A hora e a vez do cerrado

CB, Opinião, p. 13 - 01/12/2008
A hora e a vez do cerrado

Rodrigo Rollemberg
Deputado Federal (PSB-DF)

As últimas três décadas e meia foram marcadas, em boa parte do mundo, por um despertar da consciência ecológica. Como parte de seus desdobramentos, alguns hábitos mais nocivos ao meio ambiente foram substituídos; modificaram-se e ampliaram-se os conteúdos educacionais; e constatou-se até mesmo alguma mudança, em diferentes países, no discurso e nas políticas governamentais.

No entanto, a questão ambiental enfrenta grande dificuldade de figurar no centro de uma agenda global - dificuldade, aliás, compartilhada por outros desafios fundamentais, como o combate à pobreza e a construção de uma ordem internacional pacífica e segura. Em virtude disso, as transformações no sentido da implantação de modelos de organização social efetivamente sustentáveis ocorrem de modo lento e insatisfatório.

Em nosso país, esse quadro se reproduz, apesar do enorme esforço de militantes ambientais, pesquisadores e lideranças políticas e da atuação, durante o governo do presidente Lula, da ministra Marina Silva e de seu sucessor, Carlos Minc, à frente da pasta do Meio Ambiente. Vêm-se produzindo, sem dúvida, resultados positivos, tais como o aumento da visibilidade do problema ambiental, a concessão de licenciamentos segundo critérios mais rigorosos e a diminuição do ritmo do desmatamento da Floresta Amazônica - muito embora fiquem cada vez mais claras a necessidade e viabilidade do desmatamento zero.

Há, porém, graves lacunas. Uma delas diz respeito ao bioma cerrado, alvo de contínua destruição, ao longo dos últimos 50 anos. Há controvérsias sobre a extensão da devastação do cerrado. Segundo a perspectiva mais sombria, apresentada pelo professor Jader Marinho, do Departamento de Zoologia da UnB, há somente 20% de sua área original intocada, o que projeta seu total desparecimento em aproximadamente 30 anos.

No cerrado, são inúmeras as espécies animais atingidas pela ação humana. Em matéria publicada neste jornal, no último dia 10 de novembro, a ONG Conservação Internacional apresentou números estarrecedores: 13% do conjunto de peixes, anfíbios, répteis, mamíferos e aves do cerrado possivelmente já foram extintos; e 15 outras espécies de vertebrados estão ameaçadas de extinção.

Os efeitos negativos sobre a flora são igualmente incomensuráveis. Estudos, como o desenvolvido pelo professor Otávio Luiz Franco, da Universidade Católica de Brasília, voltado à produção de antibióticos a partir de flores do cerrado, dão conta das propriedades medicinais de plantas e ervas do bioma. Entretanto, o ritmo acelerado da devastação talvez faça com que o poder dessas espécies de contribuir para a saúde humana permaneça para sempre desconhecido.

A causa primordial do desmatamento do cerrado é a expansão da fronteira agropecuária. Esse é, obviamente, um setor essencial para o abastecimento dos lares brasileiros e o desenvolvimento do país. Contudo, a grande disponibilidade para a agricultura de áreas de pastagem degradadas e o aumento da produtividade na pecuária tornam dispensável o avanço dessas atividades sobre o cerrado remanescente.

O processo de urbanização, sobretudo no Distrito Federal e Entorno, atua como outra importante ameaça. É indispensável, por isso, que a definição de novas terras para a ocupação urbana seja feita de maneira rigorosa, de modo a minimizar seus impactos ambientais. A esse respeito, causa imensa preocupação o fato de o Plano Diretor de Ordenamento Territorial do DF vir sendo discutido de forma pouco participativa e açodada, o que tem permitido a incorporação de propostas incompatíveis com a preservação do cerrado, como a construção de bairro residencial em Área de Proteção de Mananciais.

Neste momento, os segmentos comprometidos com a preservação do cerrado envidam parte de seus esforços na aprovação da Proposta de Emenda Constitucional n.o 115, de 1995. A PEC corrige falha do constituinte de 1988, que não contemplou o cerrado como patrimônio nacional, ao lado de outros biomas, como a Floresta Amazônica, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal mato-grossense e a Zona Costeira.

A alteração da Constituição Federal não encerrará a luta pela preservação do cerrado; dará, sim, ensejo a que ela seja travada, em novas bases, com o respaldo do texto máximo de nosso ordenamento jurídico. Ao Congresso Nacional cabe pôr fim a uma protelação que tem contribuído para a perpetuação de danos ambientais irreparáveis.

CB, 01/12/2008, Opinião, p. 13
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