Índios se preparam para resistir a despejo na zona norte de SP

FSP, Cotidiano, p. C6-C7 - 26/04/2015
Índios se preparam para resistir a despejo na zona norte de SP
Cerca de 700 guaranis vivem em área no Jaraguá; desde 2013, regularização está parada no Ministério da Justiça
Donos de terras onde estão os indígenas questionam laudo e conseguiram ordem de reintegração de posse

FABIANO MAISONNAVE DE SÃO PAULO

Cidade de várias culturas, São Paulo preservou pouco espaço para a mais antiga delas. Confinados na menor terra indígena do Brasil, cerca de 700 guaranis lutam para ampliar seu território no entorno do pico do Jaraguá, na zona norte de São Paulo.
A ofensiva se intensificou no ano passado, quando algumas famílias deixaram a congestionada comunidade à beira da Estrada Turística do Jaraguá, de 5,2 hectares, para ocupar uma propriedade privada 72 hectares de área verde, a cerca de 3 km. Fundou-se ali a aldeia Itakupé.
O grupo, liderado pelo cacique Ari Martim, 74, é a ponta de lança da estratégia para pressionar o governo federal a regularizar 532 hectares de uso tradicional guarani, segundo estudo antropológico reconhecido pela Funai (Fundação Nacional do Índio) em abril de 2013. A área inclui parte do Parque Estadual do Jaraguá.
"Aquele espaço lá é uma aldeia? Não, é uma favela", diz Martim, em entrevista em Itakupé, erguida sobre um terreno íngreme atrás do pico do Jaraguá. "Aqui tem como fazer uma aldeia modelo, esse é o meu sonho."
Os guaranis reclamam que a regularização está parada há dois anos, à espera da assinatura do ministro José Eduardo Cardozo (Justiça). Procurado, o ministério se limitou a afirmar que "o processo está em análise na consultoria jurídica".
Enquanto a tramitação se arrasta em Brasília, a tensão aumenta no Jaraguá. A presença indígena não é aceita pelos proprietários --entre eles o ex-prefeito de São Bernardo Tito Costa (1977-83)--, que usam a área para o plantio de eucalipto.
Em março, eles conseguiram uma ordem de reintegração de posse na Justiça Federal. Na quinta-feira (23), a Funai recorreu ao STF (Supremo Tribunal Federal).
"Nunca houve índios naquela área", afirma Costa, 92, que, quando era prefeito, chegou a esconder o então líder metalúrgico Luiz Inácio Lula da Silva por um mês.
"Esse laudo é um exercício acadêmico, fala do Pedro Álvares Cabral etc. E é unilateral, não fui ouvido", disse.
Do lado dos guaranis, a promessa é de "resistir com vidas": "A demarcação que nós pedimos é muito pouco perto de tudo que os brancos tomaram de nós, e não podemos abrir mão de nem mais um palmo de terra", afirmam, em carta aberta publicada na sexta-feira (24).
ALDEIA URBANA
A comunidade guarani no Jaraguá começou na década de 1950, quando a primeira família se instalou na região, ainda rural. O núcleo original cresceu com a chegada de outras famílias enquanto a área verde foi se reduzindo --a rodovia dos Bandeirantes, construída nos anos 1970, passa a poucos metros.
Quando a regularização de 1,7 hectare da aldeia Ytu ocorreu, em 1987, os guaranis já haviam sido engolidos pela cidade. Uma favela contaminou o riacho de esgoto. Para piorar, o local virou ponto para o abandono de cachorros, hoje em algumas centenas.
O crescimento levou famílias a se mudarem para uma área contígua de 3,5 hectares, antes usada para o plantio e também sob litígio.
Hoje, boa parte das famílias está inscrita em programas sociais, como o Bolsa Família. Alguns trabalham nas duas escolas públicas e no posto de saúde dentro da comunidade.
"[A pressão] é para que a gente deixe de existir da nossa maneira.", diz David Martim, 27, líder e professor de geografia.


Por falta de professores, crianças ficam sem aulas
Segundo docente, há sala com 200 alunos

DE SÃO PAULO

O relógio ainda marcava 10h30, mas todas as cerca de 80 crianças do período matutino da escola estadual da aldeia guarani Ytu, no Jaraguá, já estavam fora da sala de aula, na última sexta-feira (24).

Essa rotina de dispensa antecipada se repete desde o início do ano letivo, em 2 de fevereiro, devido à falta de professores, segundo pais de alunos e funcionários da escola ouvidos pela Folha.

Para este ano, a escola preencheu apenas duas das sete vagas de professores de ensino fundamental no período matinal.

O problema é mais grave à noite, quando a escola oferece ensino médio e educação de jovens e adultos: faltam sete professores. As aulas da sexta (24) foram canceladas.

Só não há falta de professores no período vespertino, quando a escola também oferece ensino fundamental.

Funcionários da escola afirmam que o problema não está relacionado à greve na rede estadual, e sim à não contratação de professores para vagas vazias.

Outro problema ali é a falta de espaço. "A escola tem duas salas de aula para mais de 200 alunos", diz o líder local e professor de geografia David Martim, 27, que também tem ensinado matemática aos alunos.

Na hora do almoço, a maioria das crianças tem de levar o prato de comida para fora do colégio, pois não há mesas e cadeiras para acomodar a todas dentro do espaço.

"O governador de São Paulo [Geraldo Alckmin, PSDB] não liga para os povos indígenas", afirma Martim.

OUTRO LADO

Procurada pela Folha, a Secretaria Estadual de Educação alegou que a falta de professores é "pontual" e assegurou que as aulas perdidas serão repostas.

Informou também que a escola conta atualmente com 11 professores e que haverá um reforço de mais dois docentes na semana que vem.

Ainda de acordo com a secretaria, há um plano de expansão da escola, incluindo um espaço multimídia para uso de computadores, a um custo de R$ 60 mil.
(FM)

FSP, 26/04/2015, Cotidiano, p. C6-C7

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidiano/217358-indios-se-preparam-para-resistir-a-despejo-na-zona-norte-de-sp.shtml

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidiano/217359-por-falta-de-professores-criancas-ficam-sem-aulas.shtml

[Veja vídeo: http://player.mais.uol.com.br/embed_v2.swf?mediaId=15452723&p=related]
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