Ambientalista é morto em emboscada no Rio

OESP, Nacional, p.A6 - 24/02/2005
Ambientalista é morto em emboscada no Rio
Defensor da Reserva Biológica do Tinguá, Júlio vinha denunciando a ação ilegal de palmiteiros e caçadores na área e, segundo amigos, estava recebendo ameaças

RIO - A Reserva Biológica do Tinguá, na Baixada Fluminense, maior reserva federal no Estado do Rio, perdeu o seu maior defensor. O ambientalista Dionísio Júlio Ribeiro Filho, de 59 anos, foi assassinado na terça-feira à noite com um tiro de escopeta na cabeça. A emboscada aconteceu numa trilha a 300 metros da entrada do parque, perto de sua casa. Segundo amigos, foi uma morte anunciada: ele havia sido ameaçado diversas vezes, por denunciar a ação ilegal de palmiteiros e caçadores na área.
Júlio, como o ativista era conhecido, chegou à região 40 anos atrás, bem antes da criação da reserva. Há 20 anos, mudou-se para lá, com o intuito de uma atuação mais incisiva. Fundou o Grupo de Defesa da Natureza, organização não-governamental com sede em Tinguá. "Por tudo que fazia, era um sujeito odiado", disse Márcio Castro, fiscal do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) no parque, que acompanhava o trabalho desde os anos 80.

O ambientalista percorria a reserva a pé, na companhia de policiais, apontando as práticas ilegais. Entre elas, a extração de palmito, de ervas medicinais e seiva de árvores, além da caça de animais silvestres. Só de palmito, é apreendida, em média, uma tonelada por semana - na semana passada, um palmiteiro foi preso. Muitas vezes, esses grupos recrutam adolescentes para fazer o serviço, às vezes pagos com drogas.

Algumas das espécies animais estão quase extintas, como as aves saíra de 7 cores e tié-sangue. Ali são caçadas capivaras, tamanduás, porcos-do-mato, cutias, pacas e macacos-preguiça. Restaurantes das redondezas seriam os compradores.

AMEAÇAS

De acordo com o fiscal do Ibama, o amigo vinha sendo pressionado - ora veladamente, ora diretamente. "Ele não costumava sair à noite por medo. Só saiu ontem (anteontem)." O próprio Castro já sofreu atentados à bala. "Não posso ter medo. Quem ama não teme e eu amo a natureza. Temos de prosseguir, dar um retorno à sociedade." Segundo ele, uma ativista da mesma ONG foi morta há 10 anos.

O superintendente do Ibama no Rio, Edson Bedin, disse ontem que não sabia das ameaças a Júlio, um policial militar reformado e ex-funcionário do extinto Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF), que deu origem ao órgão. Para Bedin, ele "foi um vitorioso, porque com sua luta conseguiu fazer o governo federal criar uma unidade de conservação". O superintendente completou: "A morte é um alerta à sociedade, que compra palmito sem o selo do Ministério da Agricultura e freqüenta restaurantes de caça sem autorização do Ibama."

O presidente substituto do Ibama, Luiz Fernando Merico, que esteve no Rio ontem, afirmou que a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, pediu que a Polícia Federal acompanhasse o caso.

O presidente do Ibama garantiu que o governo não vai recuar "nem um milímetro na implementação das políticas ambientais". "Conflitos e riscos são recorrentes na área ambiental", disse Merico.

'INEVITÁVEL'

Sobre as críticas à falta de estrutura do Ibama no Rio, o dirigente do Ibama afirmou: "Mesmo que a estrutura fosse outra, essa morte não seria evitada. Quem quer matar mata dentro do parque, na rua, na porta da casa."

No fim da tarde de ontem, foi realizado um ato ecumênico perto da entrada da reserva, com a presença do prefeito de Nova Iguaçu, Lindberg Faria, e moradores da região. "Ele não lutava só pela natureza, mas também pela comunidade. Era um homem amável, que andava o dia inteiro para brigar pelo que acreditava. Acabaram com ele, mas não com a nossa esperança", disse, aos prantos, a dona de casa Sueli Conceição de Freitas Pinheiro, de 42 anos.

Ibama tem 3 fiscais para proteger área de 26.660 hectares

RIQUEZA: A Reserva Biológica do Tinguá, no Rio, foi criada em 23 de maio de 1989 e tem 26.660 hectares. Até agora, apenas 10% de sua fauna e flora foram mapeadas - são 3.500 espécies vegetais e centenas de espécies animais, entre as quais o menor anfíbio do mundo: o sapo-pulga. Mas, para protegê-la, o Ibama tem apenas três fiscais, que percorrem a região a pé. "Todos os carros estão quebrados e não há verba para combustível", disse o fiscal Márcio Castro. "É uma piada de mau gosto do governo federal manter esse modelo de gestão aqui." A área, tombada pela Unesco, é responsável pelo abastecimento de água de 80% da Baixada Fluminense.

OESP, 24/02/2005, Nacional, p.A6
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