Ciência x Marinha por Alcatrazes

OESP, Vida, p. A21 - 03/03/2005
Ciência x Marinha por Alcatrazes
Adiamento de expedições compromete resultado e financiamento de pesquisa sobre espécies da ilha paulista

Cristina Amorim

Desde novembro, uma pesquisa sobre animais em risco de extinção no litoral de São Paulo está ameaçada após sucessivos cancelamentos de expedições científicas que institutos paulistas fariam ao Arquipélago de Alcatrazes. O último episódio ocorreu nesta semana, quando a Marinha não permitiu a viagem ao alegar o descumprimento de procedimentos: a lista da comitiva não foi enviada com a antecedência de 20 dias regulamentares, mas 12 dias antes - pouco tempo para a "adoção de medidas administrativas e logística interna", de acordo com um ofício enviado para o escritório do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) em São Sebastião (SP).
"Em outras ocasiões, eles (a Marinha) quebravam a regra. Chegaram até a dar autorização no mesmo dia para um pesquisador que apareceu de última hora. Desta vez, foram implacáveis", diz o chefe da unidade, Osmar Corrêa.
A recusa causou estranhamento entre os cientistas. A expedição havia sido adiada em outras ocasiões a pedido dos próprios pesquisadores, por condições climáticas ruins, por exemplo, e por causa do incêndio que atingiu a Ilha de Alcatrazes em dezembro. "Nas outras vezes, havia explicação. Agora, ela não se justifica", afirma o biólogo Fausto Pires Campos, do Instituto Florestal, coordenador do projeto.
A demora compromete o resultado da pesquisa, centrada na perereca-de-alcatrazes (Scinax alcatraz), na jararaca-de-alcatrazes (Bothrops sp) e numa rã ainda não descrita pela ciência, bichos achados apenas no arquipélago. "Precisamos estudar répteis e anfíbios na época de chuva, durante o período reprodutivo", explica a líder da pesquisa, a bióloga Cinthia Brasileiro. Os melhores meses para isso eram janeiro e fevereiro.
O projeto recebeu R$ 27 mil da Fundação Biodiversitas, parte de um programa de espécies ameaçadas, para financiar um ano de trabalho - período que se encerra em junho, quando é necessário entregar os resultados. "Só que está tudo atrasado. Das cinco expedições que eu faria, só foram realizadas duas, mais uma visita de um dia que serviu para conferir os estragos do incêndio que aconteceu em dezembro", conta Cinthia. Ela se reúne hoje e amanhã com representantes da fundação para discutir o futuro do trabalho.
SITUAÇÃO CONTURBADA
A relação entre a Marinha e os cientistas a respeito de Alcatrazes está estremecida há alguns anos. O arquipélago é usado em exercício de tiros de canhões com o aval da Justiça, que em 1998 deu ganho de causa aos militares em uma ação conduzida por ambientalistas e biólogos com receio de que os animais da ilha pudessem ser atingidos.
"A gente não é contra a Marinha, mas contra os métodos que emprega", disse Otávio Marques, do Instituto Butantã, também envolvido no projeto. O local abriga o maior ninhal de aves marinhas do Sudeste e diversas espécies, várias delas de tartaruga e 150 de recifais. Baleias e golfinhos se alimentam em Alcatrazes, perto dos alvos usados nos exercícios de tiro.
Segundo a Marinha, o medo é infundado e sua presença coíbe a ação predadora do homem, "esta, sim, com grande potencial de degradação do ecossistema", afirma o capitão-de-Mar-e-Guerra Paulo Ricardo Médici. Segundo ele, a população de animais cresceu nos 20 anos de exercícios militares em Alcatrazes.
Para Campos, a informação "é um contra-senso". Ele acredita que a Marinha tem considerado as estimativas feitas ao longo dos anos, que aumentaram o número à medida que novos estudos eram realizados. "Só que 25% da cobertura verde da ilha foi destruída nesse período", diz ele, citando diagnóstico da Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb) em um relatório de 1990. "Pergunte para qualquer biólogo se a destruição da mata provoca aumento da população dos animais."
Em 1987, o governo federal criou no local a Estação Ecológica Tupinambás, que engloba ilhotas próximas e apenas uma parte da ilha maior (veja quadro acima) - o que criou outro imbróglio jurídico e uma co-gestão forçosa entre Ibama e Marinha. A jurisdição é militar na ilha e nas 5 milhas ao redor, enquanto a legislação ambiental determina que haja pelo menos 1 quilômetro de proteção no entorno de unidades de conservação; então, há áreas sobrepostas. Além disso, o Ibama analisa se Alcatrazes precisará passar por um estudo de impacto ambiental, exigido por uma resolução do Conama.
Há também um debate sobre a recategorização de Tupinambás. "A proposta é transformar a ilha em refúgio ou parque nacional", afirma Marques. "A ministra Marina Silva (Meio Ambiente) se mostrou sensível ao assunto e houve um convite para que uma reunião sobre Alcatrazes fosse realizada em Brasília. Mas, até agora, essa reunião também tem sido adiada."

OESP, 03/03/2005, Vida, p. A21
UC:Estação Ecológica

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