Em Xerém, a represa que virou deserto

O Globo, Rio, p. 12 - 21/10/2015
Em Xerém, a represa que virou deserto

Antônio Werneck, Emanuel Alencar e Rafael Nascimento

RIO - Caminhar por uma represa pode parecer história bíblica ou devaneio. Não para o serralheiro Leandro Rangel, de 36 anos. Na tarde de terça-feira, debaixo de sol a pino, ele andava, de facão na cintura e olhos atentos, pelo solo rachado da represa de Saracuruna, no distrito de Xerém, em Duque de Caxias. Construída há 50 anos, com o objetivo de atender às atividades industriais da Refinaria Duque de Caxias (Reduc), da Petrobras, a represa vem sofrendo desde 2012 com a falta de chuvas. Foi secando, secando, até chegar ao ponto atual, que permite caminhar por mais de 80% do espaço antes coberto de água. De acordo com funcionários da Cedae que atuam na região, o nível despencou 18 metros em um ano.
- Olha, acho que não volta mais ao nível normal - diz Leandro, resignado. - Em seis meses, a água sumiu. No meu bairro, Santa Cruz da Serra, a gente já sente a falta d'água. Tem que puxar com bomba, mas nem sempre se consegue.
Montado numa bicicleta, o desempregado Gilberto Luiz Cristino, de 25 anos, foi à represa à procura de alguns peixes, que resistem nos trechos de água barrenta.
- As nascentes aqui de Xerém, que sempre foram fortes, verdadeiras cascatas, hoje não passam de filetes d'água. Após as enxurradas de janeiro de 2013, trouxe minha mulher aqui, e ela ficou assustada com o nível da água. A represa estava quase transbordando. Hoje a gente anda dentro dela - conta.
O prefeito de Caxias, Alexandre Cardoso, reconhece que jamais imaginou ver a represa na atual situação. Ele diz que a Cedae vem captando no reservatório da Mantiqueira, dentro da Reserva Biológica (Rebio) do Tinguá e poucos quilômetros acima da represa, apenas metade do que recolhia até agosto.
- A seca da represa era algo anunciado. Os rios contribuintes da represa secaram. A Rebio tem mananciais secando. Os bairros de Xerém, Capivari e Vila São Luiz estão sofrendo bastante. Hoje temos 300 mil pessoas que não recebem água regularmente, um terço da população de Caxias. A situação está ficando insustentável - diz Cardoso. - Eu mandei avaliar a possibilidade de construção de 200 poços artesianos para tentar melhorar a situação. Vamos monitorar. Mas, se não chover, nem eu não ninguém sabemos o que vai acontecer.
RIACHOS COM VAZÃO PEQUENA
Outro que mostra preocupação com a situação da estiagem em Xerém é o chefe da Rebio do Tinguá, o biólogo Flávio Silva. Ele diz que pequenos rios e riachos nunca estiveram com vazão tão pequena como hoje. Desde o ano passado, corre no Ministério Público Federal (MPF) uma ação civil pública que cobra da Cedae a formalização, com a Rebio, de novos critérios para a captação. Em fevereiro do ano passado, dois diretores da empresa foram acusados de causar danos diretos à reserva, por permitirem o funcionamento de empreendimentos de captação de água, a instalação de unidades de tratamento de água com flúor e a realização de obras em represas sem autorização do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), vinculado ao governo federal.
- As chuvas não estão caindo como normalmente deveria acontecer. A Cedae mantém 32 pontos de captação de água e cinco grandes reservatórios dentro da Rebio. Tudo sem regras claras, e captando 100% das vazões dos rios. Já autuamos a empresa quatro vezes nos últimos três anos. Queremos estabelecer regras mais claras, menos pré-históricas. O assunto está com o ICMBio de Brasília - diz Flávio Silva.
Em outubro de 2005 foi assinado um termo de ajustamento de conduta (TAC) entre Petrobras e Ibama, com intermediação do Ministério Público Federal, que previa a recuperação de áreas degradadas dentro da Rebio, inclusive a represa. A reserva tem 26.260 hectares e é uma unidade de conservação importante para garantir a preservação de nascentes. A represa de Saracuruna fica nos limites da Rebio.
A Cedae e a Petrobras não se pronunciaram sobre o assunto.

O Globo, 21/10/2015, Rio, p. 12


http://oglobo.globo.com/rio/nivel-de-reservatorio-em-xerem-recua-18-metros-em-um-ano-17833513
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