Ativos verdes

Valor Econômico, Negócios Sustentáveis, p. F1 - 18/10/2013
Ativos verdes

Por Sergio Adeodato | Para o Valor, de São Paulo

Sob a pressão da soja e da cana-de-açúcar, o Parque Nacional da Serra da Bodoquena, no Mato Grosso do Sul, protege o que restou de floresta no limite mais a oeste da Mata Atlântica. Resolver a situação fundiária, pendência que se arrasta por 13 anos, é indispensável para o lugar receber investimentos e cumprir suas funções, integrando-se ao vigoroso polo de ecoturismo de Bonito (MS). A aposta para uma solução está na venda de "cotas" de floresta para compensar a falta de reservas ambientais em propriedades bem longe dali. O mecanismo está previsto no novo Código Florestal e começa a se expandir com a implantação do Cadastro Ambiental Rural (CAR), no qual todas as terras do país devem ser registradas, no prazo de dois anos.

Em vez da desapropriação, áreas particulares de mata situadas dentro de parques poderiam ser "vendidas" no mercado de cotas e doadas ao órgão federal gestor da unidade, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMbio). O instrumento, em análise pelo governo e ONGs, tem o potencial de reduzir conflitos fundiários. Pelo sistema, o proprietário com terras no interior de parques é ressarcido e o produtor rural que compra as cotas de floresta se regulariza, sem custos com a manutenção da área, repassada ao ICMbio. O órgão ambiental, por sua vez, resolve a questão fundiária sem a necessidade de pagar pela desapropriação.

Apesar das vantagens, o modelo para a compensação de passivos florestais se expande mais rapidamente fora das áreas mantidas pelo governo. "Cresce o número de investidores que criam Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) de olho neste novo filão", afirma Cyntia Santos, coordenadora da Associação de RPPNs do Mato Grosso do Sul.

Diante do potencial das "florestas de aluguel" como bom negócio, possuir remanescentes naturais não é mais uma condição restrita a quem sonha salvar árvores ou, em alguns casos, uma dor de cabeça para fazendeiros resistentes a abrir mão de áreas produtivas. A expectativa em torno das cotas de reserva legal pode ressuscitar o mercado dos chamados "créditos ambientais", que ajudam a resolver passivos e viabilizam investimentos em soluções de sustentabilidade, mas estagnaram em função da atual paralisia das negociações com carbono. O cenário negativo é reflexo da crise financeira internacional e do adiamento dos acordos sobre mudanças climáticas.

A retomada do conceito tem como base a existência de pelo menos 20 milhões de hectares de paisagem que precisam ser restaurados por meio de reflorestamento ou regeneração natural da mata. Uma alternativa é comprar créditos junto a quem tem floresta além do exigido por lei. Trata-se de um mercado potencial de R$ 20 bilhões, considerando-se R$ 1 mil por hectare como valor médio da terra.

"Políticas públicas e obrigações ambientais podem ser cumpridas de maneira mais eficaz via mecanismos de compensação", avalia Maurício de Moura Costa, presidente da plataforma de negócios da Bolsa Verde do Rio de Janeiro (BV Rio). A instituição foi criada há dois anos no rastro do mercado de carbono e deve fechar as primeiras transações financeiras para a regularização de propriedades rurais.

Cerca de 1 mil participantes foram até o momento inseridos no sistema, principalmente vendedores de floresta, totalizando 1 milhão de hectares em ativos para negociação. "A adesão aumentará à medida que os proprietários contabilizarem quanto deixarão de produzir e qual o custo para plantar floresta e regenerar áreas", prevê Costa. Ele completa: "É vantagem para quem reserva floresta há algum tempo e busca uma fonte de remuneração para mantê-la em pé".

O mecanismo pode chegar ao mercado da reciclagem. Com a Política Nacional de Resíduos Sólidos, a BV Rio planeja intermediar a compra e venda de "créditos de logística reversa". Pelo sistema, as cooperativas de catadores disponibilizam cotas com base no volume de material reciclável que volta à atividade produtiva como matéria-prima. Inicialmente, a ideia é envolver pneus e embalagens em geral. Os créditos, definidos conforme as quantidades registradas nas notas fiscais de venda a sucateiros ou indústrias recicladoras, poderão ser comprados por empresas que precisam cumprir metas de recuperação dos materiais após o consumo ou reportar ao mercado sua contribuição com a reciclagem. Cada tonelada equivale a um crédito, comercializado em 15 diferentes categorias de material, variando de R$ 200 (papel) a R$ 500 (vidro).

"O projeto prevê que os créditos sejam incorporados como um mecanismo de fomento pelos acordos setoriais que estão definindo o modelo de logística reversa", informa Costa. O sistema tem apoio da organização nacional dos catadores, mas não da totalidade das empresas. "A informalidade, ainda marcante nessa atividade, é um complicador", justifica André Vilhena, diretor executivo do Compromisso Empresarial para Reciclagem (Cempre).

A falta de controle e de fiscalização barra o avanço dos créditos ambientais em alguns setores, como o de efluentes industriais. Estudo recente realizado pelo Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (Funbio), a pedido da BV Rio, concluiu não ser viável a aplicação do modelo para fomentar a despoluição da Baía de Guanabara. O projeto seria oferecer no mercado cotas relativas a indústrias que tratam poluentes para compensar o déficit de outras. Há estudos para incorporar o modelo à eficiência energética.

Igual lógica é adotada hoje no mercado de commodities agrícolas. A Unilever, por exemplo, divulgou que até 2016 pretende utilizar apenas açúcar com selo socioambiental, fabricado sem danos ao ambiente e às comunidades. Hoje apenas 6% desse insumo consumido pela empresa tem o diferencial ecológico. Para atingir a meta, metade do açúcar com essas características é comprada na forma de "créditos de certificação".

Em lugar do produto propriamente dito, a empresa adquire junto à usina um papel que representa a compra de uma determinada quantidade "virtual" de açúcar certificado. Os créditos são abatidos da produção com carimbo ambiental autorizada para a indústria comercializar e não podem ser revendidos no mercado.

"É uma maneira de driblar barreiras de logística, quando a fábrica está distante do local onde a matéria-prima é produzida, e de financiar os custos da certificação nas usinas, disseminando boas práticas nos canaviais e na cadeia de fornecimento", explica Lucas Engelbrecht, coordenador de negócios da SGS Brasil - empresa que faz auditagem desse processo dentro do sistema de certificação Bonsucro, criado para atender às exigências do mercado europeu. No relatório "O Gosto Amargo do Açúcar", publicado em setembro, a organização internacional Oxfam alerta que a compra do insumo por grandes corporações tem financiado disputas por terras de comunidades locais. O comércio global de açúcar movimenta cerca de US$ 47 bilhões. Mais da metade da produção abastece a indústria de alimentos, com previsão de aumentar em 25% até 2020.

Valor Econômico, 18/10/2013, Negócios Sustentáveis, p. F1

http://www.valor.com.br/brasil/3308544/ativos-verdes
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