Chefe do Parque de Abrolhos rebate entrevista do advogado que derrubou expansão da zona de amortecimento da UC

AmbienteBrasil - 20/07/2007
No dia 02 deste mês, AmbienteBrasil publicou a reportagem EXCLUSIVO: Três perguntas para o advogado que derrubou a expansão da zona de amortecimento de Abrolhos, em que ouviu Marcelo Palma. Representando os municípios baianos de Nova Viçosa e Caravelas, a Câmara de Vereadores de Caravelas e entidades da sociedade civil, ele foi autor dos mandados de segurança que culminaram na anulação da portaria 39/2006 do Ibama, a qual estabelecia uma nova Zona de Amortecimento para o Parque Nacional Marinho dos Abrolhos, no sul da Bahia. Com isso, o Parna voltou a ser protegido pela Resolução Conama 13, que fixa em 10 Km a zona de amortecimento, e não mais 380 Km x 280 Km.

Agora, Marcello Lourenço, chefe do Parque Nacional Marinho dos Abrolhos, rebate várias das informações prestadas pelo advogado. Como na primeira entrevista, o material segue completo, sem nenhum tipo de edição.

AmbienteBrasil - O que é a zona de amortecimento e qual sua importância para o Parque?

Marcello Lourenço - O conceito de zona de amortecimento (ZA) surgiu no ano 2000 com o Sistema Nacional de Unidades de Conservação SNUC. Segundo a lei 9.985/00, a zona de amortecimento abrange o entorno de uma unidade de conservação, onde as atividades humanas estão sujeitas a normas e restrições específicas, com o propósito de minimizar os impactos negativos sobre a unidade. Seu objetivo é, como o próprio nome diz, amortecer impactos ambientais ao redor de uma unidade de conservação (UC), impedindo que ela seja atingida. A ZA garante que as atividades que se implantem na região sejam compatíveis com a conservação da UC e com o desenvolvimento sustentável.

A região da ZA de Abrolhos compreende um mosaico de ambientes marinhos e costeiros margeados por importantes remanescentes de mata atlântica, incluindo recifes de coral, fundos de algas, manguezais, praias e restingas. Lá podem ser encontradas várias espécies endêmicas como o coral-cérebro, além de mamíferos ameaçados de extinção, como a baleia jubarte. A região tem a maior biodiversidade do Atlântico Sul e foi declarada, em 2002, área de Extrema Importância Biológica pelo Ministério do Meio Ambiente. O primeiro Parque Nacional Marinho do Brasil foi criado justamente nessa região, em 1983, ao largo das ilhas que compõem o arquipélago dos Abrolhos, onde se encontram algumas das mais importantes colônias de aves marinhas do país.

A ZA do Parque de Abrolhos vem sendo discutida pela sociedade civil e órgãos governamentais desde 2003, época dos primeiros estudos que subsidiaram tecnicamente sua definição, quando a Agência Nacional do Petróleo (ANP) ofereceu grandes áreas para a exploração de hidrocarbonetos no banco dos Abrolhos. Neste primeiro momento os conhecimentos disponíveis sobre a biodiversidade, e as características sociais e econômicas da região, foram sobrepostos aos impactos da produção de óleo e gás, mostrando-se incompatíveis.

Este estudo, discutido e revisado por cerca de 50 profissionais das mais importantes universidades, ONGs e órgãos governamentais foi encaminhado ao governo, e por uma decisão conjunta do Ministério do Meio Ambiente - MMA e do Ministério de Minas e Energia - MME decidiu-se retirar os blocos do Banco dos Abrolhos dos leilões. Portanto a falta de articulação entre órgãos de governo, sugerida por Marcelo Palma, não existiu. O que faltava era um instrumento que pudesse garantir esta proteção a longo prazo.

Desde essa época a criação da ZA vem sendo alvo de ativos debates pela sociedade civil organizada e pela comunidade local, especialmente através do Conselho Consultivo do Parque de Abrolhos, formado por representantes das prefeituras locais, do governo do estado, da Marinha, das colônias de pesca, do setor turístico e de ONGs. Além dos cenários de derramamento de óleo resultantes das simulações, foram considerados para a proposição dos limites da ZA: as características biológicas (evidências de conectividade biológica, abrangência dos principais habitats) e oceanográficas (geomorfologia e sistemas de correntes) da região dos Abrolhos e características sócio-econômicas da área, como a dinâmica da pesca e do turismo.

Muitas vezes se faz uma confusão entre área de entorno e zona de amortecimento. A primeira surgiu em 1990, estabelecida por uma resolução do CONAMA e válida para todas as unidades de conservação, com extensão fixa em 10 Km. Foi uma primeira iniciativa para proteger as UCs das atividades a sua volta. A ZA, que surgiu em 2000 com o SNUC, tem dimensão variável, definida por estudos técnicos que levam em consideração as particularidades de cada UC. No caso de uma UC marinha, como Abrolhos, é claro que a dinâmica do ambiente levará a necessidade de zonas de amortecimento bem maiores que no ambiente terrestre.

AmbienteBrasil - Por que a zona de amortecimento de Abrolhos foi derrubada?

Marcello - O SNUC foi criado há sete anos e desde então as zonas de amortecimento são instituídas por meio de portarias do IBAMA, visto tratar-se de um instrumento de gestão das unidades de conservação criadas e geridas pelo Instituto. Até pouco tempo, não havia questionamentos a esse respeito.

A ZA de Abrolhos foi derrubada porque atingiu em cheio interesses econômicos e políticos fortíssimos. Foi um entrave que surgiu frente ao maior empreendimento de carcinicultura da costa brasileira, da Cooperativa de Criadores de Camarão do Extremo Sul da Bahia (COOPEX). Em maio de 2006 o ex-senador João Batista Motta PSDB/ES já tentou derrubar a ZA com um decreto legislativo, mas a imprensa apurou que ele e outros quatro familiares são sócios do empreendimento. Com a ZA, além das licenças estaduais, a instalação do projeto passou a depender também da avaliação do IBAMA.

Conforme denunciado pela revista Carta Capital, Marcelo Palma é, além de articulador da ação que derrubou a ZA, Assessor Jurídico da Bahia Pesca (órgão estadual de fomento à pesca e aqüicultura), advogado das prefeituras na ação contra a Reserva Extrativista do Cassurubá (que quando criada inviabilizará definitivamente o empreendimento da COOPEX), e é também o advogado dos empreendedores. Não é preciso dizer mais nada.

Os argumentos das prefeituras são puramente econômicos, favorecendo grupos empresariais e políticos em detrimento de seu papel de trabalhar pelos interesses coletivos, sociais e que conduzam a um desenvolvimento sustentável. As populações locais precisam de instrumentos como a ZA, que garantam a proteção dos ecossistemas que as sustentam e protejam-nas da pressão dos grandes empreendimentos.

Das prefeituras que entraram com a ação contra a ZA, a de Nova Viçosa não comparece às reuniões no Conselho do Parque, apesar de ser Conselheira formal. Já a de Caravelas foi sempre favorável à criação da zona de amortecimento. A ZA foi aprovada por unanimidade no Conselho Consultivo, desde os estudos técnicos, definição de limites, revisões até a minuta da portaria. Mais recentemente é que, devido ao empreendimento da COOPEX, a prefeitura desconstituiu a conselheira que acompanhava as discussões e nomeou um novo representante, contrário à ZA e defensor da carcinicultura. O Prefeito, por sua vez, nunca compareceu a nenhum debate promovido pelo Parque.

É importante destacar que aquilo que o advogado chama de uma simulação gráfica feita por uma ONG é, na verdade, um estudo de modelagens numéricas, simulações de vazamentos de óleo a diferentes distâncias do Parque, considerando situações comuns de ventos e correntes no verão e no inverno, elaborado por técnicos de universidades e renomados centros de pesquisa. Este novo estudo, somado ao anteriormente produzido em 2003, e a pareceres técnicos, subsidiaram o IBAMA e o MMA na delimitação da ZA. A qualidade do embasamento técnico da zona de amortecimento, aliás, nunca foi formalmente questionada.

A anulação da portaria fundamenta-se apenas na forma e não no mérito da ZA, uma brecha de forma de interpretação da legislação ambiental. E quanto à forma o governo encontrará a solução mais adequada. É uma questão de interesse coletivo contra interesses individuais, no final creio que não haverá nenhum problema com a Justiça.

AmbienteBrasil - O que significa a derrubada da Zona de Amortecimento e quais as conseqüências disso para o Parque de Abrolhos?

Marcello - A derrubada da ZA significa um retrocesso nas políticas de desenvolvimento sustentável da região dos Abrolhos. Os limites da zona foram estabelecidos após anos de pesquisas sólidas e trabalhos técnico-científicos de modelagem da dispersão de óleo em cenários de derramamento, simulados em função dos ventos e correntes predominantes na região. Além disso, o assunto foi debatido com representantes dos governos federal, estadual e municipais, setor produtivo (pesca, turismo) organizações não-governamentais e pesquisadores. Agora, a ação das prefeituras locais coloca tudo a perder.

É importante lembrar que estamos falando da região de maior biodiversidade da costa brasileira, do maior banco de corais de todo o oceano Atlântico Sul, da área de maior concentração de baleias no Brasil. A vocação da região é, sem dúvida nenhuma, o turismo ecológico e a pesca, atividades que mais empregam na região. Não se pode arriscar isso tudo por um empreendimento que beneficia cerca de 20 associados. A COOPEX definitivamente escolheu o local mais impróprio do país para se instalar.

A ZA não impede o desenvolvimento econômico, apenas visa assegurar o desenvolvimento sustentável, com atividades como o turismo e a pesca, que empregam hoje cerca de 100.000 pessoas na região. A única restrição é para a exploração de petróleo e gás, devido ao seu alto risco ambiental no banco de corais de Abrolhos. Isso significa muito pouco, especialmente no atual cenário de auto-suficiência em petróleo. A ZA sinaliza para o mundo que o desenvolvimento aqui não se faz a qualquer custo, pelo contrário, os riscos ambientais são estudados e evitados, colocando-se em prática o princípio da precaução estabelecido desde a Agenda 21 e preceito fundamental do Direito Ambiental.

Sem a zona de amortecimento o Parque fica exposto à possibilidade de impactos ambientais sem precedentes. Além do petróleo, a carcinicultura, por exemplo, também não é novidade no Brasil nem no mundo. Diversos países já foram arrasados por esta atividade, como o Equador e o Vietnã. No Brasil os estados do Ceará e Rio Grande do Norte não podem nem ouvir falar em carcinicultura. A destruição ambiental lá é gritante, basta visitar. Pescadores e ribeirinhos de Caravelas que defendem a Reserva Extrativista estiveram lá e conheceram de perto o caos que resta dos empreendimentos. Para se ter uma idéia, em uma só cidade (Aracati/CE), mais de 3.000 pessoas perderam seus postos de trabalho no ano passado com a falência das fazendas de criação de camarão.

AmbienteBrasil - O que o senhor acha dos argumentos do advogado Marcelo Palma para a derrubada da ZA?

Marcello - Acho curioso vê-lo apresentado como especialista em direito ambiental. Afinal com a decisão judicial conseguida por ele uma região de extrema importância biológica fica justamente exposta à degradação ambiental. Um especialista em direito ambiental deveria falar em princípio da precaução, preceito fundamental da matéria, preconizado pela agenda 21 e internalizado na legislação ambiental brasileira no decreto que regulamentou a lei do gerenciamento costeiro e que foi utilizado na definição dos limites terrestres da zona de amortecimento de Abrolhos.

Enquanto o advogado, conforme publicado pela revista Carta Capital, trabalha para o empreendimento de carcinicultura, para as prefeituras locais e para o órgão estadual fomentador da atividade de carcinicultura, o Ministério Público por sua vez questiona na Justiça e pede a anulação do processo de licenciamento da COOPEX. O que ocorreu foi o fato de haver um entendimento quanto à forma e não quanto ao mérito de haver uma zona de amortecimento. Por isso estamos tranqüilos quanto à reversão dessa situação.

Ele diz que há indícios de que existe um manancial de gás e petróleo na bacia do ES capaz de deixar o país auto-suficiente. Mas o Brasil já é auto-suficiente em petróleo e não precisa destruir o maior banco de corais do Oceano Atlântico para produzir combustível fóssil, principalmente quando o mundo inteiro discute o aquecimento global e busca fontes alternativas de energia. Também não dá para conciliar o maior empreendimento de carcinicultura do país com a área de maior biodiversidade da costa brasileira.

A melhor solução para combater a falência da pesca são políticas públicas para apoiar os pescadores e realizar uma gestão pesqueira eficiente, não apoiar apenas alguns empresários para produzir camarão. Infelizmente, no governo passado, a Bahia Pesca deu extremo destaque ao apoio à criação de espécies exóticas em detrimento ao suporte à grande maioria de pescadores artesanais e marisqueiros. Esperamos que isso mude no atual governo.

Em relação à criação da Reserva Extrativista, ao contrário do que comenta o advogado, o processo foi sim amplamente debatido. O escritório de advocacia dele, pelo contrário, tentou impedir os debates: das quatro consultas públicas programadas, uma foi invalidada na Justiça por ação deles. Argumentaram a falta de citação do site do IBAMA no edital de convocação, isso quando a maioria dos interessados na Reserva sequer tem acesso à luz elétrica. O IBAMA utilizou sim estratégias mais eficientes na região, como carros de som e faixas. A Justiça garantiu a realização da última consulta e as prefeituras não vieram ao debate. Em cima desses detalhes eles atrasam na Justiça a criação da Reserva.

Quando ele diz que qualquer efluente oriundo de Caravelas jamais irá para o Parque de Abrolhos, porque a corrente marinha, ali, é no sentido sul, expõe um grande desconhecimento sobre o funcionamento dos ambientes marinhos, como se a dinâmica oceânica se resumisse a isso. Mas a influência dos ventos sobre o mar, também direciona correntes determinando a dispersão de poluentes. Parecem não compreender a relação entre os ecossistemas de recifes de coral e manguezais, e que várias espécies dependem da qualidade desses ambientes para fechar seus ciclos reprodutivos.

Além disso, não está em discussão se o empreendimento está dentro ou fora da zona de amortecimento. O SNUC, quando trata da obrigatoriedade de autorização do órgão gestor da unidade de conservação afetada, fala em empreendimentos que afetem a UC ou sua zona de amortecimento. O empreendimento, pelas dimensões que possui, afeta sim o Parque e se for preciso provaremos isso na Justiça. O IBAMA vai recorrer da decisão.
UC:Parque

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