contradição da União Européia que colocou em vigor, a partir de junho deste ano, leis que proíbem a disposição de 80 milhões de pneus velhos em aterros sanitários, e querem dar uma destinação desse passivo ambiental para os países em desenvolvimento. O mais barato sai mais caro. É só verificar o que se gasta com saúde pública nesse país com a dengue. Pneu velho é um vetor da doença.

E as decisões do Congresso Nacional têm passado longe da transversalidade com o meio ambiente. É o caso da Lei de Biossegurança e da aprovação da soja e do algodão transgênicos.

Como também sou parlamentar e os parlamentares são escolhidos democraticamente pela sociedade, não posso satanizar o Congresso Nacional. A única coisa que posso fazer é disputar. A Lei de Biossegurança saiu com problemas. A medida provisória, que regulamenta a aérea de entorno de UCs, também está saindo com alguns artigos "geneticamente modificados". Mais uma vez se constituiu em algo que não vai contribuir para que se tenha no país um modelo de coexistência entre transgênico e não-transgênico. Mas, posso comemorar algumas conquistas como a Lei de Gestão de Florestas Públicas e a Lei da Mata Atlântica.

A Lei da Mata Atlântica passou 14 anos no Congresso Nacional até ser aprovada. Ela não chega tarde demais para o que resta da floresta?

Não. As instituições públicas e a sociedade não esperaram pela lei. Tivemos uma redução de 75% do desmatamento nos últimos cinco anos. A lei vem honrar e coroar o esforço de diferentes segmentos. É um bom exemplo de como a sociedade anda a frente da capacidade de resposta do Congresso Nacional. É uma grande lição para nós, parlamentares.

O esporte e a cultura têm celebridades para reivindicar as verbas de renúncia fiscal, enquanto a criação do imposto de renda ecológico está parada na Câmara dos Deputados. Falta celebridade para defender a área ambiental?

As celebridades no setor ambiental são anônimas. Às vezes a gente só sabe que elas existem quando morrem, como foram os casos do Chico Mendes e da irmã Dorothy.

Muitas entidades ambientais querem que a senhora continue no Meio Ambiente. Na cerimônia da Lei da Mata Atlântica, elas esperavam uma resposta do Lula nesse sentido e não se ouviu nada dele.

Não seria adequado. Depende de uma conversa. A melhor forma de ajudar o governo é ajudando o país. O que as pessoas querem é que se continue o trabalho.

CB, 08/01/2007, Brasil, p. 6
Política Socioambiental

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