Ilha Grande tem 13 praias com línguas negras

O Globo, Rio, p. 22 - 14/03/2006
Ilha Grande tem 13 praias com línguas negras

Tulio Brandão

A aquarela da Ilha Grande - o azul do mar, o verde da mata, o rosa dos ipês e o branco da areia - ganhou a tonalidade escurecida das línguas negras. A falta de saneamento nas vilas mancha os grãos límpidos de 13 praias da região, segundo levantamento do Comitê de Defesa da Ilha Grande (Codig). No leito desses arroios poluídos, correm pelo menos 80 toneladas de carga orgânica de esgoto (DBO) por ano para o mar. Autora da estimativa, a bióloga da Uerj e doutora em engenharia química Márcia Marques Gomes diz que o volume calculado ainda é subestimado:
- Não considerei no levantamento pousadas e hotéis que oferecem alimentação, o que não é raro na ilha. Além disso, usei como base 140 mil turistas por ano, dado da prefeitura, que para mim está defasado.
Poluição está concentrada no lado continental da ilha
Para calcular a carga orgânica, ela considerou que a Ilha Grande tem hoje uma população de 6.500 pessoas e usou como base da produção de esgoto os parâmetros da Associação Brasileira de Normas Técnicas, que estabelece 120 litros per capita por dia em hotéis de pequeno porte. Do total de 160 toneladas de carga orgânica por ano, ela reduziu 50% - que, segundo seus cálculos, seria a atual capacidade de depuração da estação de tratamento de esgoto da Enseada do Abraão e de fossas e sumidouros em toda a ilha.
As línguas negras foram observadas pelo Codig nas seguintes praias: Provetá, Aventureiro, Palmas, Abraão, de Fora, Japariz, Saco do Céu, Bananal, Matariz, Enseada do Sítio Forte, Longa, Araçatiba e Vermelha. O presidente do Codig, Alexandre Guilherme, explica como está distribuído o esgoto:
- As praias com línguas negras ficam quase todas no lado continental da ilha, onde reside a maior parte da população. As exceções são Aventureiro e Provetá, que também têm manchas. Provetá é caso extremo, pois tem a população quase tão grande quanto a do Abraão e sem sistema de tratamento.
Repórteres do GLOBO sobrevoaram a ilha e constataram línguas negras em várias praias. Em Bananal, três manchas serpenteiam pela areia e chegam ao mar. Em Japariz, onde há restaurantes para turistas, a situação é dramática: uma vala negra e fétida percorre os fundos de boa parte das instalações.
Prefeitura vai reformar estação de tratamento
Na Praia do Abraão, análises recentes da Feema constataram que a água está com índices de poluição seis vezes acima do máximo tolerado pelo homem. A turista espanhola Gemma Sunyer não entendeu o que faziam urubus na área:
- Nunca vi esse bicho na Espanha. Mas, pelo visto, coisa boa ele não deve comer, já que está nesse córrego sujo. Fora isso, a ilha é o máximo.
Alexandre Guilherme diz que a estação atualmente espalha um forte odor e é mal operada, especialmente nos picos de turismo, quando a capacidade do equipamento - para 7.500 pessoas - se torna insuficiente.
O presidente da Turisangra, Manuel Francisco de Oliveira, no entanto, anuncia tempos melhores para o tratamento de esgoto em Abraão:
- Estamos fazendo reformas para permitir uma operação mais eficaz da estação. Vamos instalar sete bombas novas e ampliar em 10% a capacidade de tratamento (para cerca de 8.200 pessoas) e aumentar o diâmetro do emissário submarino de 110 para 200 milímetros, além de deixar o extravasor a uma distância maior da costa, de 700 metros para 1,1 quilômetro. E compraremos geradores para evitar panes nas elevatórias de esgoto sempre que faltar luz na ilha.
Um estudo do Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental da Uerj revela que os moradores consideram a falta de saneamento a questão mais crítica da ilha.

Feema estima demanda turística no Aventureiro
A Feema apresentou ontem uma estimativa de capacidade de demanda de turistas considerada tolerável para a Praia de Aventureiro, caso uma mudança na legislação permita a regularização dos campings da região. Para o órgão, o limite naquela área é de 560 visitantes. Os caiçaras sugerem que a capacidade seja de 1.028 pessoas.
O diretor da Divisão de Estudos Ambientais da Feema, João Eustáquio, explicou que o estudo foi feito a partir da faixa de areia da praia, que não está sob a influência das marés, de cerca de 6.750 metros quadrados. Na área, caberiam ao mesmo tempo 2.252 pessoas. Mas, devido ao fato de a área ser protegida e abrigar espécies importantes da fauna e da flora, entre outros fatores, a praia deve receber no máximo 25% da carga total suportada - 560 pessoas.
- De acordo com o ensaio, na Praia do Aventureiro qualquer número superior a este acarretaria num superpovoamento, favorecendo a migração dos banhistas em direção às Praias do Sul e do Leste.
Nessas duas praias, o acesso de pessoas é proibido. Elas compõem com Aventureiro, a Reserva Biológica estadual da Praia do Sul, hoje administrada pela Feema. Segundo o órgão estadual, a demanda de 1.028 pessoas foi calculada com base na capacidade de acomodação dos quintais de caiçaras, utilizados como camping, sem levar em conta os aspectos ligados à infra-estrutura de abastecimento e ao esgotamento sanitário.
A Feema vai emitir 70 autos e intimações com base nas 44 vistorias ambientais realizadas recentemente na Ilha Grande.

Opinião: Epidemia
A FAVELIZAÇÃO é uma doença urbana facilmente transmissível quando há leniência do poder público. Até na Ilha Grande o mal já foi detectado, como revelou O GLOBO no domingo.
DIANTE DA dimensão das favelas cariocas, a degradação na Ilha ainda é incipiente. Mas se nada for feito - como no Rio durante muito tempo - uma das mais ricas reservas do litoral brasileiro desaparecerá.
A ROCINHA e o Vidigal já foram um dia encostas cobertas de verde.

O Globo, 14/03/2006, Rio, p. 22
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