Em busca das onças

FSP, Ciência+Saúde, p. C13 - 26/03/2015
Em busca das onças
No Pantanal, relatos de onças que comem capivaras, jacarés, sucuris e até gente são numerosos, mas mapeá-las é um desafio para cientistas

MARCELO LEITE ENVIADO ESPECIAL A CÁCERES (MT)

Foram cinco dias de expedição com a ONG Bichos do Pantanal, 930 km percorridos (675 km no rio Paraguai e seus tributários, mais 255 km em estradas de terra) e 1.281 biguás. Mas onça-pintada, que é bom, nenhuma.
Cadeia alimentar é assim mesmo. No topo cabem muito poucos indivíduos, e nas matas do Brasil a Panthera onca reina absoluta e solitária. É preciso muita insistência e alguma sorte, ou azar, para topar com uma.
Recomenda-se procurar por elas a bordo de um barco, por segurança. É o que faz uma vez por mês o biólogo Douglas Brian Trent. Ele coordena a pesquisa do projeto Bichos do Pantanal, que inclui o levantamento sistemático da fauna nos 300 km de rio entre Cáceres e a Estação Ecológica Taiamã.
A estação, uma unidade de conservação integral onde só se entra com autorização, abrange uma ilha de 62 km de comprimento cujo entorno abriga áreas de reprodução para várias espécies de peixes. Há 650 km2 no entorno em que a pesca é proibida.
Com tanto alimento à disposição na água, não faltam jacarés, ariranhas, sucuris e... pássaros. Muitos pássaros.
Os campeões são os biguás (Phalacrocorax brasilianus), um mergulhão e pescador que se conta aos milhares nesta época do ano, de cheia. Em quatro dias a bordo do Bichos do Pantanal, só essa espécie abarcou 33% das 3.855 aves avistadas e identificadas por Trent e seu auxiliar, Marcos Vinicius Elias da Silva.
A vegetação abundante nas áreas alagáveis atrai grande número de capivaras (vimos 16), que são herbívoras. É a refeição preferida das onças que circulam pela região, mas que não raro se alimentam também de sucuris e jacarés.
BRASÃO VALENTE
O vaqueiro João Pires já foi testemunha do estado em que a pintada deixou um jacaré, e quase virou ele mesmo comida de onça.
Pires e outros peões da fazenda Santo Antônio das Lendas, nas margens do rio Paraguai, foram atraídos por uma concentração de urubus e pelo palpite de que mais um bezerro caíra vítima do felino. Chegando no local, havia só a carcaça semidevorada de um jacaré.
O peão conta que só ouviu o bufo da bicha quando ela já estava vindo para cima dele. Tentou espantá-la com o chapéu, mas a patada e a mordida pegaram seu braço, que quebrou. Foi o vira-lata Brasão, "sistemático", que o salvou com uma mordida na barriga da onça, que se afastou.
Menos sorte teve o "isqueiro" (pescador de peixes pequenos para isca) Luiz Alex da Silva Lara, o Gordo. Acampado na beira do rio, foi atacado pelo jaguar em 2008, aos 21 anos, e morreu. Uma cruz de ferro e a frase "Saudades dos familiares" marcam o local da tragédia.
Trent explica que a subespécie presente no Pantanal, Panthera onca palustris, é a que tem maior porte. Um macho pode chegar aos 200 kg. Sua mandíbula é considerada a mais forte dos felinos.
O americano, que estudou na Universidade do Kansas e vive há mais de três décadas no Brasil, já registrou 42 onças no Pantanal com sua teleobjetiva e com armadilhas fotográficas (câmeras com sensores fixadas em árvores).
A identificação de cada animal é feita por meio do padrão de pintas na testa do bicho. Técnica semelhante é empregada por Trent para contar e acompanhar grupos de ariranhas, as "onças da água", mas neste caso o padrão distintivo está nas manchas no pescoço.
CIÊNCIA DO CIDADÃO
As informações sobre fauna levantadas pelo projeto Bichos do Pantanal têm precisão taxonômica, ou seja, a identificação de cada espécie contada é confiável. Além da formação científica, Trent é um exímio observador de pássaros e tem décadas de experiência no Pantanal como operador de turismo.
A ONG também atua com a capacitação de guias para turistas interessados na observação da natureza e fornece a logística fluvial para estudos de um grupo de pesquisa de peixes da Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat), coordenado por Claumir Cesar Muniz.
Com as credenciais de naturalista de Trent, a ONG obteve patrocínio de uma grande empresa estatal para o projeto. O resultado dos levantamentos de fauna, que visam estabelecer uma linha de base para as populações de animais no Pantanal, tem duas destinações.
A primeira é o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), órgão do Ministério do Meio Ambiente. A outra é o portal iNaturalist (www.inaturalist.org), que reúne informações georreferenciadas sobre bichos fotografados em todas as partes do mundo.
"É o que se chama de 'citizen science' [ciência do cidadão]", diz Trent. Qualquer pessoa com uma câmera dotada de GPS pode enviar imagens para a base de dados. Um especialista, contudo, precisa confirmar a identificação, e só então a informação entra para o acervo.
No barco da expedição de fevereiro havia várias câmeras com GPS. Mas nenhuma onça-pintada deu as caras.

Os jornalistas MARCELO LEITE e LALO DE ALMEIDA viajaram ao Pantanal a convite do projeto Bichos do Pantanal

FSP, 26/03/2015, Ciência+Saúde, p. C13

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cienciasaude/213416-em-busca-das-oncas.shtml
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