Entre avanços e recuos

OESP, Espaço Aberto, p. A2 - 04/06/2004
Entre avanços e recuos

Washington Novaes

Em tempos de tantas notícias sobre crises e dramas, vale a pena destacar algumas informações muito relevantes para que o País possa chegar a uma estratégia mais adequada de desenvolvimento.
A primeira delas foi o anúncio feito no Congresso Nacional pelos ministros do Meio Ambiente, Marina Silva, e da Integração Nacional, Ciro Gomes, de que o governo vai pôr em prática o Plano Amazônia Sustentável, fundado em cinco eixos que pretendem viabilizar o desenvolvimento econômico na região, com proteção social e sem degradação ambiental. Os cinco eixos, segundo disseram, prevêem o uso de tecnologias avançadas para permitir produção sustentável; ordenamento territorial; novo padrão de financiamento; inclusão social e cidadania; e infra-estrutura para o desenvolvimento. O projeto exigirá uma adaptação do Plano Plurianual 2007 e de seu orçamento.
Muito importante também é a decisão de atribuir prioridade nas ações às áreas já desmatadas da Amazônia, mais de 650 mil km2 (dos quais pelo menos 30% não têm nenhuma utilização econômica), e, ali, à regularização fundiária, já que apenas 24% das áreas são privadas. A viabilidade nessa direção parece evidente. Ainda há poucos dias (6/5), este jornal noticiou trabalho do pesquisador Judson Valentim, da Embrapa, segundo o qual é possível produzir 50 milhões de toneladas de grãos em 20% dessa área desmatada, desde que se usem tecnologias adequadas; em outros 60% da área seria possível criar 100 milhões de cabeças de gado; e ainda sobrariam 20%, mais de 130 mil km2, para assentar 900 mil pequenos agricultores. Sem desmatar nada.
Talvez o teste decisivo para o governo federal - levar à prática os planos - vá ocorrer na área da Rodovia Cuiabá-Santarém, que se pretende pavimentar (basicamente, para facilitar exportação de grãos). Ali, segundo o ministro da Integração, seu ministério e o do Meio Ambiente cuidarão antes do ordenamento territorial, do zoneamento ecológico-econômico, para que "a legislação ambiental seja considerada antes da formatação dos projetos".
Teste decisivo porque as pressões são avassaladoras. Em todo o norte, noroeste e nordeste de Mato Grosso o desmatamento corre solto (foi o Estado que mais desmatou em 2002-2003), sem poupar quase nada - o Parque Indígena do Xingu, por exemplo, é uma ilha cercada por um oceano de soja e madeireiras, que pressionam o governo para derrubar uma medida provisória que exige manutenção de reservas legais de 80%.
Outro teste estará na área energética, na qual se saberá se vai continuar prevalecendo o velho modelo de absorver custos ambientais, sociais e energéticos basicamente para exportar eletrointensivos (alumínio, ferro gusa). Tudo indica que sim. Embora a potência da projetada Usina de Belo Monte, no Xingu, tenha sido reduzida à metade, de 11 mil MW para 5 mil, ainda será destinada basicamente a essa finalidade. Como Tucuruí, com potência duplicada, onde novos contratos acabam de ser firmados por 20 anos com empresas produtoras de alumínio, que pagarão pelo MWh (R$ 53) menos do que pagam suas congêneres no Sudeste (R$ 70), ou seja, 25% menos (Folha de S.Paulo, 11/5). Embora o subsídio tenha diminuído (pagavam R$ 34), já custou à Eletronorte alguns bilhões de reais nos primeiros 20 anos - contribuindo para o déficit de mais de R$ 5 bilhões que a empresa carrega e para encarecer o "mix" dos demais consumidores, principalmente residenciais.
A expansão da potência assegurará também energia para projetos como os que o Brasil acaba de firmar com a China, para instalar no norte do País unidades produtoras igualmente nessa área de eletrointensivos. Geograficamente, desloca-se o problema. Antes o Brasil absorvia custos ambientais e sociais nessa área para atender às necessidades de países industrializados, principalmente. Agora, vai produzir eletrointensivos e até importar carvão e implantar termoelétrica e gerar poluição, para atender ao novo eixo comercial chinês - no momento em que tem sobra de energia, termoelétricas desativadas (embora o consumidor pague como se produzissem) e outras alternativas ambientalmente mais adequadas (biomassa, eólica).
De qualquer forma, não é desprezível o esforço que está sendo feito para "transversalizar" a questão na Amazônia, que já tem até áreas ameaçadas de desertificação (Estado, 6/5). Mas é preciso um esforço especial no terreno científico, que parece ser a grande possibilidade amazônica, na conjugação com a biodiversidade. Hoje, a Amazônia recebe menos de 2% dos recursos federais para a ciência.. E a SBPC mostra que, com um investimento mensal de R$ 15 milhões, em seis anos, ao custo total de pouco mais de R$ 1 bilhão (um terço da verba orçamentária contingenciada nesse setor), seria possível formar ali 5 mil doutores.
Adicionalmente, uma pergunta intrigante: o governo federal vai mudar sua posição e aceitar pagamento internacional pela conservação de áreas? Em discurso no dia 29/4, na cidade de Guariba, disse o presidente da República (Estado, 30/4), "criticando os países ricos por terem destruído seus recursos ambientais": "Esperamos ganhar um dia um dinheirinho porque ainda temos a maior reserva florestal do mundo (...). Eles teriam de pagar para a gente por conta de a gente ser tão cuidadoso, apesar de alguns problemas que temos."
Mas são evidentes muitos esforços nas direções corretas. Outro deles ampliou de 84 mil para 213 mil hectares o Parque Nacional Grande Sertão: Veredas, na divisa Minas Gerais-Bahia e fundamental para a conservação da biodiversidade numa das paisagens do cerrado próxima da extinção com o avanço das monoculturas de grão irrigadas por pivôs centrais (segundo alguns especialistas, conservar as cadeias da biodiversidade exige áreas contínuas de pelo menos 100 mil hectares, outros falam em 300 mil). O parque é decisivo também para a proteção de nascentes do ameaçado Rio São Francisco, que respondem por 20% de sua água.
Já temos agora, segundo o Ministério do Meio Ambiente, 54 milhões de hectares em 526 unidades de conservação federais, 7% do território nacional.
É verdade que em parte dessas unidades a proteção não chega de todo à prática. Mas pode chegar.
E assim, entre avanços e recuos, vamos seguindo. Melhor do que, como dizem os gaúchos, "pelear em retirada com pouca munição".

Washington Novaes é jornalista

OESP, 04/06/2004, Espaço Aberto, p. A2
Política Socioambiental

Unidades de Conservação relacionadas

  • UC Grande Sertão Veredas
  • TI Xingu
  •  

    As notícias publicadas neste site são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.