Desmate volta a ameaçar São Félix do Xingu

OESP, Metrópole, p. A28-A29 - 15/09/2013
Desmate volta a ameaçar São Félix do Xingo
Município do Pará teme acabar com conquistas recentes

BRUNO DEIRO / TEXTO, WERTHER SANTANA / FOTOS, ENVIADOS ESPECIAIS, SÃO FÉLIX DO XINGU (PA)

Recordista do desmatamento na Amazônia nos anos 2000, São Félix do Xingu, no sul do Pará, virou o jogo neste começo de década. Um pacto contra o desmatamento reduziu a derrubada de árvores a um décimo do que era há dez anos. Desde 2011, a cidade não é mais a número 1 na "lista negra" de principais desmatadores do Ministério do Meio Ambiente (MMA). O município, com território quase do tamanho de Santa Catarina, encontra, porém, barreiras para deixar de vez a lista e já põe em risco as conquistas obtidas nos últimos anos.
Após alcançar seu menor índice histórico de desmate em 2011 - 140,1 km2 -, os números voltaram a subir no ano passado, para 169,4 km2, na medição do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). A alta foi confirmada no último relatório do Instituto Imazon, do fim de agosto, mostrando que em julho a cidade figurou pela primeira vez no ano como uma das dez consideradas críticas, com 11 km2 desmatados no mês.
Reduzir o desmatamento a 40 km2 anuais é o critério que falta para tirar São Félix da Lista de Municípios Prioritários da Amazônia, designação dada pelo MMA às 47 cidades que sofrem uma série de embargos por desmatar o bioma. Às margens do Rio Xingu, o território de 84 mil km2 é apontado pelo governo local como principal obstáculo - a distância da prefeitura às terras ao sul do município é de 350 km, com uma reserva indígena no meio. "É injusto que uma cidade como a nossa tenha de cumprir as mesmas metas de municípios minúsculos. Nosso esforço até aqui já é maior do que o de qualquer outro município na Amazônia", diz o prefeito João Cleber (PPS).
No fim de julho, a prefeitura enviou um documento ao governo federal pedindo metas diferenciadas de redução, proporcionais às áreas das cidades - as vizinhas Paragominas (19 mil km2) e Santana do Araguaia (11 mil km2) já deixaram a lista. Segundo a Casa Civil, o documento está em análise no MMA.
Hoje, os principais focos de desmatamento em São Félix estão concentrados na Área de Proteção Ambiental (APA) Triunfo do Xingu, onde a gestão é estadual, e em assentamentos do Incra. Por isso, a mudança nas regras é vista com ressalvas por alguns pesquisadores. Eron Martins, do Instituto Imazon, lembra que metade do município é formada por terras indígenas, protegidas.
"Excluindo essas áreas, o município tem um desafio semelhante ao de seus vizinhos. O governo deve manter a regra rígida, pois não é só em São Felix, o desmatamento está aumentando como um todo", afirma Martins. Em junho, o Imazon registrou crescimento de 437% no desmatamento da Amazônia em relação ao ano passado.
O temor é que, após o esforço para reduzir os danos, as ações percam a adesão dos pequenos produtores e o desmatamento volte a crescer.
Recorde. Nenhum município do País desmatou tanto a Amazônia recentemente como São Félix. Há 13 anos, eram 2,5 mil km2 ao ano e, desde então, uma área equivalente à das Ilhas Malvinas (12 mil km2) de florestas foi derrubada para abrir espaço para a pecuária - hoje são 2,1 milhões de cabeças de gado, ou 1% do total nacional. Esse passivo recorde só ganhou repercussão em 2008, com a criação da lista do MMA.
A cidade pagou o preço do desflorestamento descontrolado. As sanções incluíam a redução de linhas de crédito para os produtores rurais e a recusa de grandes frigoríficos, preocupados com possível responsabilização judicial pelos danos. Os pequenos produtores, desmatadores ou não, foram os maiores prejudicados.
Com diversos municípios no topo da lista, o Pará iniciou em 2011 um pacto contra o desmatamento que incluiu municípios, governo federal, iniciativa privada, ONGs e instituições de pesquisa. Com base no exemplo de Paragominas, que em 2010 foi a primeira cidade a deixar a lista por esforços próprios, o Programa Município Verdes foi lançado em 2011 para combater o desmatamento e incentivar o desenvolvimento rural sustentável nas localidades do Pará. Hoje, 97 das 144 cidades paraenses participam da iniciativa.
Em São Félix do Xingu, onde durante 40 anos a ordem foi abrir espaço na mata, os primeiros projetos representaram quase uma mudança cultural. É o caso de Lazir Soares Castro, que veio de Minas na década de 70 para tentar a sorte na região. "Para cada alqueire de floresta que desmatassem, os interessados ganhavam cinco. O governo chegava a recomendar que derrubássemos toda a mata para evitar invasão", lembra o pecuarista, que hoje tem uma fazenda de mais de 500 alqueires.
Castro é dono de uma das mais de 1,6 mil terras do Cadastro Ambiental Rural (CAR), sistema de monitoramento e licenciamento ambiental. Num município onde só 5% dos imóveis estão regularizados, o CAR tem ajudado a manter o desmate controlado em São Félix - na região, é proibido o uso, transporte e comercialização de produtos oriundos de propriedades rurais sem o cadastro.
No fim de agosto, a meta de cadastrar 80% dos imóveis foi atingida. "A pressão pelo desenvolvimento é inevitável. Nosso trabalho é ajudar a reduzir os impactos e buscar alternativas para que as empresas também se sintam responsáveis", diz Ian Thompson, diretor de programas de conservação na América Latina da TNC. Desde 2009, a ONG auxilia projetos de conservação locais e foi uma das principais apoiadoras do cadastramento de terras.


CACAU VIRA ALTERNATIVA SUSTENTÁVEL
Projeto incentiva produção como saída para manter em pé boa parte das florestas

SÃO FÉLIX DO XINGU

Apostar em cacau na cidade com o maior rebanho bovino do País parece pouco sensato. Para pequenos agricultores de São Félix do Xingu, porém, a alternativa tem se tornado rentável. Desde o fim do ano passado, um projeto-piloto para incentivar a produção do fruto, cuja amêndoa é matéria-prima para a fabricação do chocolate, virou a saída para manter em pé boa parte das florestas da região sem perder a lucratividade.
Com o apoio de cooperativas locais, o "Cacau mais Sustentável" tem a meta inicial de atingir cem propriedades da região. A ONG TNC organiza um programa de melhoramento genético de sementes e orientação técnica para quem quiser se aventurar na mudança. E as vantagens ambientais vêm da própria natureza do cacau: o fruto só se desenvolve à sombra de outras culturas, como a banana.
Recompor a vegetação, portanto, é fundamental para começar a plantar. Luiz Martins Neto, que começou a produção recentemente, passou a usar um sistema de produção rotativa, que substituiu as queimadas. "Com a ajuda de cooperativas, conseguimos vender a um preço mais alto", afirma.
O projeto tem ajudado iniciantes, mas também aumentou a eficiência de quem já produzia. "O apoio técnico ajudou a gente a entender melhor o ciclo da produção", diz Raimundo Freires Barbosa, um dos beneficiados pelo projeto, que aposta no cacau desde a década de 80. "Escolhi o cacau pois, desde aquela época, já percebia o desmatamento, um desastre muito grande, que, se continuasse, mudaria tudo na região."
Segundo os responsáveis pelo projeto, os lucros podem triplicar. Em uma propriedade que produz 1 tonelada por hectare, a renda, que em pecuária seria de R$ 5 mil anuais, pode chegar a R$ 16 mil. "O objetivo é chegar à produção de 1,5 milhão de sementes ao ano até 2015", diz Ian Thompson, da TNC.
Para garantir as vendas dos pequenos produtores e apoio logístico, a ONG firmou parceria com a Cargill, gigante mundial na produção de alimentos e maior compradora de cacau no País. A meta é ampliar a área de produção dos cerca de 20 km2 para até 500 km2.
Originário da própria Amazônia, o cacau durante décadas esteve associado à Bahia. Hoje, porém, a produção do Pará já representa cerca de 25% do total no País e cresce em média 5% ao ano. / B.D.


SISTEMA VAI ALERTAR SOBRE OCORRÊNCIAS
Com softwares de gerenciamento de dados geográficos, monitoramento terá mais exatidão

SÃO FÉLIX DO XINGU

Desde o mês passado, São Félix do Xingu ganhou uma ferramenta que poderá deixar mais claro o modo como o desmatamento tem avança no município. Lançado no fim de agosto, o Observatório Ambiental promete dar mais exatidão ao monitoramento ambiental, com softwares mais modernos de gerenciamento de dados geográficos.
Segundo os responsáveis, o observatório vai possibilitar a produção de boletins periódicos que indicarão desde novos locais para o cadastramento de terras até a tendência de ocorrência do desmatamento na região.
"O sistema vai abastecer São Félix de ferramentas espaciais, de tecnologia da informação e de comunicação para o monitoramento e o controle do desmatamento ilegal em escala municipal", afirma Bruno Kono, secretário municipal de Meio Ambiente. "Vai auxiliar ainda na definição de políticas públicas, no planejamento de estradas, pontes, escolas, enfim, nas definições estratégicas do município."
Pecuária. Uma equipe de técnicos está sendo capacitada para trabalhar em período integral na prefeitura para emitir alertas em caso de desmatamentos e focos de queimadas irregulares - mesmo com as medidas para combater o problema, a expansão da pecuária ainda pressiona o meio ambiente local.
Um dos objetivos das políticas locais é elevar a produtividade dos rebanhos para 2,5 cabeças de gado por hectare - atualmente, esta proporção é de cerca de 0,8. / B.D.


OESP, 15/09/2013, Metrópole, p. A28-A29

http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,desmate-volta-a-ameacar-sao--felix-do-xingu-,1074876,0.htm

http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,cacau-vira-alternativa-sustentavel-,1074865,0.htm

http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,sistema-vai-alertar-sobre-ocorrencias-,1074870,0.htm
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