Grupo de guaranis invade área de proteção no litoral paulista

OESP, Vida, p. A20 - 11/08/2005
Grupo de guaranis invade área de proteção no litoral paulista
Instituto Florestal briga na Justiça pela retirada dos índios, cuja presença ameaça a migração de aves

Cristina Amorim

O Instituto Florestal, órgão ambiental do Estado de São Paulo, está brigando na Justiça para retirar um grupo de índios guaranis que se instalou, há 18 meses, numa unidade de conservação de mata atlântica em São Vicente, litoral paulista. A presença humana já ameaça aves migratórias que costumavam descansar, alimentar-se e procriar nas praias do Parque Estadual Xixová-Japuí.
O grupo é formado por 20 famílias e entrou no parque em janeiro de 2004, após participar da tradicional encenação da fundação da vila de São Vicente. Suas casas, rústicas, se concentram em um perímetro traçado como de proteção integral - que não contempla o trânsito de pessoas - justamente para manter a integridade da Praia de Paranapuã, onde pousam as aves.
O trinta-réis-real (Thalasseus maximus) é uma delas. Ameaçada de extinção no Estado, ela faz ninhos em poucas praias e ilhas de São Paulo, como Paranapuã, a Laje de Santos, ilhotas de Ilhabela e Alcatrazes. Sua "prima" de bico amarelo, a T. sandvicensis, também circulava na área, assim como espécies de maçaricos e batuíras (Charadrius), que migram do Canadá e do Alasca para formar ninhos no jundu, a faixa de vegetação que se forma acima da linha da maré alta.
"Há uma série de espécies que vive no litoral de São Paulo, algumas raras, que possui poucas opções de faixa de praia para pousar,", explica o biólogo Fabio Olmos. Segundo ele, a simples presença dos índios na proximidade da praia afasta as aves. "O impacto do índio pode ser sentido por muito tempo."
Os guaranis também têm retirado flores nativas da mata atlântica, como orquídeas, bromélias e helicônias, para vender no mercado da cidade.
O parque foi criado em 1993, aproveitando a faixa verde conservada graças à presença da Marinha, que tinha uma base no local. A área onde hoje está o parque também abrigou uma unidade da Febem, desativada há mais de duas décadas.
Os dois prédios haviam sido ocupados, inicialmente, por alguns índios. Uma decisão judicial determinou que eles deveriam deixar os edifícios - que estão abandonados, com fios elétricos expostos e infiltrações - e viver conforme sua tradição.
ACUSAÇÕES
O Instituto Florestal acusa a prefeitura de São Vicente de colocá-los propositalmente dentro do Xixová-Japuí para criar um "parque temático" e a Fundação Nacional do Índio (Funai) de mantê-los em uma área de conservação. A prefeitura nega e afirma estar ao lado do órgão ambiental para retirar os índios do local - segundo o assessor jurídico Tarcio Coutinho, "eles têm de sair, pois afetam a migração das aves, retiram plantas nativas para vender na feira e produzem lixo que contamina a terra".
Os índios também estariam cobrando ingresso de turistas para visitas à praia. Sua sobrevivência também vem por meio de doações de moradores e da prefeitura, que lhes fornece cestas básicas.
Em uma inspeção realizada anteontem pela juíza federal Alessandra Nuyens Aguiar Aranha, acompanhada pela reportagem do Estado, algumas irregularidades foram observadas, como o corte de árvores para fogo e lixo jogado nas estradas, apesar de uma limpeza comandada pela prefeitura ter sido realizada no dia anterior. Minutos antes, um pequeno grupo de índios chegou ao parque de táxi com sacolas de supermercado. Segundo o coordenador regional do litoral-centro de São Paulo do instituto, Julio Vellardi, o solo na área é ácido e não permite aos guaranis manter uma horta para subsistência.
Durante a inspeção, sob um monumento maçônico abandonado, o grupo entoou cânticos e realizou danças típicas como exemplo do apego a suas raízes. O cacique Alcides Mariano Gomes diz que o grupo chegou àquela terra após o pajé sonhar com "um lugar que é bom para seu povo".
Para a antropóloga Silvia Guimarães, da Universidade de Brasília, especialista em migração guarani, a cultura desse grupo contempla a busca de um "local encantado", muitas vezes perto da praia. "O significado da terra, para eles, possui traços conflituosos com a nossa percepção de terra", explica.
A decisão definitiva sobre o destino do Xixová-Japuí será tomada só depois de um laudo antropológico sobre os guaranis - que nem começou a ser feito. "Enquanto isso, a situação se estabiliza e o parque perde", diz Vellardi.

OESP, 11/08/2005, Vida, p. A20
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