Áreas ecológicas inválidas

A Crítica - 02/12/2003
Áreas ecológicas inválidas
Pesquisador alerta para as alterações climáticas causadas por desmatamento para a exploração de madeira, conflitos e pesca predatória

Alterações climáticas, presença de invasores, desmatamento em crescimento, conflitos, subtração dos recursos para manutenção dos projetos são os principais problemas encontrados em seis áreas de conservação federal na Amazônia Legal, três no Estado do Amazonas e três no Estado de Rondônia. As conclusões foram apresentadas durante o Seminário da Amazônia Especial, realizado no auditório do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), como tema de tese de doutorado de Stephen R. Cameron, do Center for Global Change and Earth Observations.
0 estudo, denominado "Avaliando a eficácia das unidades de conservação federal na Amazônia Legal - Resultados iniciais de um estudo de seis unidades de conservação", tem o objetivo de desenvolver uma metodologia para avaliar a eficácia de áreas de conservação nas florestas tropicais, combinando estudos de campo e imagens de satélite. As áreas investigadas foram o Parque Nacional do jaú (AM); Reserva Extrativista do Médio Juruá (AM); Floresta Nacional de Tefé (AM); Parque Nacional Pacaás Novos (RO); Reserva Extrativista Ouro Preto (RO) e Floresta Nacional Bom Futuro (RO).
O trabalho de seis meses do doutorando concluiu que, excluindo o Parque Nacional do Jaú, todas as unidades de conservação estão melhor protegida do que a área do entorno, também ,chamado buffer, em linguagem científica.
Excluindo a Floresta Nacional -Bom Futuro, o nível de desmatamento é baixo, mas apresenta crescimento. Há mudanças ambientais em todas as áreas pesquisadas, enquanto o nível de desmatamento está aumentando rapidamente, bem como as atividades proibidas.
Pouca verba
Outra observação 'do pesquisador diz respeito aos recursos que são destinados à manutenção das áreas de conservação. Segundo Stephen R. Cameron, o dinheiro vem diminuindo ano a ano, o que é mais uma ameaça aos projetos. Em 2002, por exemplo, o Governo Federal destinou R$ 33 milhões para essas áreas. Este ano, os recursos sofreram um corte e o setor só recebeu R$ 22 milhões. E para 2004 a situação é bem pior, pois o Orçamento prevê apenas R$ 8 milhões. Além disso, diz Cameron, a maior parte do dinheiro é destinada a áreas onde não há conflitos ou para a criação de novas áreas de conservação.
Outra observação importante colhida pelo pesquisador diz respeito ao número de funcionários do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) que é muito pouco para fiscalização de áreas extensas. Além disso, conta Cameron, só no ano passado o Ibama começou a entrar nessas áreas de conservação. Numa delas - a Floresta Nacional Bom Futuro, em Rondônia - nenhum técnico consegue entrar, tal o nível de conflito existente. Funcionários já foram ameaçados por madeireiros e posseiros. 0 Ibama - relata Cameron - pretende realizar uma operação conjunta com a Polícia Federal, este mês para retirar as pessoas que estão em Bom Futuro de forma ilegal.
Por fim, depois de enumerar as sérias ameaças ao futuro dessas unidades de conservação, Cameron deixa uma importante contribuição para o Governo quando se pensa em criar novas unidades. 'E importante estudar a área antes de criar uma unidade de conservação para evitar problemas futuros", afirma o pesquisador, citando como exemplo a UC Bom Futuro.

Problemas mais graves em Rondônia
Diferente do Estado do Amazonas, onde as áreas de conservação são bem maiores, as do Estado de Rondônia apresentam situações bem mais graves. A Floresta Nacional Pacaás Novos, criada dentro de uma reserva indígena em 1979, possui 764.801 hectares. Há . 250 moradores pertencentes a duas aldeias: Uru Eu Wau Wau. 0 desmatamento antes da criação da reserva era de 364 hectares em seu interior e de 122.619 hectares no buffer. De 97 a 2000, o desmatamento foi de 211 hectares na reserva e de 34.218 no buffer.
A principal ameaça à unidade de conservação é a invasão de terras, seguida de extração de madeira, pesca predatória e caça. Como conseqüência, a reserva já apresenta acentuadas mudanças: clima mais seco, igarapés também com menor fluxo de água, reduzida quantidade de animais na floresta e muito desmatamento.
A incidência de atividades proibidas para uma área de conservação federal também é alta e inclui invasões e extração ilegal de madeira. Apesar de tudo, os índios ajudam o Ibama na fiscalização.
Ouro preto
A Reserva Extrativista Ouro Preto, criada em 1990, tem uma área total de 204.583 hectares, onde habitam 1.550 pessoas distribuídas em oito comunidades. Ali, as principais ameaças são as invasões, a extração de madeira e a pesca predatória. As principais mudanças ocorridas após a implantação da unidade estão relacionadas com o clima, que se apresenta mais seco, assim como os igarapés, que estão secando, e maior volume de área desmatada. Um problema a mais para a reserva é a saída dos seringueiros. Isso pode significar uma nova ameaça ao projeto, aumentando o número de invasões e de desmatamento.
Risco maior
De todas as unidades de conservação pesquisadas, a Floresta Nacional Bom Futuro é a que apresenta maior grau de gravidade. Criada em 1988, possui uma área de 280.000 hectares para uma população oficial de 1,8 mil moradores, mas estimada em 5 mil habitantes em duas áreas de colonização, segundo a pesquisa de Cameron. 0 desmatamento dentro da reserva apontou para 3.739 hectares dentro da reserva contra 41.053 hectares no buffer. Uma mudança, segundo o pesquisador, equivalente a 164% nos últimos três anos.
Cameron conta que quando esteve na reserva presenciou, diariamente, a chegada de novos posseiros a Bom Futuro, onde há informação de que toda a área foi loteada e vendida. A reserva possui nove serrarias e diariamente 24 caminhões entram e saem da reserva carregados de pranchas de madeira extraída da unidade de conservação.
Segundo Cameron, o Ibama tem um plano para expulsar os invasores, que deve ser executado durante este mês, com ajuda da Polícia Federal, pois os fiscais do Ibama não podem entrar na reserva e são constantemente ameaçados.
0 pesquisador conclui que Bom Futuro não é um bom exemplo de unidade de conservação e estudos devem ser feitos antes de se criar novas unidades, para evitar que o fato se repita.
O futuro da Reserva Extrativista Bom Futuro é incerta. Mas o pesquisador prefere acreditar que os a posseiros serão expulsos e que, com a adoção de um plano de restauração, seja possível manter a área como uma verdadeira unidade de conservação.
Reserva do Jaú é ameaçada por madeireiros e pescadores que desobedecem as normas do Ibama

Atividades ilegais são comuns nos parques
0 Parque Nacional do Jaú, no Estado do Amazonas, foi criado em 1980. Possui uma área total de 2.272.000 hectares, apresentando uma densidade demográfica de 0,038 habitante por quilômetro quadrado. Na reserva existem sete comunidades, mas nos três rios que circundam o parque, mais 50 comunidades estão estabelecidas. Até 1997, o desmatamento no Jaú chegou a 2.737 hectares dentro da reserva, contra 1.342 hectares no buffer. De 1997 a 2000, a área desmatada na reserva correspondeu a 8%.
Segundo Stephen R. Cameron, as principais ameaças ao Jaú estão relacionadas à pesca predatória e ao aumento das atividades proibidas, inclusive exploração madeireira, ainda considerada de nível médio. As mudanças ambientais são muito poucas, observa o pesquisador, que não conseguiu fazer uma pesquisa no Jaú, devido à burocracia, por ser estrangeiro.
Juruá
Na Reserva Extrativista do Médio Juruá (AM), criada em 1997 numa luta dos habitantes do Município de Carauari, a situação é bem diferente do Parque Nacional do Jaú. 0 crescente desmatamento causou mudanças climáticas na área. Hoje, diz Cameron, o clima na reserva é mais quente e mais seco. A área total desta unidade de conservação é de 253.226 hectares, com uma população estimada em 2 mil pessoas abrigadas em 11 comunidades dentro da reserva, além de 12 no entorno (buffer). Até 1997, o desmatamento na área foi de 1.264 hectares na reserva contra 2714 no buffer.
As principais ameaças ao projeto são a pesca predatória e a caça aos quelônios. A variável mais importante encontrada pelo pesquisador se *refere à alteração climática: está mais seco e apresenta mais desmatamento. 0 nível de proteção é médio, destaca. 0 fechamento do Movimentoo Eclesial de Base em Carauari também tem-se constituído num problema, segundo Cameron que teme, para o futuro da área de conservação, o crescimento do desmatamento.
Clima alterado
A Floresta Nacional de Tefé foi a terceira unidade de conservação federal pesquisada por Cameron no Estado do Amazonas. Criada em 1989, possui uma área total de 1.020.000 hectares. A reserva possui uma população de 2,5 mil moradores distribuídos em :23 comunidades.
As principais ameaças ao projeto são a caça, a pesca predatória e a extração de pranchas de madeira.
Dentre as alterações climáticas observadas estão o aumento da poluição causada pela presença da exploração petrolífera no Município de Tefé. Hoje há menos quantidade de peixes nos rios i lagos. 0 nível de proteção d unidade é médio e o futuro apresenta-se promissor com a execução de um plano de manejo florestal já previsto.

A Crítica, 02/12/2003, Cidades, p. C7
UC:Geral

Unidades de Conservação relacionadas

  • UC Jaú
  • UC Pacaás Novos
  • UC Rio Ouro Preto
  • UC Bom Futuro
  • UC Tefé
  • UC Médio Juruá
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