Falta de verba ameaça tesouro arqueológico

OESP, Geral, p. A11 - 28/11/2003
Falta de verba ameaça tesouro arqueológico
Arqueóloga ameaça desistir da gestão de parque no Piauí em protesto contra o governo

Evanildo da Silveira

O Parque Nacional da Serra da Capivara, em São Raimundo Nonato, no Piauí, considerado patrimônio da humanidade pela Unesco desde 1991, está com sua preservação ameaçada. Desde janeiro, a Fundação Museu do Homem Americano (Fumdham), criada pela arqueóloga Niède Guidon para estudar e manter o parque, não recebe o dinheiro que o governo federal deveria repassar. Por isso, ela diz que vai desistir da co-gestão do Parque, que é feita com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
Se isso ocorrer, o Ibama terá apenas seus três funcionários contratados e mais seis terceirizados para manter e proteger uma área de 100 mil hectares, que abriga cerca de 700 sítios arqueológicos e paleontológicos e uma das maiores concentrações de pinturas rupestres do mundo. A riqueza que ficará em risco inclui ainda coleções de pedras lascadas e polidas pré-históricas, além de cerâmicas, múmias e esqueletos humanos e de animais da megafauna (grandes animais, como preguiças gigantes, que habitavam a região há mais de 10 mil anos). "O patrimônio natural, cultural e científico do parque é único no mundo", diz Niède. "Há vestígios de épocas anteriores quando a floresta tropical úmida reinava na região."
Precariedade - Os problemas de falta de recursos começaram em 2001. Em conseqüência, Niède teve de vender dois carros para pagar os funcionários de sua fundação, dinheiro que já acabou. Eles trabalharam de graça nos últimos dois meses e hoje estão todos com aviso prévio. Por causa da crise, a arqueóloga está indignada e, além de desistir da co-gestão, ameaça, como protesto, depositar urnas funerárias pré-históricas na rampa do Palácio do Planalto. "Se não recebermos mais recursos, o governo tem de nos dizer onde guardar o que temos aqui, nas condições em que tudo foi mantido até hoje", reclama.
Desde 1994, o parque é administrado em parceria pela Fumdham e Ibama. A maior parte dos funcionários é da Fumdham, no entanto. São 109, trabalhando no parque, no museu e no centro cultural." A fundação tem ainda apoio do Ministério da Cultura (Minc), para a manutenção do patrimônio arqueológico.
Para instalar a infra-estrutura do parque, no entanto, a Fumdham obteve recursos do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e de organismos da França e da Itália. Com o dinheiro construíram-se guaritas, estradas, trilhas turísticas, reservatórios de água, bebedouros para os animais, pontos para descanso e piqueniques e sistemas de drenagem e captação de água e de proteção para os sítios arqueológicos poderem ser visitados.
O problema, segundo Niède é que tudo isso deve ser conservado, o que exige R$ 227 mil mensais. "Solicitamos recursos ao Minc e ao Ministério do Meio Ambiente", conta. "O que recebemos em 2002 e 2003 foi insuficiente para garantir a manutenção do parque. Em dezembro, por sermos uma Oscip (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público, sem fins lucrativos), assinamos um contrato de parceria com o Ibama, referente às despesas que fizemos em 2002. Mas somente em 2003 recebemos esses recursos. Hoje temos pedidos de R$ 600 mil ao Ibama e R$ 500 mil ao Minc."
A diretora de Ecossistemas do Ibama, Cecília Ferraz, confirma o convênio de 2002 e o repasse, mas diz que os recursos eram para pagar despesas feitas em 2003. Segundo ela, órgãos públicos não fazem contratos para despesas retroativas. "Foram repassados um total de R$ 438,4 mil, dos quais R$ 150 mil em fevereiro e 288,4 mil em abril", explica. "Sabemos que é menos do que o necessário, mas essa situação no Brasil também ocorre na área da saúde, da educação e outras."
Niéde rebate. "Os órgãos do governo não consideram dívida o que gastamos de nossos recursos para manter o parque", diz. "Mas nós garantimos o seu funcionamento em 2002 e 2003 com nosso dinheiro. Não podemos deixar o parque sem guardas por causa da caça, nem as pinturas serem destruídas por incêndios, cupim, plantas, ou as múmias apodrecerem e o museu ser fechado."
Diante de tantos problemas, o que inclui constantes ameaças de caçadores que tentam invadir o parque, a arqueóloga francesa parece desolada. "Se tivéssemos deixado tudo virar de pernas para o ar, não teríamos dificuldades hoje e ninguém teria achado ruim", diz. "É inútil querer conciliar maneiras diferentes de ver o patrimônio nacional. Aliás, eu deveria estar na França gozando minha aposentadoria. O Ibama é que deveria ter aqui uns 170 funcionários e o Minc outros 70 fazendo o que é obrigação deles: cuidar do parque."

OESP, 28/11/2003, Geral, p. A11
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