A montanha dos muriquis

O Globo, Rio, p. 30 - 24/07/2011
A montanha dos muriquis
Técnicos vão ao último refúgio do primata na Serra dos Órgãos: candidato a símbolo dos Jogos, ele vai ganhar corredor ecológico

Rafael Galdo

Quando os muriquis estão por perto, é impossível não perceber a presença deles. O maior primata das Américas, que pode medir até 1,5 metro, vive na mata das montanhas do Rio. E seu movimento no topo das árvores se assemelha a uma ventania: os galhos balançam forte, e o barulho vai longe. É esse macaco, um dos animais mais ameaçados de extinção no estado, que a ong Eco-Atlântica propõe como o mascote dos Jogos de 2016. Na última semana, uma equipe multidisciplinar da ong realizou uma expedição até um dos últimos refúgios da espécie, na região conhecida como Parnaso, no Parque Nacional da Serra dos Órgãos, em Teresópolis.

A missão era fazer imagens dos hábitos dos muriquis. A mais de dois mil metros de altitude, foram feitos vídeos e fotografias inéditos da espécie. Os registros farão parte da campanha que o promoverá como mascote das Olimpíadas, e que tem adeptos como o cantor Gilberto Gil e o diretor de teatro José Celso Martinez Corrêa.

Foram cinco dias na montanha, embrenhados numa das regiões de Mata Atlântica mais preservadas do Rio e com um dos relevos mais acidentados da Região Serrana.

- A fragmentação da floresta e a caça aos muriquis fizeram com que eles se refugiassem no topo de montanhas em áreas de difícil acesso ao homem. Nosso objetivo é apresentar aos cariocas e brasileiros esse macaco tão importante para a continuidade da Mata Atlântica (ele come frutas e dispersa as sementes que renovam a floresta). Numa projeção otimista, há de 300 a 400 muriquis no Brasil. É o primata em maior risco de extinção do planeta - diz Paula Breves, presidente da Eco-Altântica e veterinária que coordenou a expedição ao Parque Nacional da Serra dos Órgãos.

Na região do Parnaso, Paula já registrou um grupo de 40 a 60 animais. Eles se locomovem desde a área conhecida como Vale da Morte até a proximidade da sede do parque, em Teresópolis. No Rio, ainda há espécimes no Parque dos Três Picos (na própria Serra dos Órgãos); na região de Cunhambebe, em Mangaratiba; na Serra da Bocaina; em Paraty; no Parque Estadual do Desengano, em Santa Maria Madalena no Norte Fluminense; e em Itatiaia. Da mesma espécie do que há no Rio, o muriqui do sul também habita resquícios de Mata Atlântica em São Paulo e no Paraná. Em Minas Gerais, há um parente do macaco: o muriqui do norte, um pouco menor.

Transformar o macaco em mascote dos Jogos de 2016, segundo Paula, chamaria atenção para o risco que o macaco corre e ajudaria a preservar a Mata Atlântica, com menos de 10% da sua área nativa conservados no Brasil. Para garantir a continuidade da espécie, as áreas em que eles vivem precisam ser ampliadas, com a criação de corredores de mata.

Paula defende uma maior fscalização dos parques e trabalhos de educação ambiental para conscientizar a população de que os muriquis não devem ser caçados.

- Os índios já os caçavam para comer. Essa caça continua ao longo do tempo, mas a maior contribuição para o risco da espécie foi dada pelo homem branco que fragmentou a Mata Atlântica. A preservação contribuiria para a continuidade de outras espécies - observa Paula, que fará um levantamento das frutas consumidas pelos muriquis para implementar os corredores de mata onde eles vivem.

Paula acredita que o primata simboliza uma característica fundamental do brasileiro.

- É pacífico, não briga e nem entra em conflito com a Mata Atlântica. Ele é solidário. Há registros de muriquis ajudando uns aos outros e se abraçando. Seu nome, em tupi-guarani, significa povo que vai e vem e povo manso da floresta. São características do brasileiro, que é amistoso e caloroso.

O maior primata das Américas deverá ganhar mais espaço para sobreviver. Um debate no Centro Cultural Tom Jobim, no Jardim Botânico, na próxima terça-feira, às 9h, marcará o início da implantação do Corredor Ecológico do Muriqui. A mesa redonda será mediada pelo economista Sérgio Besserman e contará com a participação de especialistas, membros de ONGs, de empresas e do Instituto Estadual do Ambiente.

O reflorestamento de nove mil hectares unirá três grandes unidades de conservação, permitindo que o macaco circule em áreas maiores. Isso é fundamental para sua preservação, já que uma população maior terá a chance de se encontrar para acasalar, garantindo mais variedade genética.

A primeira fase do projeto, patrocinado pela EBX, que está construindo o Porto do Açu, começou em 2009, com o levantamento da área. O segundo passo foi determinar as espécies de Mata Atlântica que serão replantadas, além dos viveiros de mudas. De acordo com o diretor de sustentabilidade da EBX, Paulo Monteiro, já foram investidos, até agora, R$2,3 milhões. Outros R$3 milhões serão usados na terceira fase, em outubro: plantio e educação ambiental.

- O projeto é lento, deverá levar uns dez anos. Serão recuperados nove mil hectares de Mata Atlântica, justamente no corredor por onde passa o muriqui - disse Paulo.

Para o corredor ecológico, foi firmada uma parceria com o Instituto BioAtlântica e a empresa Brasil Florestas. Cada um dos proprietários de terra terá que ser convencido a participar. A criação de reservas particulares será estimulada. Também está prevista a recuperação da vegetação das margens de rios.

Ao todo, serão conectadas 23 unidades de conservação, cinco mil propriedades rurais e oito bacias hidrográficas, em nove municípios do estado do Rio.

Colaborou Cláudio Motta

O Globo, 24/07/2011, Rio, p. 30
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