Ações para geração de renda mudam comunidade no AM

Valor Econômico, Especial, p. F4 - 26/02/2014
Ações para geração de renda mudam comunidade no AM
Fundação promove educação financeira e capacitação em áreas que sofriam degradação

Rachel Cardoso
Para o Valor, de Tumbira e de Manaus

Almires Godim, de 39 anos, líder da comunidade de Bauana, na Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) Mamirauá, no rio Juruá, - onde moram mais de duas mil pessoas -, atendida pela Fundação Amazonas Sustentável (FAS), tem muito a comemorar. E não está sozinho. Roberto Brito de Mendonça, de 38 anos, porta-voz das 25 famílias residentes em Tumbira, Núcleo de Conservação da RDS do Rio Negro, faz coro ao grupo, que deixou para trás uma vida de exploração inadequada dos recursos naturais da Floresta Amazônica para desenvolver atividades que têm causado transformações socioeconômicas, gerado oportunidades e despertado esperança.
Por trás dessas iniciativas está uma bem-sucedida política ambiental, que revela a viabilidade entre a exploração comercial e a conservação do ecossistema, em contraponto à atividade criminosa de madeireiras e garimpos nas áreas supostamente protegidas da Amazônia. "Venho de uma família que perpetuava a atividade dos madeireiros ilegais por falta de conhecimento, como a maioria que aqui nasceu", conta Roberto.
Segundo ele, que hoje tem uma pousada na região, o conhecimento abriu seus olhos. "Aprendi a ver o meio ambiente como um sistema integrado com as pessoas. Antes não havia futuro nem para mim nem para os meus filhos. Agora já posso sonhar com isso."
A educação é o foco da Fundação Amazonas Sustentável (FAS). O ex-secretário de meio ambiente do Amazonas, Virgílio Viana, superintendente da instituição, acredita os conhecimentos sobre a região precisam ser disseminados não só entre as comunidades locais. "Todos os brasileiros têm de conhecer e entender a importância do bioma. Muitos ainda acham que ali é lugar de bichos e plantas e que não tem gente", diz. "Também há de se ter cuidado para não perder a cultura local."
Na busca por mecanismos para conferir valor aos ativos da floresta, a fundação criou um projeto que despertou atenção mundial: o Bolsa Floresta, que foi apresentado como modelo de iniciativa para evitar desmatamento no "Forum on Readiness for Redd", em Gana, na África.
Trata-se do primeiro projeto brasileiro certificado internacionalmente para recompensar e melhorar a qualidade de vida das populações tradicionais por meio da manutenção dos serviços ambientais prestados pelas florestas tropicais, reduzindo o desmatamento e valorizando a floresta comercialmente, sem deixar para trás a terra arrasada e sem agressão ao meio ambiente.
Na prática, funciona assim: os moradores e comunidades do Amazonas que preservarem a floresta do entorno onde moram recebem um pagamento. Criada a partir da associação do Bradesco com o governo do Amazonas no fim de 2007 para financiar um programa de desenvolvimento sustentável, a iniciativa já beneficia mais de 5 mil famílias com R$ 600,00 por ano, além de investimentos em atividades produtivas sustentáveis.
Segundo o Bradesco, os recursos totais a serem investidos na fundação - R$ 20 milhões já foram doados e o compromisso é doar mais R$ 50 milhões nos próximos cinco anos - também sairão do mercado, por meio da comercialização de produtos, como os títulos de capitalização "Pé Quente Bradesco FAS".
É da FAS também o primeiro projeto brasileiro certificado de Redd (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal), um mecanismo de compensação financeira para os países em desenvolvimento ou para comunidades desses países, pela preservação de suas florestas. O Redd atestou a preservação de uma área de 366 mil hectares na Reserva Juma, no Amazonas, até o ano de 2050, que vai gerar uma redução de 210 milhões de toneladas de CO2.
Esse projeto atraiu outros parceiros para a fundação, como Coca-Cola e a Marriott.
Implementar programas na Amazônia, contudo, é sempre uma tarefa complexa. Além de não ser um ecossistema estático, a dimensão territorial exige alternativas para superar inúmeras barreiras. Chegar até uma agência bancária para receber o benefício, por exemplo, era algo improvável para algumas famílias. E ter o dinheiro na mão não significa ter o que comprar. "Cada intervenção feita desencadeia uma reação, que demanda outra solução", diz Viana.
Assim, a educação financeira e a capacitação para gerir pequenos negócios também foram necessárias depois que as comunidades começaram a melhorar sua renda. A primeira iniciativa nesse caminho veio com o Voyager, agência bancária fluvial que também funciona como supermercado.
"No seu auge, o Voyager chegou a atender 200 passageiros e transportar 500 toneladas de mercadoria como frango e feijão por 11 municípios do rio Solimões. Mas as barreiras logísticas são tantas que enquanto o circuito de 15 dias era concluído as comunidades já estavam à margem novamente", diz o gerente departamental do Bradesco, Nezio Vieira. "Houve dias em que ficamos de duas a três horas esperando a maré subir para poder continuar uma viagem de barco de 16 horas."
Por essas razões, mudar a vida das comunidades implicava ir além de prover acesso eventual ao sistema bancário. A missão demandava suporte tecnológico que tinha tantas barreiras quanto aquelas enfrentadas pelos ribeirinhos para ir e vir da capital. "Imagine as dificuldades superadas para levarmos internet e luz para esses lugares todos em meio à floresta?", pergunta Vieira.
Os primeiros obstáculos foram vencidos, e Bauana e Tumbira, onde Almires e Roberto são líderes comunitários, ganharam cada qual sua unidade do Bradesco Expresso. Não se trata de um caixa eletrônico, mas de um correspondente bancário, dentro de um estabelecimento local como a pousada de Roberto ou a cantina de Almires que, munidos de uma máquina de cartão de crédito, estão habilitados a realizar pagamentos e carregar celulares. O saldo é disponibilizado pelo banco.
Em Tumbira, o saldo disponível de R$ 8 mil já não basta. Moradores de comunidades vizinhas começaram a utilizar a infraestrutura bancária com mais frequência e foi preciso ampliar o volume para R$ 10 mil. Roberto afirma que vê como uma grande responsabilidade ter de administrar o dinheiro. "Mas eu não posso deixar pessoas de idade como há tantas aqui sair às duas horas da manhã e se aventurar Rio Negro afora só para receber a aposentadoria todo mês."
Ao evitar viagens de cerca de 50 horas de barco, no caso de Bauana - praticamente dois trajetos e meio de avião sem escala até a Índia - a uma agência bancária em Manaus, houve uma economia de quase R$ 600 para o bolso dos habitantes, num cálculo rápido, mesmo valor do Bolsa Floresta. Só de combustível com um barco de motor pequeno seriam quase 100 litros, a uma média de R$ 1,40 por litro, o que soma um custo de R$ 280 ida e volta. Acrescente-se aí, no mínimo, seis dias para chegar até a cidade e retornar, o que daria uma média de R$ 300 em dias perdidos de trabalho.
Mais do que a tecnologia de uma máquina de cartão de crédito, foi o conhecimento transferido que trouxe oportunidades de formação e geração de renda e estimulou projetos de empreendedorismo e os negócios em lugares até então completamente isolados. Sinal de que a semente plantada deve florescer em Tumbira, que começa a acolher os primeiros filhos regressos. Caso da técnica de enfermagem Maria Augusto Macedo Vieira, de 39 anos, que trocou recentemente Manaus pela comunidade, onde é a responsável pelo Posto de Saúde local. Lá ela está construindo uma casa e planeja educar o filho. "Existe uma ótima estrutura para educá-lo até o ensino médio, com professores que moram aqui e entendem do lugar."
*A jornalista viajou a convite da FAS e do Bradesco


"Educação transformadora" é a principal aposta

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Por Rachel Cardoso | De Manaus

O trabalho realizado pela Fundação Amazonas Sustentável (FAS) persegue uma utopia: fazer com que o envolvimento sustentável - e não o desenvolvimento - seja o caminho óbvio. "A educação transformadora é o caminho", diz Virgílio Viana, superintendente da instituição e representante das Organizações das Nações Unidas (ONU) para assuntos relacionados às florestas. "Isso se aplica a todos os países da bacia amazônica, assim como os demais Estados do Brasil. Precisamos disseminar mais essa utopia e mostrar que é possível transformá-la em realidade."

Com a missão de criar um mecanismo financeiro capaz de remunerar a Amazônia, Viana aproveitou o período de recesso em janeiro para escalar o Monte Mismi, onde, a 5180 metros de altitude, nasce o Amazonas. Dos Andes ele diz ter ganhado mais vivência para atuar na definição de indicadores e metas globais de sustentabilidade relacionados às regiões florestais para a ONU, onde ajudará a construir os chamados "Objetivos do Milênio", que darão ênfase maior às questões ambientais daqui por diante. "Percorri o trajeto de carro, desde o Acre, analisando as paisagens e os desafios para promover o envolvimento sustentável nessa região", diz. "Cerca de 40% da Amazônia estão fora do Brasil."

A proposta para coordenar esse processo veio por meio do coordenador geral da Rede de Desenvolvimento de Soluções Sustentáveis das Nações Unidas (UNSDSN), professor Jeffrey Sachs, da Universidade de Columbia (EUA), que o convidou para ser co-presidente do Fobes - Florestas, Oceanos, Biodiversidades e Serviços dos Ecossistemas -, um dos grupos temáticos da rede. "Tenho a missão de levar o conhecimento sobre uma das áreas mais preciosas para o futuro do planeta: a Amazônia."

Segundo Viana, o mais importante é promover as condições para que a população e os tomadores de decisão compreendam a importância da Amazônia para os de fora, trabalho que a FAS busca desenvolver constantemente. Um segundo passo é a criação de mecanismos econômicos para que os serviços ambientais da Amazônia sejam valorizados economicamente e que os benefícios alcancem de forma direta os moradores. "A comunidade internacional valoriza florestas de forma clara. O problema é que isso ocorre no campo simbólico. Do ponto de vista financeiro, apenas países como a Noruega, Alemanha e Inglaterra têm sido consistentes nesse reconhecimento", diz.

Valor Econômico, 26/02/2014, Especial, p. F4

http://www.valor.com.br/empresas/3443742/acoes-para-geracao-de-renda-mudam-comunidade-no-am

http://www.valor.com.br/empresas/3443744/educacao-transformadora-e-principal-aposta
UC:RDS

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