Juiz proíbe União de pagar C.R. Almeida por terras griladas

Envolverde - 20/07/2006
Juiz proíbe União de pagar C.R. Almeida por terras griladas

O juiz federal Herculano Martins Nacif, do maior município do mundo em área, Altamira, que corta o estado do Pará do sul ao baixo rio Xingu, proibiu o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) de indenizar a Amazônia Projetos Ecológicos Ltda., do grupo C.R. Almeida S.A. Engenharia e Construções, comandado pelo empreiteiro paranaense Cecílio Rego de Almeida, qualificado pela revista Veja, em 1999, como "o maior latifundiário do mundo". O grupo C.R. Almeida pode recorrer ao Superior Tribunal Federal (STF).

Dom Cecílio, como é chamado, pretende ser indenizado por terra grilada por ele, conforme acusa do Ministério Público Federal. Grilou cinco latifúndios: os seringais Mossoró, Belo Horizonte, Caxinguba, Humaitá e Forte Veneza, área de 1,2 milhão de hectares, na Estação Ecológica da Terra do Meio e nas terras indígenas Araweté e Apyterewa. A Terra do Meio é um santuário na cunha dos rios Xingu e Iriri. Cada hectare equivale a um campo de futebol.

No dia 31 de março, a desembargadora Osmarina Sampaio Nery, corregedora de Justiça das Comarcas do Interior do Tribunal de Justiça do Estado, já mandara bloquear as matrículas, no Cartório de Registro de Imóveis de Altamira, dos seringais Mossoró, Forte Veneza e Caxinguba - 705 mil hectares -, por falta de título de domínio e por inscrição em livro impróprio. A decisão, agora, do juiz Herculano Nacif, de medida cautelar, na ação proposta pelo Ministério Público Federal, indisponibiliza os cinco seringais e obriga a Amazônia Projetos Ecológicos a retirar todos os seus empregados da área. O descumprimento da determinação será multado, diariamente, em R$ 100 mil.

Bélgica e Holanda

Em 18 de abril de 2005, o Ministério Público Federal, em Santarém, no oeste do Pará, entrou com Ação Civil Pública na Justiça Federal, para impedir que o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) indenizasse a Incenxil - Indústria, Comércio, Exportação e Navegação do Xingu Ltda., do grupo C.R. Almeida, pela desapropriação de mais de 4,7 milhões de hectares da Reserva Extrativista Riozinho do Anfrísio, na Terra do Meio. A área equivale à Bélgica e à Holanda juntas.

A Incenxil afirma que é dona de metade da área da reserva, mas os procuradores Felício Pontes Júnior, Ubiratan Cazetta e Gustavo Nogami garantem que a suposta fazenda Curuá, da Incenxil, "é a maior área grilada do Brasil" e resulta de "histórica fraude". Os procuradores advertem que a Uniã! o não deve pagar por imóvel que já lhe pertence. A Incenxil é da família de Dom Cecílio.

O MPF afirma que a fazenda Curuá é "praticamente metade da recém-criada Reserva Extrativista Riozinho do Anfrísio". Conforme relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Terra, esse imóvel é reconhecido como a maior área grilada do Brasil. O MPF também aponta a sobreposição da fazenda a outras áreas da União. O imóvel sobrepõe-se a toda a extensão das Terras Indígenas Xypaia e Curuaya, toda a área da Floresta Nacional de Altamira, 82% da Terra Indígena Baú, dos Kayapó, e toda a gleba de dois assentamentos do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Segundo laudo do Setor de Perícia da Polícia Federal sobre atividades dentro da reserva, existem garimpos e foram abertas pistas de pouso e estradas para exploração de madeireira na reserva.

Grilagem começou com um certo coronel Ernesto Acioly da Silva

Boa parte da Ação Civi! l Pública explica a história da aquisição da fazenda Curuá pela Incenx il. A grilagem teria começado em 1984, quando um cartório de Altamira privatizou terras públicas cedidas pelo estado, sob regime de arrendamento, a moradores da região, para exploração de castanhais e seringais. Nove glebas foram transferidas aos herdeiros de um certo coronel Ernesto Acioly da Silva. As glebas, na margem esquerda do rio Iriri, afluente do rio Xingu, somavam, à época, 4 milhões de hectares.

Em 1993, o cartório de Altamira produziu memorial cartográfico da nova gleba, ampliando sua área para mais de 4,7 milhões de hectares. Sempre segundo o MPF, neste momento o imóvel teria sido transferido para a Incenxil. Os procuradores afirmam que "o alastramento da corrupção perpetrado pela requerida Incenxil no âmago dos registros públicos no Pará significou e continua significando o desordenamento agrário, a violência no campo, a devastação ambiental e o sofrimento de milhões de pessoas que poderiam e deveriam usufruir de uma reforma agrária".

Ainda em 1993, as empresas de Dom Cecílio foram alvo de investigação por uma Comissão Parlamentar de Inquérito na Assembléia Legislativa do Pará, que apurava a aquisição irregular de terras em Altamira. O relatório final da CPI registra a pretensão de posse da fazenda Curuá pela Incenxil como "ilegítima". O MPF afirma que "das investigações desenvolvidas pela CPI, restou patente que a sociedade empresarial C. R. Almeida S.A. Engenharia e Construções - uma das maiores empresas do ramo da construção civil do país, comandada por Cecílio Rego de Almeida, presidente, responsável técnico e acionista majoritário - é a sócia-gerente da Incenxil, titular dos documentos e registro forjados".

Em 2002, uma CPI na Câmara dos Deputados, em Brasília, também tratou da "questão Incenxil" no relatório "Ocupação de Terras Públicas na Região Amazônica" e indiciou um do sócios da empresa, Umbelino José de Oliveira Filho - já falecido -, por estelionato qualificado, formação de quadrilha e sonegação ! fiscal.

A Ação Civil Pública ajuizada em abril de 2005 já era a terceira do caso Curuá. A primeira, tramita em Altamira e foi proposta pelo Instituto de Terras do Pará (Iterpa), em 1996, pedindo a anulação do título da propriedade. A ação está parada devido a uma pendência sobre a competência da justiça estadual em julgar o caso. "O processo chegou a desaparecer por dois anos" - informa o procurador Felício Pontes Júnior, que espera que a peça seja anexada à ação ajuizada em Santarém.

A segunda ação, oferecida pelo MPF, em 2003, também tramita na Justiça Federal em Santarém. Trata da responsabilidade criminal dos titulares da Incenxil e dos oficiais do cartório de Altamira envolvidos nas falsificações que deram origem à grilagem. O processo está na fase de instrução, ou seja, de apresentação de provas pela defesa. "Esperamos que a denúncia seja julgada até o fim de 2006" - disse Felício Pontes Júnior.

Há denúncias de que a Incenxil paga policiais militares para expulsar ribeirinhos, ou quem quer que seja, da região. Segundo a ONG O Eco, há relatos de famílias que tiveram as casas incendiadas.

Advogado acusa União por confisco de terras

A Reserva Extrativista Riozinho do Anfrísio foi criada em novembro de 2004, por decreto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Com área de 736 mil hectares, compõe um mosaico de unidades de conservação instituído pelo governo federal, em fevereiro de 2006, o Pacote Verde, editado pelo Palácio do Planalto em reação à morte da freira americana Dorothy Stang, dois dias antes, em 12 de fevereiro, em Anapu, Terra do Meio.

O Instituto Socioambiental (ISA) de São Paulo coordenou, em 2002, um levantamento socioeconômico e ambiental da Terra do Meio, a pedido do Ministério do Meio Ambiente (MMA), e realizou expedições à região durante quatro semanas. O estudo revela que a Terra do Meio, além de ser uma das áreas menos conhecidas do país, é também uma das menos povoadas, com cerca de 98% de sua área bem preservados. Mostra ainda que a grilagem de terras e a exploração do mogno têm avançado sobre o território, expulsando dezenas de famílias ribeirinhas, aterrorizadas por pistoleiros.

Cinco municípios na Terra do Meio - Altamira, Itaituba, Jacareacanga, Trairão e Novo Progresso - querem anular, no Supremo Tribunal Federal (STF), a criação de unidades de conservação na região, como propõe o Pacote Verde. A área atingida pela decisão de Lula é maior do que Alagoas, Sergipe, Bélgica e Holanda juntos, com mais de 8 milhões de hectares, um dos maiores confiscos de terras no país.

Segundo o advogado de Itaituba, Ulisses Carvalho d'Oliveira, "o caminho escolhido pelo governo federal para resguardar o meio ambiente da Amazônia é distorcido, violenta o aspecto constitucional e não ataca o problema em seu cerne, que é a falta da presença da União, através de seus órgãos diretamente afins, no maior patrimônio natural do Brasil, quer pela sua riqueza, quer pela sua própria dimensão". Para Ulisses Carvalho d'Oliveira, o Pacote Verde "expulsará pessoas da área rural! , desapropriará vastidões de terras e obrigará municípios a enfrentar o êxodo populacional, o desemprego e a miséria em escalas assustadoras".

Segundo o mandado de segurança interposto pelo advogado, o decreto presidencial submete os municípios de Altamira, Itaituba, Jacareacanga, Trairão e Novo Progresso à "limitação administrativa provisória". O decreto proíbe agricultura de subsistência e qualquer exploração extrativista. "Em que pese o roteiro da proposta ambiental das unidades de conservação e dentre elas a zona de limitação administrativa, o modelo proposto é natimorto ante os estreitos e incompletos fundamentos em que se sustenta" - advoga Ulisses Carvalho d'Oliveira.
(Envolverde/ABC Politiko)

Envolverde, 20/07/2006
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