Ensino exige abordagem diferenciada

Valor Econômico, Caderno Especial, p. F8 - 19/09/2014
Ensino exige abordagem diferenciada

Por Sergio Adeodato
Para o Valor, de Manaus

O Brasil tem 3,8 milhões de crianças e adolescentes de quatro a 17 anos fora da escola, segundo levantamento divulgado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) com base em estatísticas nacionais. O cenário expõe o desafio da redução das desigualdades no país, principalmente nos Estados cobertos pela Floresta Amazônica, onde o peso da exclusão no ensino é maior. "Não há desenvolvimento sustentável sem educação básica", enfatiza Marcelo Mazzoli, coordenador nacional de educação do Unicef, durante recente seminário realizado em Manaus com participação universidades, ONGs e gestores municipais e estaduais para o debate de soluções.

Na região vive uma população de 24 milhões de habitantes que têm o direito de aprender, capacitar-se para atividades produtivas e atingir novo padrão social. Há uma peculiaridade: "Especialmente na Amazônia, boas escolas quase sempre dialogam com a dimensão econômica da produção local das comunidades", analisa o coordenador. "Currículos não pertinentes", diz Mazzoli, "fazem meninos e meninas migrarem da floresta para a periferia das capitais e cidades maiores, em busca de alternativas".

Com a função de aproximar o saber tradicional do convencional, a educação na floresta é chave não apenas para fazer contas e definir preços da produção. "A questão vai além de simplesmente aprender matemática e exige desenvolver cidadania econômica e práticas como negociação coletiva de produtos extrativistas", sugere o coordenador. Ele lembra que modernidades, como a abrangência cada vez maior da telefonia celular e da internet, aproximam pessoas e estão revolucionando as relações comerciais na região. "Mas a educação não está acompanhando o processo", lamenta Mazzoli. "É legítimo o desejo de se integrar ao mercado formal, mas devemos avançar, promovendo o conhecimento sobre o valor do trabalho e a consciência de território."

O especialista diz que o país vive um momento histórico, após a provação, neste ano, do Plano Nacional de Educação (2014-2024) - principal instrumento de política pública do setor, a partir do qual Estados e municípios se mobilizam para fazer o planejamento local, no prazo de um ano. "O modelo de educação ribeirinha, se construído de forma participativa e inclusiva, com base no cotidiano de vida, pode dar uma grande contribuição para o resto do país", diz Mazzoli.

"Aprender para quê?", pergunta Luciana Souza, pesquisadora da Universidade Federal do Amazonas, ao lembrar que, se a escola de qualidade está ligada ao uso da floresta, a falta de oportunidades produtivas afeta o interesse pelo aprendizado.

"A complexidade da Amazônia exige um tratamento diferenciado para investimentos no setor", destaca Pedro Rodrigues, presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), na Região Norte. Devido ao isolamento, por exemplo, é maior o custo do transporte escolar.

Há barreiras, tanto socioambientais como da pobreza. Metade das escolas da região não tem banheiro e 72% captam água diretamente nos rios, sem tratamento. "É necessário medir o custo da perda de investimentos devido à exclusão educativa", propõe Unai Sacona, coordenador do Unicef em Manaus. Ele informa que na capital amazonense, em dez anos, o componente "educação" no IDH municipal se manteve inferior ao índice de geração de renda, o que "pode comprometer a sustentabilidade econômica no longo prazo". Em Manaus, 90% dos mais ricos detêm 65,3% da renda, segundo o índice Gini.

"Escolas do mundo amazônico pedem socorro", enfatiza Virgílio Viana, presidente da Fundação Amazonas Sustentável (FAS), entidade que mantém núcleos com atividades de produção e educação em sete diferentes reservas estaduais. O modelo difere do padrão tradicional. As vilas abrigam escolas integradas ao desenvolvimento do território, com ensino fundamental, médio e técnico em produção sustentável. Funcionam como polos de novas tecnologias que fortalecem lideranças no processo da conservação florestal. "A educação é um dos principais pilares dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), que serão adotados pela ONU entre 2015 e 2030", lembra Viana.

"Os alunos querem que o aprendizado na escola esteja voltado à sustentabilidade do lugar onde vivem", revela José Ruy Lemos, diretor da escola municipal da Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Juma, no município de Novo Aripuanã (AM). O rapaz, hoje educador, estudou até a 5ª série do ensino fundamental, ensinado por professor que só tinha cursado até a 3ª série. "Aprendemos a valorizar o que temos lá", conta a estudante Josinara Fernandes, 16 anos, moradora do povoado Lindo Amanhecer, às margens do rio Negro. Hoje é líder do projeto "Jovens Empresários", que estimula pequenos negócios baseados na cultura local.

Valor Econômico, 19/09/2014, Caderno Especial, p. F8

http://www.valor.com.br/agro/3702132/ensino-exige-abordagem-diferenciada
Amazônia:Políticas de Desenvolvimento Regional

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