Índios podem ser retirados de Superagüi

Gazeta do Povo - 19/11/2000
Índios podem ser retirados de Superagüi
Pesquisadores querem a desocupação imediata das áreas de proteção ambiental

Clarissa Lima

Ambientalistas estão pedindo ao ministro do Meio Ambiente, José Sarney Filho, a remoção dos índios que ocupam áreas de proteção ambiental que pertencem a parques nacionais. Uma dessas áreas é a que está ocupada há dez anos por índios guaranis no Parque Nacional do Superagüi, no litoral norte do Paraná.
A decisão dos ambientalistas foi tomada durante o II Congresso Nacional de Unidades de Conservação, finalizado no último dia 9 em Campo Grande (MS), e representa a posição oficial de cerca de 700 pesquisadores, conservacionistas e diretores de unidades de conservação de todo o Brasil. Na plenária do congresso eles votaram pela redação de uma moção que defende a "imediata retirada" das comunidades indígenas que ocupam unidades de conservação.
No texto do documento os ambientalistas argumentam que o Brasil já destinou 11 % de seu território para as comunidades indígenas, reservando apenas 2,5% para a proteção integral de sua diversidade biológica. "Ambos os direitos - o indígena e o ambiental - são garantidos constitucionalmente, sem submissão de um pelo outro. Assim, inaceitável qualquer tentativa de sobrepor os legítimos interesses indígenas aos igualmente legítimos interesses ambientais", argumentam os conservacionistas.
Polêmica
A posição dos ambientalistas reacende a briga entre o Ibama (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis), que administra os parques nacionais, e a Funai (Fundação Nacional do índio).
Para Antônio Roberto de Paula, administrador da Funai em Curitiba, o assunto deve ser discutido pelo Congresso Nacional e pela sociedade. Segundo ele, pelo Estatuto do índio (Lei 6001/67), a remoção de povos indígenas só pode ser autorizada por deputados e senadores.
O administrador defende também que, como não há uma regra específica na lei que fale sobre a retirada de índios que estão em áreas de proteção ambiental, os ambientalistas não podem exigir a remoção destes povos sem antes iniciar uma ampla discussão do assunto.
Sérgio Brant, diretor de unidades de conservação do Ibama em Brasília, contesta este argumento. Para ele, a autorização do Congresso Nacional para remoção de índios vale apenas nos casos em que eles são ocupantes de áreas reconhecidas pelo governo. "Não é o caso dos parques nacionais. Quando o governo criou os parques, os índios não estavam lá. Eles invadiram estas áreas", diz o diretor, que acusa a Funai de estar encaminhando, propositalmente, os índios para os parques.
Disputa
Na guerra aberta entre Ibama e Funai, a solução para o impasse está longe. Enquanto Antônio Roberto de Paula defende um estudo para a demarcação das terras ocupadas pelos guaranis em Superagüi, Sérgio Brant reafirma a "impossibilidade de flexibilização" da lei que regula o uso dos parques nacionais para "acomodar reivindicações territoriais de qualquer tipo".
"Existem outras áreas para os índios fora dos parques", comenta Brant. "A retirada dos guaranis da Ilha do Superagüi seria mais uma violência contra este povo e mais um passo para a sua 'sentença de morte'", afirma Paula.
Tribo guarani vive "no passado"
Índios de Superagüi caçam, plantam e fazem artesanato como seus ancestrais
CLARISSA LIMA
A tribo de guaranis da Ilha de Superagüi vive no alto do Morro das Pacas e dedica-se a lavoura de subsistência e a caça. A aldeia, de difícil acesso, tem 29 índios, divididos em sete famílias. As casas são moradias típicas, construídas com madeira e barro batido e cobertas de palha.
Os índios dormem no chão. A maioria fala apenas o guarani, mas todos recebem também um nome em português. Eles vestem-se com roupas doadas na maioria das vezes por turistas e andam sempre descalços.
Enquanto os homens passam o dia no mato caçando, as mulheres ficam na aldeia cuidando das crianças e fazendo artesanato. Elas fazem cestos de palha e pequenas esculturas em madeira de animais da fauna da ilha. Entre eles estão o tatu, onça, tamanduá, macaco e o porco do mato. Os objetos são vendidos para os turistas em Paranaguá.
Os guaranis plantam principalmente milho, mandioca, batata doce, abóbora, melancia e fumo. A lavoura fica em pequenas áreas, ao lado da aldeia. Para comer eles caçam veados, tatus, pacas, capivaras, onças e jacarés. Para capturar os animais usam armadilhas feitas artesanalmente.
Todos os dias no fim da tarde eles se reúnem no centro da aldeia para cantar e dançar. Fernando Benite, 29 anos, um dos integrantes da tribo, explica que a cerimônia serve para "agradecer a Deus pelo dia de hoje".
Álvaro Ramires, 16 anos, é quem toca o "rabé", espécie de violino usado pelos guaranis nas cerimônias. Ele também se encarrega de ensinar os passos da dança para as crianças da aldeia. Álvaro aprendeu tudo pelas suas passagens por outras aldeias. Ele conta que é costume entre o povo guarani os meninos saírem de sua aldeia original e deixarem a família para conhecer outros lugares.
Fernando, que substitui o cacique quando é preciso, disse que os índios estão bem morando em Superagüi. Ele diz que quando não colhem o suficiente com a lavoura, compram arroz e farinha na cidade. Segundo ele, não pescam porque tiveram a rede roubada. De auxílio da Funai recebem remédios para as crianças.
Ibama acusa os índios de desmatar floresta Diretora do parque acusa a Funai de oportunismo
A diretora do Parque Nacional do Superagüi, Guadalupe Vivekananda, afirma que os índios já desmataram três hectares da vegetação do Morro das Pacas para construir a aldeia e plantar. Segundo ela, os guaranis que habitam o parque foram trazidos até a ilha pela Funai, vindos do Rio Grande do Sul e Santa Catarina.
De acordo com Guadalupe, a Funai estaria agindo de forma "oportunista", levando o índios para o parque. A diretora afirma que "não há mais possibilidade de diálogo com a Funai sobre o assunto, que com raras exceções só demonstrou atitudes antiéticas através de seus profissionais".
Para Guadalupe, falta boa vontade da Funai em retirar os índios do local, já que existe uma área indígena, reconhecida oficialmente, na Ilha da Cotinga (município de Paranaguá), próxima ao parque. Conforme ela, os índios também poderiam ser levados para uma área que poderia ser demarcada na Área de Proteção Ambiental de Guaraqueçaba.
Além do desmatamento, Guadalupe acusa os índios de comercializarem animais silvestres, muitos em ameaçados. Ela diz que os índios já foram vistos com micos-leões e aves silvestres, como o papagaio-da-cara-roxa, espécie em extinção, assim como o mico-leão-da-cara-preta, recém-descoberto.
"A Funai, ao invés de ficar criando áreas indígenas sem um critério adequado deveria cuidar mais dos índios que já têm terras demarcadas e sempre são visto revirando latas de lixo em Paranaguá", comenta a diretora.
Segundo Sérgio Brant, diretor de Unidades de Conservação do Ibama, além do parque do Superagüi e dos parque nacionais de Monte Pascoal (BA) e Araguaia (TO), já invadidos por tribos indígenas, há a possibilidade de outras unidades de conservação serem invadidas. Como exemplo, ele cita os parques de Monte Roraima e do Pico da Neblina e reservas biológicas de Guaporé e Abufari.
Em busca do paraíso na Terra
Passagem pela ilha faria parte da cultura das tribos nômades
A indigenista Luli Miranda, presidente da organização não-governamental paranaense Terra Mater, diz que a ocupação guarani na área do litoral do Paraná é milenar. Ela defende a idéia de que a Ilha do Superagüi faz parte da "trilha de perambulação" da tribo. "Os guaranis são povos nômades, que buscam a Terra Sem Mal, um paraíso que eles acreditam que exista na Terra. Eles acham que para alcançar este paraíso devem passar pela ilha. É uma relação espiritual que eles têm com a terra", explica.
Carlos Marés, ex-presidente da Funai, também defende a permanência dos guaranis no Parque Nacional do Superagüi. Professor de direito ambiental, ele defende o direito dos índios de "perambular pela floresta".
Marés afirma que os índios têm o direito de ocupar áreas de remanescentes de Mata Atlântica. "As reservas dadas aos guaranis são minúsculas. Um ironia se formos analisar a sua história: em 1500 eles eram 2,5 milhões e ocupavam territórios do Brasil, Paraguai, Argentina e Bolívia. Hoje, eles não passam de 30 mil índios, que se vêem obrigados a se confinar em parques, áreas que o branco não se interessou em destruir", diz.
Para o professor, ou se permite que os guaranis vivam no local que escolheram ou serão um povo fadado ao desaparecimento. "Se nós, brancos, precisamos desta florestal, eles também precisam. Fomos nós que fizemos as leis que estamos usando agora contra eles. Além da floresta e animais, os índios e sua cultura também estão em extinção", comenta.
Para Marés não há sentido em afirmar que os índios foram levados a Superagüi pela Funai. Eles estariam morando num local - no alto de um morro - que não é de seu costume. "Dizer que eles foram "levados" é menosprezar toda a sua cultura, colocá-los numa situação de inferioridade. Os índios moram em lugares de acordo com suas preferências, não de acordo com seus instintos, como querem crer aqueles que ainda vêem os índios como animais".

Gazeta do Povo, 19/11/2000
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