Depois da perereca, um rato

O Globo, Rio, p. 21 - 07/08/2011
Depois da perereca, um rato

Simone Candida (simone.candida@oglobo.com.br)

Depois da perereca, eis que surge um rato-toupeira no traçado de mais uma das obras rodoviárias executadas pelo governo do estado. A exemplo do que ocorreu durante os trabalhos do Arco Metropolitano - quando equipes de biólogos descobriram um anfíbio raro na região -, dessa vez pesquisadores depararam-se com uma espécie pouco avistada de roedor, justamente no local onde será reconstruída a estrada-parque Paraty-Cunha. Com cerca 97 milímetros de comprimento e apenas 22 gramas, o ratinho, da espécie Blarinomys breviceps, foi achado há cerca de dois meses, durante os trabalho de monitoramento ambiental da rodovia, na área do Parque Nacional da Serra da Bocaina.
Segundo os biólogos que a encontraram, a espécie é um roedor de hábito fossorial (vive embaixo da terra), que tem olhos e orelhas reduzidas, garras desenvolvidas e alimenta-se de insetos. Por ser tão difícil de ser visto, ele consta como presumivelmente extinto no livro vermelho de espécies ameaçadas do estado.
- Aqui no Rio ele já foi observado em Mauá e em Valença. Agora foi achado na Bocaina. É um bicho pouco coletado, muito difícil de ser observado porque vive embaixo da terra. Por isso se conhece muito pouco sobre seu comportamento. O que se sabe é que ele vive em área de Mata Atlântica e área de transição com cerrado - explica Mariana Fiuza de Castro Loguercio, do Laboratório de zoologia de vertebrados da Uerj, uma das coordenadoras da equipe de gestão ambiental da estrada parque Paraty-Cunha.
Governo diz que descoberta não atrasará obras
O rato-toupeira estava numa região a 700 metros de altitude, no trecho de 9km da estrada que fica dentro da parque. O bichinho, uma fêmea, foi fotografado e capturado por uma das dezenas de armadilhas que a equipe de biólogos da Uerj mantêm na região desde o início dos levantamentos, encomendados pela Secretaria estadual de Obras.
- Usamos uma pitfall (armadilha de queda). Estamos agora observando, pois aquela área pode ter outros indivíduos. Vamos propor alguma solução para aquele trecho, que deve ser seguida pela Secretaria estadual de Obras. Provavelmente, vamos sugerir zoopassagens (corredores específicos para animais) para ajudar na preservação da espécie - diz Mariana, que, junto com os biólogos Oscar Rocha Barbosa e Ana Claudia Delciello, vem realizando a coleta de dados e identificação das espécies no entorno da Paraty-Cunha.
Segundo o subsecretário estadual de Projetos de Urbanismo, Vicente de Paula Loureiro, a descoberta do roedor não vai atrasar o cronograma de obras, como aconteceu com o Arco Metropolitano. Mas o pequenino rato deve obrigar a secretaria a ter cuidados especiais na região.
- Como acontece em outras obras em execução no estado, temos uma equipe de biólogos fazendo um levantamento ambiental para avaliar os impactos na fauna e na flora. No caso da estrada Paraty-Cunha, os levantamentos atendem a uma exigência do Ibama para liberação da licença de instalação da obra.
Já fizemos um trabalho inicial, mas foi exigido um maior detalhamento - explica o subsecretário.
Levantamento catalogou 31 espécies de mamíferos
Numa primeira fase do levantamento da equipe de biólogos enviada para a região, em maio, foram catalogadas 31 espécies de mamíferos, entre elas o ratotoupeira. A lista inclui, ainda, duas espécies de morcegos (Chrotopterus auritus e Lonchorhina aurita) que, de acordo com Mariana Fiúza, são um indicativo de que aquela região é muito bem preservada. A equipe também cruzou com onças pardas.
- Nesta segunda fase, que será concluída no fim de agosto, até agora encontramos anfíbios, répteis, peixes, aves e outros mamíferos - antecipa a bióloga. - Nosso trabalho consiste em observar o que tem lá para o impacto da estrada ser o menor possível. Estamos tentando levantar o maior número de espécies neste período e depois vamos fazer um monitoramento durante as obras, para ver se está havendo problemas com a população.
Orçada em R$ 67 milhões, a recuperação da Paraty-Cunha vai reativar os 9km de rodovia que cortam o Parque Nacional da Serra da Bocaina, na divisa entre Rio de Janeiro e São Paulo. Uma das vantagens da intervenção, explica o subsecretário Vicente Loureiro, é que ela vai encurtar a distância entre as duas cidades. Hoje gastam-se 250km no percurso - a obra o reduzirá para apenas 30 quilômetros.
O levantamento da fauna será enviado ao Ibama em setembro. Com o recebimento do documento pelo órgão federal, a previsão é que a obra seja executada em 12 meses.
- Trata-se de uma obra importante para o turismo. Será uma rota alternativa de fuga em caso de acidente na usina nuclear de Angra - observa Loureiro.

O Globo, 07/08/2011, Rio, p. 21
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