Ibama quer vetar treino da Marinha em ilha

FSP, Cotidiano, p. C6 - 05/04/2005
Ibama quer vetar treino da Marinha em ilha
Órgão estuda transformar arquipélago dos Alcatrazes (SP) em área preservada; exercício de tiro causou incêndio

O Ibama (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) estuda a possibilidade de transformar em uma unidade de conservação a ilha principal do arquipélago dos Alcatrazes, a 40 km da costa de São Sebastião (litoral de SP).
Atualmente, a ilha principal, que recebe o nome do arquipélago, está sob a responsabilidade da Marinha, que usa um trecho como alvo para exercícios de tiros. Com a criação da unidade de conservação, a Marinha ficaria impedida de realizar o treinamento.
O Ibama alega que os exercícios de tiro são um risco à flora e principalmente à fauna da ilha, composta por algumas espécies endêmicas (só existentes ali). Na ilha, por exemplo, existe uma cobra chamada jararaca-de-alcatrazes, ameaçada de extinção.
Segundo o órgão, ligado ao Ministério do Meio Ambiente, um desses exercícios provocou o incêndio que destruiu cerca de 10% da vegetação da ilha em novembro. Osmar Corrêa, chefe da Estação Ecológica Tupinambás -que compreende quatro conjuntos de pequenas ilhas ao redor de Alcatrazes-, diz que a idéia de tornar a ilha principal em unidade de conservação ganhou força na gerência executiva do Ibama em São Paulo após esse último incêndio.
No mês passado, a ONG Sociedade de Defesa do Litoral Brasileiro chegou a enviar um projeto ao Ministério do Meio Ambiente sugerindo que a área fosse transformada em um parque, proposta defendida também por alguns pesquisadores e ambientalistas.
Mas, segundo Corrêa, a saída que mais atrai os dirigentes paulistas do Ibama é declarar a área um "refúgio de vida silvestre".
O Ibama acredita que a proposta de criação do parque, que por definição é uma unidade de conservação integral (como acontece em Fernando de Noronha, PE), enfrentaria mais resistência porque exigiria a desapropriação de uma base mantida pela Marinha.
Já o "refúgio de vida silvestre" prevê o uso sustentável da área. A Marinha teria que acabar com os exercícios de tiro, mas poderia manter a sua presença no local. A proposta está sendo analisada pela Coordenadoria Geral das Unidades de Conservação do Ibama.
"Ao mesmo tempo que alcançaríamos o nosso objetivo, que é acabar com os exercícios de tiro, evitaríamos um confronto com a Marinha", disse Corrêa.
A resolução 13 do Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente), de 1990, determina que qualquer atividade que possa provocar impacto em uma área localizada até 10 km ao redor de uma unidade de conservação precisa de um licenciamento ambiental.
Para o Ibama-SP, a Marinha não tem chances de conseguir a licença para realizar os exercícios.
O serviço de relações públicas da Marinha informou ontem que defende a manutenção dos exercícios de tiro no local "por entender que, ao contrário do que se propaga, não agride o meio ambiente e diminui a possibilidade desta ocorrência, pois restringe a presença humana na área, esta sim com grande potencial de degradação do ecossistema".
Os exercícios da Marinha na ilha foram suspensos há duas semanas por determinação do Ibama, devido ao incêndio de novembro. A Marinha também foi multada em R$ 1,05 milhão pelo incidente, mas pode recorrer.
Corrêa informou ainda que a elevação da ilha a refúgio de vida silvestre abriria a possibilidade de visitação pública monitorada. Atualmente, o arquipélago é acessado só por pesquisadores autorizados pela Marinha e pelo Ibama. A área é considerada de segurança nacional pela Marinha -nenhum barco pode chegar a menos de 10 km sem autorização.
A reportagem esteve em Alcatrazes entre 30 de março e 1o de abril, quando acompanhou uma expedição organizada pelo Instituto Butantan, pelos projetos Alcatrazes e Tamar.

Documentário irá tratar da disputa no arquipélago
A disputa envolvendo a Marinha do Brasil e o Ibama, motivada pela realização de exercícios de tiros com navios na ilha principal do arquipélago dos Alcatrazes, será abordada em um documentário que está sendo realizado por uma equipe a pedido do Instituto Butantan, de São Paulo.
O filme, batizado de "Serpentes Ilhoas", conta a história das ilhas de Alcatrazes, a cerca de 40 km da costa de São Sebastião, no litoral norte de São Paulo, e de Queimada Grande, em Itanhaém, no litoral sul do Estado.
De acordo com o coordenador do projeto, o publicitário Luiz Felipe Moura, 26, o documentário tem como objetivo justificar a importância da conservação das duas ilhas, onde são encontradas espécies endêmicas como a jararaca-de-alcatrazes e a jararaca ilhoa (Queimada Grande), que dão nome ao filme.
O projeto inclui ainda a confecção de um livro que conta a história da evolução das duas espécies de cobra, terá 260 páginas e 290 fotos e será lançado com o documentário, em maio.
O filme colheu o depoimento de pessoas diretamente relacionadas à disputa em Alcatrazes, como a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, e o almirante da Marinha, Marcelo Carmo de Castro Pereira.
A equipe já tem cerca de 20 horas de imagens. O vídeo final deverá ter 18 minutos.
"No documentário, mostramos a justificativa de cada um dos lados [Ibama e Marinha]. No final, esperamos que o trabalho leve à realização do estudo de impacto ambiental dos exercícios de tiro realizados pela Marinha na ilha", disse Moura.(FA)

FSP, 05/04/2005, Cotidiano, p. C6
UC:Estação Ecológica

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