Madeira boa

FSP, Especial/Tudo Sobre Desmatamento, p. 8 - 24/09/2015
Madeira boa
Concessões para a exploração sustentável da floresta tropical surgiram a fim de competir com a extração ilegal de árvores, mas o plano não está dando muito certo

RAFAEL GARCIA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
EM ITAPUAUO OESTE (RO)


Contando cerca de 8.000 habitantes, o pequeno centro urbano com ruas de terra de Itapuã do Oeste, um dos polos madeireiros de Rondônia, abriga muitas serrarias.
Quando começa a estação seca e a ausência de lama faz render o trabalho na floresta, várias já estão cheias de toras em seus pátios. Algumas não têm nome no portão, mas os troncos recebidos já estão etiquetados, apontando propriedades privadas em Rondônia como origem.
Se alguma árvore foi extraída ilegalmente, nesta altura a madeira já foi "esquentada" - recebeu um falso atestado de legalidade.
Entre as poucas serrarias dotadas de placas, duas parecem ter orgulho em exibi-las: Madeflona e Amata. São as concessionárias com autorização do SFB (Serviço Florestal Brasileiro) para extração sustentável de madeira em mil quilômetros quadrados da Flona do Jamari.
Nessas áreas de concessão, modo de operação e critérios de corte são diferentes dos praticados onde há extração ilegal ou em terras privadas.
O território concedido a cada uma das empresas é dividido em 25 fragmentos, ou "talhões". Só um pode ser explorado a cada ano. Após 25 anos, estima-se, o primeiro talhão já terá recuperado o volume de madeira extraída, por crescimento natural, e voltará a ser explorado.
No máximo 25 m3 de madeira podem ser retirados de cada hectare, ou entre 5 e 6 árvores em um terreno equivalente a um campo de futebol.
Na Amata, uma parte significativa da madeira é de árvores mais esguias, a partir de 40 cm de diâmetro, não só aquelas de maior diâmetro e valor comercial. Se a exploração se concentrar toda em faveiras e angelins enormes, mesmo que a floresta recupere em 25 anos a biomassa perdida, sua fisionomia natural e diversidade ficarão comprometidas. Técnicos excluem da lista de abate a maioria das árvores grandes e as que abrigam ninhos de aves e tocas.
Também são poupadas as árvores que, na queda, possam danificar castanheiras. Esta e outras espécies ameaçadas, como copaíba e algodoeiro, são protegidas por lei. Como os tratores são obrigados a passar longe dessas árvores, as estradas secundárias que a empresa abre na mata são tortuosas, o oposto das cicatrizes retas deixadas pela extração ilegal.
A Amata iniciou suas operações na Flona do Jamari há cinco anos. Os caminhos abertos no primeiro talhão já estão recolonizados por plantas. Em duas décadas, serão quase indistinguíveis de uma área de mata primária.
A derrubada de uma árvore segue um ritual minucioso. Quando a equipe de abate chega ao local, as condenadas já estão assinaladas. Todas ganham placas de identificação com números.
A reportagem testemunhou a derrubada de um ipêroxo florido com 20 metros de altura. Após a limpeza de cipós e galhos menores em torno da árvore a ser cortada, começa o estardalhaço.
A motosserra é ligada e cravada de frente na árvore, fazendo uma incisão vertical. Por meio dessa abertura, uma ferramenta com gancho mede a espessura da parede lenhosa na base. Se não houver parte oca ou se esta for pequena, o abate é confirmado.
O motosserrista faz um corte diagonal para direcionar a inclinação do tronco e dá início à secção horizontal que vai quebrar o pé do gigante.
A uma distância de mais de cem metros não se ouve com clareza o ranger e estalar da madeira, só a saraivada de galhos partidos seguida de um estrondo quando o tronco toca o solo.
No toco remanescente, o motosserrista fixa com prego e martelo uma placa metálica com o número de custódia. O código ficará vinculado a todos os produtos feitos com a madeira. O tronco então está pronto para ter os galhos extraídos e sair arrastado da floresta por tratores.
CONCORRÊNCIA DESLEAL
O registro e a cadeia de custódia são as ferramentas das concessionárias de florestas públicas para provar que a madeira entregue ao mercado não foi "esquentada".
O custo adicional de adoção das melhores práticas, porém, impede que essas empresas tenham preço competitivo no Brasil. A abundância da produção ilegal joga para baixo o preço médio da madeira tropical, e a produção sustentável tem pouca penetração em mercados fortes como o paulista.
Na estimativa das empresas, mais de 70% do total vendido é de origem irregular.
A madeira das concessões privadas em florestas nacionais acaba escoando via exportação. Mais de 90% da produção da Amata segue para o mercado europeu, onde a legislação exige que o pro¬duto seja 100% rastreável.
Além de obedecer aos padrões do SFB, a empresa é certificada pela ONG Forest Stewardship Council.
O mercado internacional, porém, não garante estabilidade. Entre 2007 e 2013, a produção legalizada caiu de 14 milhões para 6 milhões de m3 de madeira silvestre serrada.
O aumento da participação da madeira plantada no Sul e no Sudeste no mercado brasileiro teve papel no recuo da produção legalizada de florestas tropicais nativas. Segundo o SFB, o endurecimento da fiscalização é o principal fator por trás da rejeição da madeira nativa, que favoreceu a das plantações.
O aperto na fiscalização não aumentou o preço da madeira tropical: a média da cotação do m3 de tora era de R$ 200; caiu para RS 150 após 2010. Já a madeira plantada manteve-se na faixa dos RS 70 no período.
Concessões para exploração sustentável de madeira, criadas em 2006, representam menos de 1% da produção amazônica. A meta é elevar a participação a 40% até 2022.
Para isso, além da outorga de novas concessões em Flonas, será preciso que as atuais elevem a produtividade. Muitas retiram menos da metade dos 2.500 m3 por quilômetro quadrado a que têm direito.
Hoje as unidades de manejo florestal dentro de cinco flonas (duas em Rondônia e três no Pará) ocupam 8.400 km 2. Para atingir a meta do SFB. elas deveriam ter cerca de 70 mil km2.
As empresas pagam ao SFB de R$ 16 a R$ 130 por m3 de madeira. O dinheiro é repartido entre os governos federal, estadual e municipal.
GARIMPOS E GARIMPOS
Nos cinco anos em que a Amata e a Madeflona vêm operando na Flona do Jamari primeira área aberta para a iniciativa privada, fiscais do Instituto Chico Mendes de Biodiversidade observaram queda no número de invasões na unidade de conservação.
Incursões para garimpo de madeira ainda existem, mas já foram bem mais comuns.
Por outro lado, o garimpo verdadeiro, mineral, degrada a floresta mais que o roubo de toras. O solo da região é rico em cassiterita e colombita, minérios dos quais se extraem estanho e tântalo.
A extração de madeira ilegal, por alvejar só árvores selecionadas, não causa uma eliminação total da cobertura vegetal. Mas abre as portas para a chegada da agropecuária, responsável por "limpar" o que resta da mata.
O trecho norte da Flona do Jamari permanece preservado, mas a pressão ambiental sobre o resto da borda da reserva aumenta. Concessões florestais são cruciais na proteção da unidade de conservação. "A presença do concessionário afasta quem quer fazer uso irregular da área", diz Raimundo Deusdará, diretor-geral do SFB.
A estratégia para compensar a falta de vigilância de unidades de conservação nem sempre funciona.
O lado mais pressionado da Flona do Jamari, a oeste, no município de Cujubim (RO), não tem nenhum concessionário operando.
O SFB atribui o desinteresse pela área da Flona em Cujubim a um maior isolamento e a presença maior de serrarias ilegais. A concessionária que assumisse aquelas terras teria de conviver com mais conflitos.

FSP, 24/09/2015, Especial/Tudo Sobre Desmatamento, p. 8
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