Crimes contra a vida

CB, Cidades, p.17 - 22/08/2005
Crimes contra a vida
Nos últimos três anos, as construções em condomínios horizontais foram responsáveis por 908 notificações que representam mais de R$ 1,7 milhão em multas por infração à legislação ambiental

Cecília Brandim

Morar em áreas privilegiadas, afastadas do centro da capital federal, cercadas de córregos, brejos e cerrado nativo, sem o aval de órgãos de meio ambiente, pode transformar um bom negócio em dívidas. Não bastassem os prejuízos ao planejamento urbano do Distrito Federal, os condomínios horizontais irregulares assumiram um prejuízo alto nos últimos três anos. Os crimes ambientais cometidos pela criação de parcelamentos que ignoraram a legislação ambiental geraram multas que, somadas, ultrapassam R$ 1,7 milhão.
O valor corresponde às 72 autuações realizadas pelos fiscais da gerência regional do Instituto Brasileiro de Recursos Naturais Renováveis (Ibama) no DF entre janeiro de 2002 e julho deste ano. Nos mesmos 43 meses, cidadãos, empresas, associações comunitárias foram alvo de 908 notificações em todo o DF, enquadrados nos mais diversos crimes contra a natureza.
No caso dos condomínios, o cadastro de infrações da Diretoria de Controle e Fiscalização do órgão só aponta os crimes cuja responsabilidade é da administração do loteamento ou de associações que representam os moradores. Os proprietários dos lotes, porém, não estão livres da fiscalização. "Se fôssemos contar com as autuações para pessoas físicas, esse total duplicaria, no mínimo", explica o chefe da fiscalização do Ibama/DF, Antônio Wilson Pereira da Costa.
Parte desses condôminos estão no pacote de multas direcionadas a pessoas físicas que foram emitidas no período de junho a agosto do ano passado. Pela execução de obras em áreas consideradas unidades de conservação, sem cumprir as exigências legais, 183 indivíduos entraram para a lista de devedores do Ibama, todos com multas no valor de R$ 1,5 mil.
Mesmo assim, o avanço das ocupações não foi contido. Há dois anos, 30 condomínios foram multados pela implantação de loteamento urbano sem licença ambiental. Casos como os condomínios Bela Vista e Jardim Europa II, na região do Grande Colorado, Mansões Entre Lagos, no Paranoá ou Residencial RK, em Sobradinho, que apesar de irregulares, continuam crescendo. Novas casas são construídas a cada dia.
Em locais como o Residencial Chácara Ouro Vermelho, em São Sebastião, a expansão se mantém, à revelia das orientações da administração local e do Ibama. Em duas vistorias realizadas nos meses de abril e novembro de 2004 pelos fiscais, o condomínio foi multado em R$ 180 mil. As infrações: destruição de vegetação em área de proteção permanente e parcelamento irregular do solo. O Correio visitou o local e flagrou a construção de uma casa em borda de chapada, o que é proibido. O síndico, Marcelo Gomes Coelho, disse que tem tentado, sem sucesso, coibir os infratores.
Sem solução
Até o ano passado, o condomínio mantinha uma bacia de contenção com capacidade para armazenar 300 mil litros, à beira do córrego da Cerca, que margeia o local. O reservatório servia para abastecer as casas em período de seca, com água retirada do manancial. Foi desativado há dois meses, quando os moradores assumiram o compromisso de reflorestar a área.
Outro crime, porém, permanece sem solução. O muro que protege o loteamento segue, em diversos pontos, paralelo ao córrego, sem respeitar a distância legal de 30 metros de distância. No ponto mais crítico, atravessa o curso da água, e forma uma piscina natural, dentro do condomínio. "A nossa intenção é tornar isso aqui uma área agradável, com qualidade de vida e respeito ao meio ambiente. O muro será desconstituído", garante Coelho.
Uma das diversas nascentes que estão na área do loteamento de 640 casas foi adotada pelo programa Adote Uma Nascente da Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Semarh) em maio deste ano. A preservação foi garantida. Cerca de 40 lotes estão proibidos de construir e as ruas do Ouro Vermelho terão a vegetação ao redor recuperada. "Só agora estamos tendo acesso às informações sobre o que pode ou não fazer", justifica o síndico. Curiosamente, uma "antiga" placa na entrada do condomínio diz: "respeitamos a natureza".
Embora amplo, o cadastro de infratores do meio ambiente do Ibama/DF não é completo. Ao órgão cabe apenas a fiscalização dos loteamentos inseridos na Área de Proteção Ambiental (APA) do Planalto Central, que engloba 60% das terras do DF. Somente após o decreto que instituiu a unidade de conservação, em janeiro de 2002, as notificações iniciaram. E o chefe da fiscalização, Antônio Wilson, alerta: "A lei é clara. Podemos autuar o proprietário do lote, da terra, o arrendatário ou o condomínio".


Infrações mais comuns

Obras irregulares em áreas consideradas unidades de conservação, como poços artesianos, construções em bordas de chapada e bacias de contenção.
Retirada de vegetação nativa para abertura e pavimentação de vias
Derrubada de matas em beira de córregos
Aterramento de áreas encharcadas, nascentes, brejos ou córregos
Implantação de loteamento urbano sem licença ambiental
Depósito de resíduos em locais impróprios
Extração de cascalho


Condomínios na mira do Ibama

Residencial Guará Park
Chácara Ouro Vermelho
Porto Rico
Jardim das Hortências
Avaí
Buritis
Parque do Mirante
Jardim Europa II
Mansões Entre Lagos
Recanto Real
Residencial 2001
Residencial Meus Sonhos
Residencial Vivenda do Jóquei
Morada dos Nobres
Privê Lago Sul
Quintas do Trevo
Recanto dos Nobres
Residencial RK
San Francisco II
Santa Bárbara
Vale das Acácias
Beija-Flor
Bela Vista
Vivendas Colorado
Vivendas Lago Azul
Vivendas Serranas
Vivenda Nova Petrópolis
Alto da Boa Vista
Residencial Mônaco
Recanto da Serra
Alvorada dos Buritis
Palmas do Lago Oeste
Privê Lago Norte I e II
Conjunto Habitacional Ouro Verde
Residencial JK
Os loteamentos acima listados são apenas alguns dos que foram alvo das autuações. A maior parte das multas são endereçadas aos próprios condôminos ou associações representativas. As penas para os crimes variam, conforme a gravidade e a infração. Penas alternativas ou recuperação de áreas degradadas podem ser aplicadas eventualmente.

A natureza também pune
Cada multa ou notificação aplicada pela gerência regional do Ibama gera um processo. Os casos são enviados diretamente ao Ministério Público do DF (MPDF), que os encaminha à Delegacia do Meio Ambiente (Dema) para abertura de inquérito policial. Ou seja, além do processo administrativo pela infração contra o meio ambiente, os envolvidos estão sujeitos à condenação na esfera criminal. "O fato de ter havido uma autuação não caracteriza conduta criminal. São abertos processos em três esferas: administrativa, criminal e civil", explica o promotor Roberto Carlos Batista, da 1ª Promotoria de Meio Ambiente e Patrimônio Cultural (Prodema).
Mas os efeitos dos danos ambientais podem ser sentidos antes mesmo do julgamento das infrações. Para os moradores dos condomínios Vila Rica, Vivendas Alvorada II e Planalto, que ficam às margens do córrego Paranoazinho, em Sobradinho II, o período de chuvas no início deste ano foi tenso. Uma erosão provocada pelas construções a menos de 30 metros da água colocou diversas casas a ponto de desabar. A correnteza aumentou porque as águas pluviais de outros loteamentos irregulares foram canalizadas para o ribeirão. Além do risco, os moradores foram responsabilizados pelo dano ambiental.
Nem o Parque Nacional de Brasília, reserva ambiental que protege mananciais responsáveis por 30% do abastecimento do DF, está protegido. Condomínios irregulares construídos no Núcleo Rural Boa Esperança, dentro do perímetro do parque, foram alvo de investigações da Polícia Federal este ano.
O laudo da PF apontava crimes como a extração de madeira nativa para construção de cercas, deposição e acúmulo de lixo nas drenagens que se dirigem aos córregos. Dez áreas de extração de cascalho foram identificadas, em um total de 15 hectares. "As pessoas não entendem que essas atividades interferem definitivamente na qualidade de vida", observa o promotor Roberto Carlos.
A polícia ainda constatou diversas atividades poluidoras, como a lavagem de banheiros químicos na zona rural, com risco de contaminação do solo, conforme denunciou o Correio. A empresa responsável pelo serviço, Palco Locações, não tinha licença ambiental e estava localizada na cabeceira do córrego. As denúncias foram levadas à Justiça.

CB, 22/08/2005, Cidades, p. 17
UC:Geral

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