Impacto no ambiente é desconhecido

O Globo, Rio, p. 12 - 09/04/2014
Impacto no ambiente é desconhecido
MP diz que ' inconsistências' no processo de licenciamento impedem correta avaliação de riscos

EMANUEL ALENCAR
emanuel.alencar@oglobo.com.br
RAFAEL GALDO
rafael.galdo@oglobo.com.br

Para uma indústria petrolífera próxima à já combalida Baía de Guanabara, vizinha de um dos últimos remanescentes de manguezal preservado da Região Metropolitana e de um dos poucos mananciais de água do estado, cerca cem de licenças expedidas, 52 só para instalação de canteiros de obras, com 816 obrigações relativas ao meio ambiente específicas a cumprir. Mas, embora exija uma quantidade de condicionantes e contrapartidas ambientais inéditas na história recente do Rio, a construção do Complexo Petroquímico do Rio (Comperj), em Itaboraí, continua na berlinda e gera uma série de impasses e questões controversas não resolvidas. Decorridos seis anos da concessão da primeira licença - expedida pela extinta Feema, em 26 de março de 2008 - ainda não estão claros, por exemplo, os efeitos do empreendimento na Área de Proteção Ambiental (APA) de Guapimirim, distante apenas cinco quilômetros das obras e que pode sofrer com uma mudança do regime hidrológico da região. E sobram incertezas sobre a explosão demográfica às margens dos rios que abastecem mais de 1,7 milhão de pessoas em cidades como Niterói e São Gonçalo.
Gestor da APA de Guapimirim (única área verde no entorno da Baía, com seis mil hectares contínuos de mangue), o biólogo Maurício Muniz critica a morosidade do cumprimento das obrigações ambientais da Petrobras para a construção do Comperj. Um exemplo é que, até agora, segundo dados do Instituto Estadual do Ambiente (Inea), foram reflorestados apenas 710 hectares (14,2%) de um total de 5.004 previstos nas licenças concedidas. De acordo com o órgão ambiental, a estatal tem esbarrado em questões fundiárias e em disponibilidade de mudas para acelerar o plantio. Nesse ritmo, o Parque Natural Municipal das Águas de Guapimirim, criado em janeiro de 2013 para servir de "zona tampão" entre a refinaria e a APA, ainda não saiu do papel.
- Desde o fim de 2013 temos visto um retrocesso nas discussões ambientais, uma paralisação. A Petrobras se comprometeu a cumprir todas as condicionantes da licença antes que o primeiro botão da refinaria seja ligado. O tempo está passando e não temos visto avanços significativos - alerta Maurício.
Há ainda questionamentos no Ministério Público estadual e federal quanto à dispersão das emissões de poluentes, o destino dos efluentes industriais e em relação à transparência na execução de planos e programas. Para a 2ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva de Itaboraí e Magé, onde tramitam nove inquéritos sobre o Comperj, o processo de licenciamento dos empreendimentos que compõem a refinaria apresentam "omissões, inconsistências e incorreções", que impedem a correta avaliação dos impactos no meio ambiente. Uma dessas omissões, detalha o promotor Tiago Gonçalves Gomes, é fato de os estudos ambientais apresentados em 2008 não considerarem as atividades extramuros ligadas ao Comperj, como, por exemplo, um emissário terrestre e marinho que vai desembocar na Praia de Itaipuaçu, em Maricá.
Além disso, o MPF entende que a competência para licenciar o Comperj cabia ao Ibama, já que na área de influência direta estão três unidades de conservação federais: a APA de Guapimirim, a Estação Ecológica da Guanabara e a APA de Petrópolis. O Comperj exerce ainda impacto significativos à Baía de Guanabara, um bem da União. Em maio de 2013, o juiz Eduardo de Assis Ribeiro Filho, da 2ª Vara Federal de Itaboraí, chegou a determinar a paralisação das obras e a anulação de algumas licenças. Mas a Petrobras pediu suspensão dos efeitos da sentença e recebeu decisão favorável do Tribunal Regional Federal (TRF), a segunda instância. O imbróglio judicial persiste.
Um dos maiores temores dos gestores da APA de Guapimirim é o adensamento da região, podendo formar uma conurbação de Duque de Caxias a Itaboraí, pressionando o sopro de vida da Baía de Guanabara. Criada há exatos 30 anos, com quase 14 mil hectares, a APA é um berçário de peixes e abriga espécies como o boto-cinza, e aves como o colhereiro e o maguari. Aproximadamente 2 mil pescadores artesanais também encontram na unidade o seu sustento. Somente em São Gonçalo, município que compõe a unidade de conservação, são nove as colônias e associações de pescadores.
- Qualquer mudança nessa região impacta na vida do manguezal. A tendência, infelizmente, é que a instalação do Comperj ajude a fechar um cinturão de urbanização ao redor da área de proteção ambiental. Os diretores da Petrobras sempre dizem que é impossível ocorrer vazamento de dutos de óleo. Mas, em média, três caminhões tombam em rios da APA por ano. O risco de um desastre ambiental não pode ser desconsiderado - diz o analista ambiental Klinton Vieira Senra, chefe da Estação Ecológica Guanabara, unidade dedicada a pesquisas científicas dentro da APA.
Ex-secretário estadual do Ambiente, o atual deputado estadual Carlos Minc (PT) defende o processo de licenciamento. Segundo ele, foi um dos mais rigorosos da história do país.
- Em termos de exigências de padrões, cuidados, contrapartidas e condicionantes ambientais, talvez tenha sido o mais rigoroso licenciamento de uma refinaria no país. Exigimos uma Avaliação Ambiental Estratégica (AAE), não cortamos um pé de mangue, padrões dez vezes mais rigorosos que o Conama em relação aos efluentes gerados, padrões de emissão atmosférica cinco vezes mais rigorosos, saneamento do Centro de Itaboraí, Maricá e Niterói... O conjunto das exigências socioambientais superam a R$ 1 bilhão - afirma.
Minc descarta a repetição da situação vivida por Duque de Caxias, há meio século, quando foi instalada no município da Baixada a Reduc:
- É um horror porque é uma sucata tecnológica de 50 anos. Não há o menor risco de o Comperj seguir esse caminho. Foi um licenciamento correto, com cinco audiência públicas e várias conversas com a Marina Silva, que era ministra (do Meio Ambiente na época). Ela concordou com o licenciamento. Se o Ibama e o ICMBio não dessem a anuência, simplesmente não saía a licença do Comperj.
Barragem em região agrícola gera polêmica
A Petrobras, por sua vez, informou em nota que o Comperj foi projetado para atender à legislação ambiental vigente, "incluindo-se as questões de qualidade do ar, tendo sido devidamente licenciado pelo órgão ambiental competente (Inea), contemplando ações para redução da emissão de óxidos de nitrogênio". O GLOBO apurou que este controle de emissão de poluentes exigiu um investimento recorde da estatal em obras do tipo no país e contribuiu para encarecer a obra - a Petrobras não informou o valor.
- Aquela região tem uma dispersão de poluentes bastante problemática. Durante um dia, em 60% do tempo ocorre o que os meteorologistas chamam de calmaria. Para que o Comperj se enquadre nos padrões exigidos pelo Inea, Petrobras teve que gastar muito. O dado positivo é que a região nunca tinha sido monitorada. Agora, todas as chaminés do complexo petroquímico passarão informações em tempo real ao órgão ambiental - diz a engenheira química Paulina Porto, da Coordenação de Estudos Ambientais do Inea.
Outra questão ruidosa é a construção de uma barragem no Rio Guapiauçu, em Cachoeiras de Macacu, para garantir o fornecimento de água para o sistema Imunana-Laranjal, que abastece São Gonçalo, Itaboraí, Niterói e a Ilha de Paquetá. Está previsto o alagamento de uma área de 2.093 hectares, com alta produtividade agrícola, para garantir uma vazão maior ao sistema, que em menos de dez anos entrará em colapso: é estimado um déficit de 6,4 metros cúbicos por segundo já em 2020. Uma das contrapartidas do Comperj, o projeto é alvo de críticas de estudiosos e proprietários rurais. O alagamento implicaria a realocação de 998 pessoas, de acordo com o estudo de impacto ambiental do empreendimento, além de afetar a região que mais produz goiaba e milho verde do estado. As obras estão orçadas em R$ 250 milhões.
A Cedae informou que defende o projeto, que vem sendo tocado pela Secretaria Estadual do Ambiente (SEA).
- Não foram estudadas alternativas, como fazer barragens de fundo de vale, menores. A médio e longo prazos, esta intervenção no Guapiaçu pode trazer prejuízos enormes a uma das áreas mais férteis do estado em legumes e verduras - alerta o engenheiro florestal Paulo Schiavo, que já foi vice-presidente do Inea. - A atividade agrícola estará fadada ao desaparecimento, pois sobrarão poucas áreas. Ações que permitam a diminuição das perdas de água, e o desassoreamento dos rios do Imunana-Laranjal são medidas muito importantes que não vem sendo discutidas.
Há também indefinições no abastecimento de água do Comperj, cuja demanda de água industrial deve ser na ordem de 2,0m³/s, suficiente para abastecer uma cidade como Niterói. A proposta anunciada há seis anos era utilizar água tratada na Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) Alegria, no Caju, mas parece ter sido abandonada pelo governo do estado. Agora, a alternativa mais viável é abastecer o empreendimento com água de lavagem de filtros do sistema Guandu, em Duque de Caxias. Essa alternativa, já licenciada, exige, porém, a construção de uma tubulação de 40km, passando pela Baixada Fluminense.
Enquanto isso, novas condicionantes vão surgindo. As mais recentes, para proteger as quatro dezenas de botos-cinza (Sotalia guianensis) que resistem na Baía de Guanabara, pelas quais a estatal precisa cumprir 14 determinações do Inea na dragagem de um porto no bairro de Itaoca, em São Gonçalo, que está sendo construído para receber insumos da refinaria.
A obra foi a solução encontrada para outro dos tantos imbróglios ambientais do empreendimento. Inicialmente, era previsto que grandes equipamentos (que não poderiam passar pelas estradas da região) chegariam ao Comperj por uma hidrovia no Rio Guaxindiba, dentro da APA de Guapimirim. O projeto, claro, sofreu pressões de todos os lados. Decidiu-se, então, pela construção do porto, para que os peso pesados da refinaria possam passar por uma nova estrada que o ligará ao complexo em Itaboraí. Máquinas já abrem caminho, inclusive com a remoção de casas, para a nova via. Enquanto, num estaleiro na Ilha do Governador, os equipamentos esperam a obra ficar pronta. E os prazos de conclusão da primeira etapa do Comperj - já estendido para 2016 - se aproximam.

O Globo, 09/04/2014, Rio, p. 12

http://oglobo.globo.com/infograficos/comperj/?aba=meioambiente
Energia:Petróleo

Unidades de Conservação relacionadas

  • UC Petrópolis
  • UC Guapimirim
  • UC Guanabara
  •  

    As notícias publicadas neste site são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.