Florestas: a diferença entre ter valor e dar lucro

OESP, Vida, p. H6 - 06/11/2008
Florestas: a diferença entre ter valor e dar lucro

Mary Allegretti*

Difícil dizer qual tarefa tem sido mais árdua: provar que a floresta tem valor ou fazer esse valor se transformar em retorno financeiro para quem a explora. Nos últimos 20 anos, desde que Chico Mendes morreu, conseguimos dar conta, em parte, da primeira; mas isso assegurou muito pouco da segunda.

A Amazônia tem hoje mais de 21 milhões de hectares protegidos para uso sustentável de comunidades tradicionais: 64 Reservas Extrativistas e 16 Reservas de Desenvolvimento Sustentável, em 4,4% da região. A criação dessas unidades de conservação valoriza um estoque de recursos naturais estratégicos porque elimina conflitos pelo acesso aos recursos - pré-requisito para seu uso. Mas essa é apenas a primeira etapa de uma enorme e complexa agenda que visa a transformar esse capital de recursos naturais em renda monetária permanente, hoje e no futuro.

Chico não foi o único nem o primeiro a falar que "a floresta vale mais em pé do que derrubada", mas essa afirmação passou a ser associada a ele depois do seu assassinato. Ele construiu esse argumento com base na dependência direta dos seringueiros em relação à borracha, à castanha e a outros produtos da floresta que lhes assegura renda há gerações. Mas também como um cenário de futuro, como disse em julho de 1988.

"Meu sonho é ver toda essa floresta preservada, conservada, porque ela é a garantia do futuro dos povos da floresta. E não é só isso... nós estamos conscientes de que a Amazônia não pode ser um santuário intocável... basta que o governo leve a sério a proposta dos seringueiros e dos índios, que eu acredito que em poucos anos a Amazônia poderá se transformar numa região economicamente viável não só para nós, mas para o País e para toda a humanidade, para todo o planeta... Que eu considero a Amazônia uma região rica, ela tem uma enorme variedade de produtos extrativistas. Ela pode ser preservada e economicamente importante para todos nós."

Argumentos como esses começaram a ser defendidos por cientistas logo depois. Em 1989, Peters, Gentry e Mendelsohn publicaram resultados de pesquisa em uma área ribeirinha próxima de Iquitos, no Peru, demonstrando que a renda líquida total gerada pela exploração sustentada de produtos florestais não-madeireiros era duas a três vezes maior do que a gerada pela conversão da floresta. O estudo apontou que o problema não estava no valor real dos recursos das florestas tropicais, mas na falta de reconhecimento desse fato pelas políticas públicas.

"Enquanto as madeiras tropicais são vendidas nos mercados internacionais, geram recursos em moeda estrangeira, são bens de exportação controlados pelo governo e apoiados por investimentos federais, os recursos não-madeireiros são coletados e vendidos em mercados locais por um número incalculável de coletores florestais, intermediários e pequenos comerciantes. Essas redes comerciais descentralizadas são extremamente difíceis de controlar e podem ser facilmente ignoradas nas contas nacionais", afirmaram os autores.

Quando o artigo foi publicado, Chico já havia sido assassinado. Mas as falas dele e os dados destes e de outros cientistas nos anos seguintes deram início a uma nova etapa na história, onde a questão deixou de ser provar o valor da floresta, mas pressionar por investimentos para torná-la lucrativa.

Hoje a floresta dá lucro para extrativistas, agricultores familiares, pequenos e grandes empresários sempre que os seguintes fatores estão presentes: investimentos públicos ou privados em infra-estrutura social e produtiva, tecnologia, parceria para a gestão de empreendimentos e mercados especializados.

Alguns exemplos: processamento de óleos para indústria de cosméticos na RDS do Rio Iratapuru no Amapá, na Reserva Extrativista do Médio Juruá no Amazonas e no Projeto Reca em Rondônia; produção de preservativos e outros artefatos de borracha nativa no Acre; comercialização de pescado no Amazonas e no Pará e de camarão no Pará e no Amapá; exportação de polpa de frutas tropicais, especialmente açaí no Pará e no Amapá.

Mas o retorno financeiro dessas atividades não tem escala nem para se contrapor ao agronegócio nem para neutralizar a exploração clandestina de madeira. O que se alcançou até hoje resulta mais do esforço de cada comunidade e parceiros do que de uma política de desenvolvimento. Não há infra-estrutura de produção adequada aos produtos da floresta: crédito, assistência técnica, escoamento, armazenamento, pesquisa e capacitação.

A questão é que não podemos esperar mais 20 anos para que o valor de hoje se transforme na economia de amanhã. Além disso, a razão para valorizar a floresta deixou de ser exclusiva dos que moram lá, porque hoje todos dependem dos serviços ambientais providos por ela. Essa realidade requer uma equação radicalmente nova que, no meu entender, deve combinar o pagamento pelos serviços ambientais associado ao preço dos produtos florestais, à tecnologia e inovação e a um modelo de industrialização apropriado, cujos impactos serão regionais e criarão novos ordenamentos do espaço florestal, rural e urbano.

Se conseguimos o impensável - reservar imensos territórios de alto valor -, por que não seríamos capazes de inventar uma forma adequada de explorá-los?

* É antropóloga e doutora em desenvolvimento sustentável. Trabalha desde 1978 com o assunto na Amazônia

OESP, 06/11/2008, Vida, p. H6
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