Ambientalista é assassinado em reserva ecológica no Rio

FSP, Brasil, p. A4 - 24/02/2005
Ambientalista é assassinado em reserva ecológica no Rio

Ministra Marina não descarta hipótese de crime não ter causa ambiental
O ambientalista Dionísio Júlio Ribeiro, 61, foi assassinado no final da noite de anteontem após ser vítima de emboscada em uma trilha na reserva biológica do Tinguá, distrito de Nova Iguaçu (Baixada Fluminense, região metropolitana do Rio).
Ribeiro era presidente do conselho fiscal da organização não-governamental GDN (Grupo de Defesa da Natureza), entidade que luta pela preservação da fauna e flora da reserva do Tinguá, que é a maior do Estado sob administração federal.
Entre os principais suspeitos do crime, apontados pela polícia e por ambientalistas da região, estão os responsáveis pela extração ilegal de palmito, caçadores e pessoas interessadas em construir dentro da área da reserva.
Segundo a Polícia Civil, os principais suspeitos são os chamados "palmiteiros". O ambientalista vinha recebendo ameaças de morte.
Ribeiro foi morto por volta das 22h30 de terça-feira. Ele tinha acabado de sair de uma reunião na Associação de Moradores e Amigos do Tinguá e voltava a pé para casa, próxima do parque.
Quando passava por uma trilha, teria sido surpreendido pelo assassino, que lhe deu um tiro de escopeta na cabeça e fugiu.
A Polícia Federal e o Ministério Público Federal também estão participando das investigações. Ambos abriram inquérito para apurar o crime. A PF não dá informações sobre a apuração.
O secretário de Segurança Pública, Marcelo Itagiba, determinou prioridade no caso. Duas delegacias da Polícia Civil e dois batalhões da Polícia Militar trabalham para desvendar o crime.
O ambientalista, sargento reformado da PM do Rio e ex-funcionário do extinto Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal, morreu na hora.
Ameaças
A ministra Marina Silva (Meio Ambiente) disse que havia conversado com o diretor da PF, Paulo Lacerda, e com as autoridades do Rio para fazer "um trabalho conjunto" nas investigações. Enfatizou que o local é "uma área com problemas sociais", mas que o crime será investigado independentemente das causas.
Já o presidente em exercício do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Bens Não-Renováveis), Luiz Fernando Krieger Merico, disse que o assassinato é uma reação ao "trabalho de regularização fundiária e proteção ambiental" e que, mesmo com mais segurança na reserva, a morte dele não teria sido evitada.
Segundo ambientalistas e fiscais do Ibama, Ribeiro já vinha sofrendo várias ameaças de morte de palmiteiros e também de caçadores de animais da reserva.
O chefe da reserva, Luiz Henrique dos Santos afirmou não ter dúvidas de que o crime está ligado à questão ambiental.
Ambientalistas disseram ainda que não se pode descartar a hipótese de o crime estar ligado à exploração imobiliária, que é forte no bairro. Eles citaram os casos de um pastor que foi impedido pelo ambientalista de construir um heliporto em área protegida e de uma parque, no município vizinho de Xerém, que queria expandir sua área para a reserva.
O agente de fiscalização do Ibama na reserva, Márcio Castro das Mercês, 52, disse que outras pessoas ligadas à causa ambiental também estão sendo ameaçadas. Contou que já foi espancado por grupos que exploram os recursos naturais do Tinguá e que, há dez anos, sua mulher, também ambientalista, foi morta na região. Outra funcionária, que trabalha na reserva e não quis se identificar, disse que ele era "odiado" por caçadores e palmiteiros.
O gerente-executivo do Ibama no Rio, Édson Bedin de Azevedo, disse que jamais soube das ameaças a Ribeiro. "Ameaças a ambientalistas são uma constante. É impossível a PF combater o tempo todo", disse.
O ambientalista assassinado ajudou a fundar a "Defensores da Natureza", em 1988. Morava sozinho. Sua filha de 19 anos não morava no Tinguá porque detestava o local e por medo da violência.
Ele será enterrado hoje, às 11h, no cemitério de Ricardo de Albuquerque, no subúrbio do Rio. (Mario Hugo Monken, Luiz Fernando Vianna e Ligia Diniz)
Colaborou a Sucursal de Brasília

Com apenas três fiscais, reserva sofre com atuação de caçadores
Criada em 1989 e com 28 mil hectares de extensão, a reserva ecológica do Tinguá vem sendo degradada pela atuação constante de quadrilhas de caçadores de animais e palmiteiros.
O parque, cuja área equivale a cerca de 40 mil campos de futebol, só conta com três agentes de fiscalização do Ibama, que não dispõe de carros, combustíveis, nem de armas para conter os invasores.
Segundo o fiscal Márcio Castro das Mercês, várias espécies de aves e mamíferos ameaçados de extinção são caçadas na região e negociadas com traficantes internacionais. No caso dos mamíferos, eles são capturados e vendidos para criadores ou, então, têm a carne retirada e vendida a restaurantes . Entre os caçados no Tinguá, estão pacas, porcos-do-mato, capivaras, macacos-preguiça, cutias e jaguatiricas
"No ano passado, um delegado da Polícia Federal estava almoçando em um restaurante na reserva e localizou um chumbinho dentro da carne que estava comendo", declarou.
Já os pássaros são vendidos a turistas que vão ao local para tomar banho de cachoeira e de rio. Os preferidos dos caçadores são as aves exóticas, como saíras (que têm sete cores) e macucos.
Ele contou ainda que os caçadores atacam aranhas e cobras para extrair o veneno e o vender para laboratórios farmacêuticos.
O fiscal afirmou que há pessoas que invadem a reserva para extrair óleo de jatobá e de copaíba -ambos com fins medicinais- para venderem em feiras. Os palmiteiros, segundo Meira, montam laboratórios clandestinos na reserva para preparar o produto para vendê-lo em restaurante.
O fiscal afirmou que não tem estatísticas sobre a extração de vegetais e de animais caçados no parque. Apenas 10% da fauna da reserva é mapeada.
A reserva ecológica do Tinguá é cortada pelo rio Tinguá, cuja água abastece 80% da Baixada Fluminense e 60% de toda a região metropolitana do Rio. Cerca de 2.000 pessoas vivem na reserva e em suas imediações.
Ambientalistas culpam governo federal por morte
Acompanhados do prefeito de Nova Iguaçu, Lindberg Farias (PT), cerca de cem ambientalistas e moradores do bairro do Tinguá protestaram ontem à tarde, em frente à sede do Ibama próxima à reserva biológica, contra a morte de Dionisio Julio Ribeiro.
"O Ibama tem má vontade em botar mais fiscais na reserva. Há gente que conhece a área e precisaria apenas de um curso de capacitação, mas o Ibama não agiliza isso", criticou Márcio das Mercês, colega de Ribeiro no GDN (Grupo de Defesa da Natureza) e também agente do Ibama.
O biólogo Vilmar Berna, presidente do Instituto Brasileiro de Voluntários Ambientais, culpou o governo federal pela morte do ambientalista. "Por causa da ausência e da omissão do poder público, cidadãos como ele partem para o confronto e morrem. O aparato ambiental no Brasil está enfraquecido e os ambientalistas estão vulneráveis", disse Berna.
Militante da ONG Onda Verde e subsecretário de Meio Ambiente de Nova Iguaçu, Hélio Vanderlei classifica de "morte anunciada" o assassinato de Ribeiro. "Ele vinha sendo ameaçado por enfrentar caçadores e palmiteiros. A Polícia Federal estava investigando esses grupos e deve ter como chegar aos assassinos", acredita Vanderlei.

FSP, 24/02/2005, Brasil, p. A4
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