Economista avalia bioextrativismo no Alto Juruá

comciencia.br - 19/09/2003
No estado do Acre, na reserva extrativista do Alto Juruá, está sendo desenvolvido um modelo diferente de extrativismo. Objeto de estudo de Alexandre Goulart, do Instituto de Economia da Unicamp, o chamado bioextrativismo não agride o meio ambiente, trabalhando com o conceito de "floresta em pé", que pressupõe a preservação da flora regional, e está representando uma alternativa de renda à comunidade local para a decadência da produção de borracha.

Essa modalidade extrativista é vinculada ao tipo de organização social e ao universo cultural específico da região. A atividade não faz apenas o uso imediato (coleta de recursos animais ou vegetais), mas também usos mediatos (cultivo e beneficiamento de produtos) da biota, por meio da produção familiar ou comunitária e dentro dos valores e crenças das sociedades que habitam os ecossistemas da região.

O projeto em aplicação na reserva extrativista do Alto Juruá é o do "Couro Vegetal da Amazônia", que segundo o pesquisador, "é uma boa alternativa ecológica e economicamente viável para índios e seringueiros da região superarem a queda da produção de borracha, que vem sofrendo uma diminuição sistemática em seu preço".

A produção do couro vegetal é um trabalho familiar, realizado por unidades domésticas, sendo que cada unidade envolve de seis a dez famílias. A atividade dos produtores é realizada em duas fases. Primeiro, recolhe-se o látex nos seringais da floresta, e uma vez feita a extração, o material é levado para o terreno de suas casas. Nesse terreno, existem dois espaços necessários para obtenção do couro vegetal: o defumador, onde o látex é envolvido em algodão e defumado; e uma estufa, para onde as tiras são vulcanizadas a altas temperaturas, usando-se lenha como combustível. Após essa última etapa, a tira ganha uma certa consistência e está feito o couro vegetal.

Essa produção familiar é vendida à empresa Couro Vegetal da Amazônia, que tem exclusividade na obtenção do material, usado para confecção de bolsas e outros acessórios. O fato de a renda obtida através da produção do couro vegetal ser maior do que a obtida com a produção da borracha levou a uma melhora sensível na qualidade de vida das famílias envolvidas no projeto. Agora, eles recebem dinheiro em mãos, além de poder usufruir de uma espécie de cooperativa de consumo com produtos da cesta básica, algo que não havia quando produziam borracha.

A pesquisa de Goulart aponta para o fato de existir uma inovação tecnológica nesse processo alternativo à crise da borracha, o que é questionado pelo antropólogo Mauro Almeida, também da Unicamp. Para o antropólogo, não haveria inovação em um processo que envolve defumações e vulcanizações, que são operações já muito conhecidas pelo homem. Goulart responde que além de ser um novo tratamento químico aplicado ao material, que o torna resistente a altas temperaturas, a inovação tecnológica do processo produtivo do couro vegetal não está nos detalhes técnicos, mas sim na organização e nos grupos envolvidos na produção e distribuição, envolvendo seringueiros, empresários ambientalistas, ONGs e agências ambientais governamentais. Isso revela uma estrutura nova na produção de um novo produto.

Apesar dos bons resultados do projeto no Alto Juruá, Goulart chama a atenção para o fato de que a estrutura da produção do couro vegetal é relativamente cara, sendo difícil a ampliação do projeto para todos os seringueiros da reserva, e mais difícil ainda para a Amazônia inteira. Além disso, o couro vegetal é um produto restrito a um parcela reduzida do mercado, onde os consumidores têm preferência por produtos ecologicamente corretos. O pesquisador sugere a criação de uma "bolsa de conservação", que seria uma remuneração oferecida para produtores de couro vegetal e seringueiros, por manterem uma atividade que preserva a floresta amazônica. Existem atividades ao alcance das comunidades locais que podem gerar maior remuneração, mas as populações tradicionais e os indígenas optam por não agredir o ambiente onde vivem.

O projeto desenvolvido no Acre é fruto da aliança entre a empresa Couro Vegetal da Amazônia, o Instituto Nawa para o Desenvolvimento Sustentável na Amazônia e três associações de produtores: a Associação dos Seringueiros e Agricultores da Reserva do Alto Juruá (Asareaj), a Associação dos Produtores de Artesanato e Seringa (Apas) e Associação dos Seringueiros Kaxinawá do Rio Jordão.

A pesquisa de Goulart, orientada por Sebastian Reydon, resultou em sua dissertação de mestrado "Artesãos da Floresta" - População Tradicional e Inovação Tecnológica: O Caso do "Couro Vegetal" na Reserva Extrativista do Alto Juruá, Acre, defendida em agosto no Instituto de Economia da Unicamp.
UC:Reserva Extrativista

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